Imagens do monitoramento do idaf
Foto: Divulgação/Idaf

O Espírito Santo perdeu, em 2024, o equivalente a meio campo de futebol de vegetação nativa por dia, ou 15 campos de futebol por mês. Foram 137 hectares desmatados ao longo do ano, segundo dados do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) Mata Atlântica, da Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o MapBiomas.

O número representa uma queda de mais de 60% em relação a 2023, quando o Estado registrou 363 hectares destruídos, e consolida uma tendência de redução observada nos últimos anos.

Essa redução é fruto da ampliação do trabalho de monitoramento das florestas e também de incentivo, inclusive financeiro, ao reflorestamento por parte dos produtores rurais.

O Programa Reflorestar, do governo do Estado, coordenado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), tem incentivado a restauração da Mata Atlântica por meio de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) e apoio técnico.

Entre 2023 e agosto de 2025, o programa já atendeu mais de 5,4 mil produtores e contabilizou mais de 2 milhões de mudas nativas plantadas.

Produtor rural Erasmo Rovetta, de Linhares
Erasmo Rovetta comemora a melhoria da propriedade com a preservação da mata. Foto: Divulgação/TV Vitória

O produtor Erasmo Rovetta, de Linhares, é um dos exemplos dessa iniciativa. Ele conta que viu no Reflorestar uma oportunidade de unir recuperação ambiental e aumento de renda.

Em sua propriedade, onde antes havia pastagem e café, ele implantou um sistema agroflorestal com apoio do programa.

Antes, eu colhia três toneladas e meia de açaí por ano, e agora já bati quase 15 toneladas. O córrego que passava aqui secava na época da seca. Agora ele mantém a vazão o ano todo. Isso mudou completamente a propriedade.

Erasmo Rovetta, produtor rural

Desmatamento reduziu, mas ainda preocupa

Apesar da melhora, o desmatamento ainda preocupa pesquisadores e autoridades. A Mata Atlântica, único bioma presente no território capixaba, continua sob forte pressão, principalmente em áreas rurais, onde o avanço de pastagens e cultivos substitui trechos de floresta nativa.

Os impactos vão além da perda de biodiversidade: alteram o ciclo da água, aumentam o risco de erosão e afetam diretamente o clima local.

No cenário nacional, os dados também revelam uma redução modesta. Segundo o Atlas da Mata Atlântica, elaborado pela SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a área total desmatada caiu 14% entre 2023 e 2024, passando de 82,5 mil para 71,1 mil hectares.

A perda das chamadas “matas maduras”, com maior biodiversidade e estoque de carbono, teve queda de apenas 2%, mostrando que a destruição continua significativa.

No ES, 90% da mata original foi desmatada

Importante destacar que a variação nos monitoramentos evidenciados no Atlas e no Sistema de Alertas de Desmatamento é diferente porque as metodologistas empregadas se diferem.

Enquanto o Atlas, sistema mais antigo da SOS, monitora grandes fragmentos de florestas mais maduras, o SAD detecta também pequenas áreas e vegetações em regeneração.

Mas, segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, os dois sistemas se complementam. O Atlas mostra o quanto de floresta madura permanece em pé, enquanto o SAD permite uma visão mais ampla e rápida sobre as mudanças no bioma, incluindo desmatamentos menores que ainda escapam aos satélites mais antigos.

De acordo com o Atlas, o Espírito Santo possuía 4,6 milhões de hectares de área de Mata Atlântica, dos quais 481 mil hectares permanecem de pé atualmente, o equivalente a apenas 10,4% da cobertura original. Ou seja, cerca de 90% da mata original foi desmatada ao longo dos séculos.

Entre 2023 e 2024, o desflorestamento mapeado pelo Atlas foi de 122 hectares, número próximo ao apontado pelo SAD.

Queda consistente desde 2022

O histórico recente reforça a tendência de desaceleração. Segundo o boletim do SAD Mata Atlântica, o Espírito Santo teve 502 hectares desmatados em 2022, 363 hectares em 2023 e 137 hectares em 2024. O número de alertas também caiu de 303 para 102 no mesmo período.

Evolução do desmatamento no ES
Fonte: SAD Mata Atlântica

Os dados preliminares de 2025, referentes apenas ao primeiro trimestre, mostram 44 hectares desmatados em nove eventos, o que, se mantido o ritmo, representará novo recuo anual.

Para a Fundação SOS Mata Atlântica, o Estado se destaca pela fiscalização e pela adoção de programas de incentivo à restauração florestal.

Políticas de incentivo, remunerar o produtor que protege e planta sua floresta, são fundamentais para dar escala à recuperação da Mata Atlântica. Essa experiência exitosa do Espírito Santo pode ser replicada em outros estados.

Luis Fernando Guedes, diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica

Satélites, drones e integração entre órgãos

O combate ao desmatamento ilegal ganhou reforço com a criação, em 2024, do Programa Estadual de Monitoramento e Combate ao Desmatamento Ilegal.

A medida estabeleceu a Central de Monitoramento de Florestas (CMF), estrutura do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) que utiliza imagens de satélite de alta resolução para detectar e quantificar mudanças na cobertura vegetal.

Monitoramento das matas do ES
Central de Monitoramento de Florestas do Idaf. Foto: Divulgação/Idaf

De acordo com o Idaf, a Central completa um ano de funcionamento com 170 alertas fiscalizados em campo, resultando em 160 hectares de área embargada para recuperação e multas superiores a R$ 2 milhões. As áreas autuadas passam a ser monitoradas para garantir a regeneração natural e evitar reincidências.

O sistema cruza dados com o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), a Polícia Militar Ambiental e a Defesa Civil, agilizando a fiscalização.

“Com o auxílio do aparato tecnológico e a eficiência das equipes de campo, o Estado tem conseguido coibir irregularidades e evitar perdas significativas de cobertura florestal”, informou o Idaf em nota.

O papel do produtor rural na recuperação da floresta

Enquanto o poder público amplia o monitoramento, produtores rurais têm sido protagonistas na recuperação ambiental.

O Programa Reflorestar, que foi iniciado em 2011, já viabilizou a recuperação de 12 mil hectares de florestas e a preservação de outros 13 mil hectares entre 2023 e agosto de 2025. Ao todo, já foram plantadas mais de 9,1 milhões de árvores desde sua criação.

Erasmo Rovetta, produtor de Linhares, explica que aderiu ao programa após convite da prefeitura e acompanhamento técnico da equipe do Reflorestar.

A cada etapa, vem um técnico avaliar, tirar fotos e liberar o pagamento. A última parcela foi de quase R$ 2,5 mil. É uma ajuda que incentiva e fiscaliza ao mesmo tempo.

Erasmo Rovetta, produtor rural

Reflorestar: renda e conservação lado a lado

Segundo o coordenador do Programa Reflorestar, Gabriel Nunes, o projeto de Erasmo é um dos exemplos mais emblemáticos da proposta de unir conservação e geração de renda.

“Ele restaurou vegetação nativa nas áreas de reserva legal e nascentes, e implementou um sistema agroflorestal consorciando açaí com espécies nativas”, explica.

De acordo com Gabriel, o produtor multiplicou em até cinco vezes a rentabilidade em comparação à antiga pastagem.

“Hoje, ele tem melhoria do solo, aumento da biodiversidade e disponibilidade hídrica. E o açaí é vendido para uma indústria local, fortalecendo a economia regional”, completa.

coordenador do Programa Reflorestar, Gabriel Nunes
Gabriel Nunes, do Reflorestar: “Valor pode chegar a mais de R$ 15 mil por hectare”. Foto: Divulgação/TV Vitória

O coordenador destaca ainda que o pagamento por serviços ambientais ocorre em duas etapas. “Três anos para aquisição de insumos e cinco anos de PSA (Pagamentos por Serviços Ambientais) de longo prazo. O valor pode chegar a mais de R$ 15 mil por hectare, dependendo do arranjo e das bonificações”, afirma.

Desde 2011, o programa já atendeu mais de 5,4 mil produtores e investiu R$ 100 milhões em ações de reflorestamento e conservação.

“Além de recuperar mais de 10 mil hectares, pagamos pela manutenção de 12 mil hectares de florestas já existentes”, diz Gabriel.

Cooperação e novos investimentos

Um termo de cooperação entre as secretarias de Recuperação do Rio Doce (Serd) e de Meio Ambiente (Seama) vai destinar R$ 334,4 milhões para ações do Reflorestar entre 2025 e 2029. O recurso, oriundo da repactuação judicial do desastre de Mariana, será aplicado em municípios da bacia do Rio Doce e no Litoral Norte capixaba.

Tragédia do rompimento da barragem de Mariana
Área devastada após o rompimento da barragem de Mariana. Foto: Agência Brasil

Segundo a Seama, o objetivo é recuperar áreas de preservação permanente, reservas legais e nascentes, com foco na recuperação dos processos naturais de circulação da água e geração de renda para o produtor rural.

As práticas incluem sistemas agroflorestais e o cultivo consorciado de espécies como pupunha, açaí, cacau, seringueira, banana, café e palmeira juçara.

Espírito Santo em destaque nacional

O avanço das políticas ambientais colocou o Espírito Santo em posição de destaque no cenário nacional. Segundo levantamento do Centro de Liderança Pública (CLP), o Estado lidera o ranking brasileiro de recuperação de áreas degradadas e ocupa o 4º lugar em sustentabilidade ambiental.

O governo também foi reconhecido com o 1º lugar em transparência no combate ao desmatamento, resultado da integração entre órgãos e da disponibilização pública dos dados de monitoramento.

O Espírito Santo tem mostrado que restaurar a Mata Atlântica não é apenas plantar árvores, mas garantir água, solo fértil e renda sustentável.

Gabriel Nunes, do Programa Reflorestar

Caminho ainda exige vigilância

Luis Fernando Guedes: “A pressão sobre o bioma continua”. Foto: Reprodução/TV Vitória

Mesmo com os avanços, o desafio permanece. A Mata Atlântica cobre apenas 10,4% do território capixaba, e o desmatamento, embora em queda, ainda ameaça a conectividade entre os fragmentos florestais.

Para a SOS Mata Atlântica, é essencial que o Estado mantenha a fiscalização ativa e amplie os incentivos à restauração. “A pressão sobre o bioma continua. É preciso ampliar as políticas de pagamento por serviços ambientais e apoiar mais produtores na recuperação de suas áreas”, reforça Luis Fernando Guedes.

No campo, produtores como Erasmo seguem dando exemplo de que conservar também é produzir. “O reflorestamento mudou minha propriedade. E o mais importante é que mudou a forma de a gente ver a natureza”, finaliza o produtor.

Breno Ribeiro

Reporter

Jornalista há 9 anos, formado pelo Centro Universitário Faesa, com especializações em Marketing, Administração de Empresas e Gestão de Vendas.

Jornalista há 9 anos, formado pelo Centro Universitário Faesa, com especializações em Marketing, Administração de Empresas e Gestão de Vendas.