Durante três anos, entre 2021 e 2024, a psicóloga Letícia Alves, de 39 anos, e o economista Dennis Hyde cruzaram o Brasil em uma jornada que uniu estrada, ciência e autoconhecimento. A Expedição Entre Parques percorreu 75 parques nacionais, registrando paisagens, espécies e histórias que revelam a importância dessas áreas protegidas e da natureza para o equilíbrio humano e ambiental.

Foram 90 mil quilômetros de estrada, 10 mil de barco e 3,5 mil em trilhas a pé. Mais do que distâncias percorridas, foram experiências que transformaram a forma como Letícia enxerga o mundo. “Cada passo e cada travessia eram um convite ao contato cotidiano com o mundo natural”, conta.

Letícia acredita que o contato frequente com a natureza nos torna mais saudáveis e equilibrados, e que cada visita a um parque nacional é uma forma de recarregar as energias físicas e emocionais.

Como psicóloga, diz ter aprendido com seus pacientes que o contato com o ambiente natural abre espaço para análises mais profundas — individuais e coletivas.

“Os nomes que aprendemos a dar e reconhecer — lobo-guará, anta, jaratataca, buriti — são mais do que espécies. São sinais de pertencimento. Nomear é reconhecer. Todos somos natureza. E cuidar dela é também cuidar da mente e da vida”, reflete.

O Espírito Santo como ponto de partida

O ponto inicial da jornada foi o Parque Nacional do Caparaó, no Espírito Santo, onde a natureza e a saúde se encontram de forma intensa. Entre campos de altitude e nascentes que abastecem milhares de pessoas, ergue-se o Pico da Bandeira, terceira montanha mais alta do Brasil.

Para Letícia, subir o Caparaó é mais do que um desafio físico. “A mente se aquieta diante do silêncio e da imensidão. Cada pessoa encontra algo diferente ali: descanso, superação ou espiritualidade. Mas a lição é a mesma: a saúde se renova quando reconhecemos nossa dependência da natureza”, diz.

Um país urbano e desconectado

Segundo o IBGE, 87% dos brasileiros vivem em áreas urbanas, o que, para Letícia, reflete uma crescente desconexão com os ritmos naturais. Pesquisas como as de Miles Richardson e Lis Leão descrevem esse fenômeno como a “extinção da experiência”, quando a falta de contato com a natureza nos faz perder a percepção de pertencimento.

“Conectar-se à natureza não é apenas estar nela, mas se perceber dentro de uma rede de interdependência. É dessa consciência que nasce a responsabilidade pelo cuidado”, explica.

Reconexão como forma de cuidado

Durante a expedição, Letícia viveu de perto os efeitos desse reencontro.

“Bastava entrar numa floresta ou seguir uma trilha para que algo se reorganizasse por dentro. Era como se a biodiversidade devolvesse o equilíbrio”, relata.

Ela lembra que o canto dos pássaros é um bom exemplo de como a natureza atua sobre o bem-estar: desperta memórias, silencia ruídos mentais e traduz a saúde de um ecossistema.

“Em São Paulo, o sabiá canta mais cedo por causa da poluição luminosa e do barulho urbano. Já em áreas preservadas, o canto ecoa como um convite à presença”, observa.

Estudos confirmam essa percepção. No Japão, o shinrin-yoku — o “banho de floresta” — mostrou-se eficaz para reduzir tensões, equilibrar emoções e fortalecer o sistema imunológico. “A ciência comprova o que a intuição já sabia: a natureza acalma a mente e reorganiza o corpo”, afirma Letícia.

Um convite à reconexão

Para a psicóloga, afastar-se da natureza tem nos custado caro em termos de saúde mental. Reaproximar-se dela, por outro lado, é um caminho de prevenção e bem-estar.

“Estudos mostram que crianças com mais contato com o ambiente natural desenvolvem melhor coordenação, confiança e saúde emocional. E quando adultas, tornam-se mais equilibradas”, explica.

“Que cada pessoa possa atender a esse convite: visitar o Caparaó, explorar trilhas, conhecer os parques ou simplesmente observar o que floresce ao redor. Conservar a natureza é conservar a nós mesmos”, conclui Letícia.

Yhúri Cardoso Nóbrega

Colunista

Doutor em ecologia de ecossistemas, mestre em ciência animal e presidente do Instituto Marcos Daniel.

Doutor em ecologia de ecossistemas, mestre em ciência animal e presidente do Instituto Marcos Daniel.