
Mesmo com o serviço disponível, mais de 350 mil residências no Espírito Santo ainda não fizeram a ligação do imóvel com a rede pública de esgoto. O número representa 35% dos domicílios com acesso ao serviço, segundo a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan).
Sem tratamento adequado, a sujeira gerada diariamente nos imóveis acaba indo direto para o meio ambiente. O impacto vai muito além das ruas e quintais. O esgoto lançado sem tratamento contamina rios, córregos e o lençol freático, afetando a qualidade da água e colocando em risco a saúde das pessoas.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 4,1% dos domicílios do Espírito Santo ainda dependem de nascentes ou poços para o consumo diário. Ou seja, boa parte da população bebe e usa a mesma água que, em algum ponto, pode ter recebido o esgoto de outros.
A ambientalista Heloisa Carvalho explica que o tratamento do esgoto é um dos pilares da saúde ambiental e pública.
O tratamento de esgoto é essencial para a saúde ambiental e humana. Ele previne a poluição de recursos hídricos e do solo e combate a proliferação de doenças.
Heloisa Carvalho, ambientalista
Para ela, além de investimentos em infraestrutura, é preciso conscientização e incentivo ao reuso da água, especialmente em áreas onde o saneamento básico ainda é limitado.
“Mais conhecimento sobre reúso ajudaria na eficiência das estações de tratamento, permitindo que a água volte aos rios em melhores condições e seja reutilizada em atividades como irrigação”, destaca.
O problema da falta de ligação com a rede de esgoto é maior nas áreas urbanas, mas nas comunidades rurais, onde muitas vezes o serviço não está disponível, uma iniciativa pública tem melhorado a realidade das pessoas e do meio ambiente.
Esgoto jogado no pasto: “Mau cheiro constante”
Na zona rural de Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Estado, a produtora Elizangela Bitencourt vive há 23 anos em uma propriedade de oito alqueires com plantações, criação de gado e peixes.
Durante boa parte desse tempo, o esgoto da casa tinha o mesmo destino que o de tantas outras famílias do interior: o pasto.

“Antes, o esgoto ia para o pasto. Depois fizemos uma fossa improvisada com pneus, mas quando chovia, voltava tudo. A água suja não escorria, e o mau cheiro era constante”, conta.
Essa realidade mudou há um ano, quando a comunidade foi contemplada com a instalação de biodigestores, equipamentos que tratam o esgoto doméstico e evitam que ele chegue aos rios.
A mudança foi enorme. O mau cheiro acabou, as moscas diminuíram e o ambiente ficou muito melhor. Hoje, o dejeto não vai mais para o pasto, e o rio aqui perto está mais limpo.
Elizangela Bitencourt, produtora rural
O impacto positivo se estendeu à comunidade. “Aqui tem uma associação, e várias famílias receberam o biodigestor. Antes, os dejetos desciam para o rio com a chuva. Agora, tudo é tratado. É uma diferença que a gente vê”, completa.
“Precisamos pensar nas próximas gerações”
Em outra comunidade da região, a produtora rural Zilda Maria aguarda a chegada do equipamento com esperança.

“Tudo que ajuda o meio ambiente é bem-vindo. A gente precisa pensar nas próximas gerações. Daqui a pouco as crianças crescem, e precisam de um meio ambiente mais limpo”, diz.
Na casa dela, o esgoto ainda é armazenado em uma fossa antiga, escavada no terreno. “Ela fica ali no canto, a gente não limpa desde que veio morar aqui, há quatro anos. Nunca veio caminhão sugar, nada”, relata Zilda, que aguarda também ser beneficiada com a instalação do biodigestor.
Probacias: saneamento e água limpa no campo
Uma estratégia para acabar ou minimizar esses grave problema é o Probacias, programa de conservação e revitalização de bacias hidrográficas do governo do Estado, que foi criado em 2021.
A execução é da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), com recursos do Fundágua, e o foco está em ações sustentáveis de saneamento rural.

Na prática, o programa leva a áreas sem acesso à rede de esgoto kits de tratamento de efluentes domésticos, compostos por biodigestor, caixa de gordura, caixa de secagem de lodo e vala de infiltração.
O sistema trata toda a água servida da casa, tanto da cozinha quanto do banheiro, antes de devolvê-la ao solo.
Mas o presidente da Agerh, Fábio Ahnert, destaca que o Probacias vai muito além da instalação dos equipamentos.
O programa trabalha com saneamento rural e práticas de conservação do solo. Com os biodigestores, a gente praticamente zera a poluição dos córregos, o que melhora a qualidade da água e revitaliza as microbacias.
Fábio Ahnert, presidente da Agerh
Além do saneamento, o programa inclui ações de infiltração da água da chuva no solo, conhecidas como barraginhas e cordões de infiltração. A ideia é criar o chamado “efeito esponja”, que ajuda a reter a água durante as chuvas e reduz o impacto da seca.
“Queremos segurar a água no solo. Isso ajuda o produtor, fortalece a microbacia e reduz o risco de inundações. Quando a água infiltra em vez de escoar, o equilíbrio hídrico melhora”, complementa Fábio Ahnert.

Meta é instalar 15 mil biodigestores em 5 anos
Desde o início do programa, mais de 500 biodigestores foram instalados em comunidades rurais do Espírito Santo. A meta agora é ampliar para 15 mil unidades em cinco anos, com investimento de R$ 120 milhões, segundo o secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Felipe Rigoni.
O Probacias é um programa que leva saneamento onde a estrutura tradicional não chega. O biodigestor é uma unidade de tratamento de esgoto individual, ideal para áreas rurais. Ele impede que o esgoto vá para o lençol freático e ainda gera água tratada que pode ser usada na irrigação.
Felipe Rigoni, secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos
Cada instalação exige um compromisso do morador com o bom uso do equipamento. “Não adianta instalar e esquecer. É preciso cuidar, fazer limpeza periódica e evitar jogar resíduos sólidos. É uma parceria entre o poder público e o produtor rural”, reforça Rigoni.

O programa já desperta interesse de outros estados brasileiros, que buscam replicar a metodologia capixaba de trabalho por microbacias.
“Não adianta espalhar equipamentos de forma aleatória. Quando você atua por microbacia, trata toda a carga orgânica gerada ali, e o resultado na qualidade da água é muito mais efetivo”, afirma o presidente da Agerh.
Água de melhor qualidade
Atualmente, o Espírito Santo tem 100 pontos de monitoramento da qualidade da água nos rios estaduais. De acordo com a Agerh, mais de 80% deles apresentam situação boa ou média, um quadro considerado positivo, mas ainda com desafios.

“Os pontos mais críticos estão em áreas urbanas, onde o esgoto ainda é lançado sem tratamento. É uma situação que exige esforço conjunto das prefeituras e do Estado”, explica Fábio Ahnert.
De acordo com o presidente da Agerh, mesmo assim, o avanço nas zonas rurais é visível. Em áreas onde o Probacias já foi implantado, as análises mostram melhora significativa da qualidade da água e redução da poluição orgânica.
“A gente monitora antes e depois da instalação. Os resultados mostram que a qualidade melhora rapidamente. O rio volta a ter vida”, garante.
Além de proteger o meio ambiente, o saneamento rural tem impacto direto na saúde das comunidades e na disponibilidade de água para o consumo humano e a produção agrícola.
Para o governo, com o Probacias, o Espírito Santo busca tornar suas bacias mais resilientes às secas e enchentes, e suas comunidades mais conscientes da importância da água.
O que o programa faz é transformar o produtor rural em aliado da preservação. Ele entende que cuidar do esgoto da própria casa é também cuidar da água que abastece todos nós.
Fábio Ahnert, presidente da Agerh