Faz alguns anos que os marsupiais deixaram de ser apenas parte das minhas expedições noturnas e passaram a ocupar um espaço mais profundo na minha rotina. Eles chegaram como chegam na vida de muita gente. Em silêncio, na madrugada, resgatados por alguém que não sabia o que fazer, muitas vezes debilitados, machucados ou órfãos.

Aos poucos, o Projeto Marsupiais, coordenado pela amiga Iasmin Macedo, virou mais que uma frente de trabalho. Virou responsabilidade direta sobre vidas pequenas e essenciais para nossos ecossistemas.
Agora, essa caminhada ganhou sua primeira grande síntese. Lançamos o Guia de Cuidados e Reabilitação de Marsupiais — Edição 1 (2025), uma publicação inédita feita para quem está na linha de frente dos resgates e para quem deseja entender, de verdade, o papel desses animais na saúde das florestas.

Este guia nasce de prática diária da Iasmin e de sua equipe. De noites sem dormir, de filhotes de 6 gramas aquecidos na palma da mão, de protocolos que a equipe foi aprimorando com erros, acertos, muito estudo e acima de tudo, carinho.

Por que este guia importa agora
Pouca gente sabe, mas o Brasil abriga 70 espécies de marsupiais, distribuídas em florestas, restingas, manguezais, regiões alagáveis e até áreas urbanas. Eles carregam funções ecológicas decisivas. São grandes dispersores de sementes, importantes controladores naturais de pragas e imunes ao veneno de serpentes e escorpiões, sendo um grande predador desses animais.
E apesar desse impacto profundo, eles ainda são vítimas de estigmas. Por serem animais muito adaptativos, se dão muito bem em áreas urbanas, carregando com isso, a fama injusta de “bicho sujo” ou “praga”, quando, na verdade, ajudam a manter os ecossistemas vivos. E os animais peçonhentos longe das casas das pessoas.

Nos últimos anos, observamos um aumento expressivo nos resgates, principalmente entre setembro e fevereiro. É o período reprodutivo dos gambás, e muitos filhotes chegam órfãos, dependentes de cuidados intensivos. Sem um protocolo claro, as chances de sobrevivência caem. Foi isso que acendeu a urgência do guia nos corações da equipe do Projeto Marsupiais.
Um manual para salvar vidas dos pequeninos
O guia reúne, pela primeira vez, um conjunto completo de orientações práticas. Entre os tópicos essenciais estão:
- reconhecimento das espécies e fases de desenvolvimento;
- alimentação adequada para cada idade, desde neonatos até adultos;
- preparo de leite, uso correto de suplementos e manejo nutricional;
- procedimentos de estímulo fisiológico;
- protocolos de contenção e transporte seguros;
- técnicas de ambientação e enriquecimento ambiental;
- critérios objetivos para avaliar se o animal está apto para soltura.

Também traz alertas importantes.
O contato afetivo com esses animais pode comprometer sua sobrevivência em vida livre. Por isso, o uso de fantoches e práticas que evitam a humanização é parte central da metodologia.
Outro ponto crítico é o canibalismo, comum em situações de superlotação ou nutrição inadequada. O guia explica como evitar risco, interpretar sinais e agir rápido.
Tudo isso foi pensado para aumentar a taxa de sobrevivência e reduzir erros comuns no trato de filhotes e adultos em reabilitação.
A reabilitação como ato de respeito
Reabilitar um marsupial é além de devolver um animal à natureza, recuperar suas funções ecológicas. Um gambá solto com saúde plena volta a dispersar sementes, controlar insetos, consumir frutos e ocupar seu espaço na cadeia alimentar.
Por isso, o guia detalha o processo de soltura com responsabilidade. Nada é feito sem autorização dos órgãos competentes. E cada passo é pensado para minimizar o estresse e garantir que o animal realmente esteja preparado para sobreviver.
Seguir esse processo é também uma forma de honrar a natureza desses bichos. Eles não são animais domésticos, não são mascotes. São peças importantes da cadeia ecológica das florestas e merecem cada cuidado.

Declaração de compromisso
Ao lançar este material, o Projeto Marsupiais reforça seu papel com a conservação da biodiversidade do Espírito Santo e do Brasil. É fruto do trabalho de biólogos, veterinários, voluntários e parceiros que dedicam tempo e conhecimento para defender espécies ainda tão pouco compreendidas.
Para a equipe do projeto, eu incluso, este guia é um capítulo de nossa própria trajetória. Ele traduz em páginas aquilo que vivemos na prática, acompanhando resgates e devolvendo vidas ao habitat natural. É uma maneira de compartilhar experiência, mas também de convocar mais gente a cuidar dos marsupiais com responsabilidade, ciência e respeito.
Cuidar de marsupiais é cuidar da floresta inteira
Enquanto reviso as páginas do guia, penso no impacto silencioso desses animais no equilíbrio das paisagens. Eles são discretos, noturnos, quase invisíveis. Mas tudo desaba quando sua importância é ignorada.
Por isso, se nosso guia for útil e cada animal que voltar para o ambiente com saúde, comporá um pedaço da restauração do mundo natural.
É isso que nos move.
Compartilhe este guia com seus amigos que amam a natureza. Sua interação é essencial para fortalecer essa rede de cuidado que mantém vivas as florestas e os animais que dependem dela.
Te vejo na próxima!