Cachorro abandonado nas ruas
Foto: Reprodução/TV Vitória

A Grande Vitória enfrenta um problema silencioso e crescente: o abandono de animais. Segundo levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), a região metropolitana possuía cerca de 30 mil cães e gatos vivendo nas ruas em 2016. Quase 10 anos depois, em 2025, são mais de 55 mil animais sem um lar.

Os dados recentes foram coletados pela reportagem do Folha Vitória junto às prefeituras. Os números são maiores, já que Vitória e Cariacica não souberam dimensionar. Vila Velha destacou que são mais 25 mil animais nas ruas da cidade; e Serra e Viana apontaram cada uma 15 mil animais em situação de abandono.

Segundo especialistas, a falta de controle populacional, de vacinação, de cuidados médicos e de esterilização não afeta apenas os próprios animais. O cenário também representa uma questão de saúde pública e bem-estar coletivo, pois aumenta o risco de transmissão de doenças, acidentes e problemas ambientais.

Uma das soluções é a castração, serviço ofertado por prefeituras e que tem ganhado reforço com programa PET Vida, do governo do Estado.

Riscos e consequências do abandono

De acordo com a médica veterinária Lana Krause, os riscos para animais abandonados vão muito além da fome e da exposição às condições climáticas. 

Podemos citar como principais riscos à saúde dos animais abandonados o desenvolvimento de quadros de desidratação, desnutrição e fome. Doenças parasitárias e infecciosas, muitas delas transmissíveis ao ser humano, como raiva, toxoplasmose e leptospirose, também são comuns, além da diminuição da expectativa de vida do animal.

Lana Krause, médica veterinária

Ainda segundo Lana, acidentes por atropelamentos, envenenamentos, brigas e maus-tratos são frequentes, além de sofrimento físico e psicológico, que causam estresse, medo e agressividade nos animais.

“Quando esses animais são desprovidos de cuidados médicos veterinários, a situação se torna alarmante, especialmente em questões que envolvem saúde pública”, acrescenta.

Carolina Martinelli, veterinária
Carolina Martinelli é veterinária e explica que castração ajuda a prevenir doenças. Foto: Acervo pessoal

Já a médica veterinária Carolina Martinelli reforça que a castração é essencial para quebrar o ciclo do abandono. 

“Cada ninhada não planejada representa dezenas de novos animais que muitas vezes acabam nas ruas ou sobrecarregando abrigos. A castração ajuda a prevenir doenças reprodutivas, reduz comportamentos de fuga e agressividade e ainda protege o meio ambiente”, afirma.

Histórias que mostram a dura realidade

O projeto Arca de Noé, criado por Lucas Rafael e sua esposa, atua há mais de oito anos oferecendo atendimento veterinário a valor social. Lucas diz que o projeto já realizou mais de 40 mil atendimentos e 15 mil cirurgias para animais de rua ou de tutores de baixa renda em todo o Espírito Santo.

Lucas relembra um drama recente em Vila Esperança, em Vila Velha, onde uma desapropriação decretada pela Justiça resultou no abandono de vários animais.

Lucas Rafael, do projeto Arca de Noé
Lucas Rafael, do projeto Arca de Noé, em Vila Esperança: “Parecia cenário de guerra”. Foto: Divulgação/Instagram

Quando chegamos, parecia um cenário de guerra. Muitos animais haviam sido deixados para trás, assustados e com fome. Resgatamos uma mãezinha e seus cinco filhotes e todos já foram adotados. Seguimos auxiliando na alimentação e acompanhamento de outros animais que ficaram.

Lucas Rafael

Para Lucas, a castração em larga escala é a principal estratégia para reduzir o abandono. “Além de evitar ninhadas indesejadas, previne doenças e melhora o bem-estar dos animais. Sempre buscamos garantir exames, vacinas, castração e orientações básicas, devolvendo os animais aos seus locais de origem quando necessário”, explica.

Já no cuidado individual, tutores como Vanusia Gomes, designer de sobrancelhas, conta que as cadelinhas Lana e Nenenzinha chegaram à sua família há oito anos, por meio da filha e de circunstâncias inesperadas.

“Hoje são minhas filhas. Nem se a pessoa voltasse para levá-las, eu acho que devolveria”, afirma. 

Vanusia Gomes, designer de sobrancelha e tutora de pets
Vanusia Gomes com as cadelas Lana e Nenenzinha. Foto: Reprodução/TV Vitória

Sobre o cuidado com os animais, Vanusia explica: “Tenho vontade de castrá-las, mas não tenho condições financeiras nem espaço para deixar procriar. Trabalho com público e manter filhotes seria inviável. Por isso mantenho minhas cadelinhas com o uso de anticoncepcional, que é mais barato, e com todos os cuidados possíveis”, revela. 

Castração pode chegar a R$ 1 mil

Um dos desafios enfrentados por tutores de baixa renda ou ONGs que recebem diversos animais é o custo elevado do cuidado com os bichos. A castração de um cão ou gato pode variar de R$ 300 a R$ 1 mil, além dos gastos com consultas veterinárias, vacinas e remédios.

Eliane Parajara, voluntária do Albergue Espaço Esperança, em Guarapari, explica que o local já chegou a abrigar 80 animais, mas manter ração, vacinação e medicamentos é muito difícil. “Por isso, o trabalho principal são os eventos de adoção, que acontecem semanalmente”, diz.

Eliane Parajara, voluntária do Albergue Espaço Esperança
Eliane Parajara, voluntária do Albergue Espaço Esperança. Foto: Reprodução/TV Vitória

Ela reforça que não basta apenas resgatar os animais. “É preciso castrar, vacinar, microchipar e colocar para adoção. Todo animal só participa dos eventos quando está castrado, microchipado e vacinado”, finaliza.

Mesmo com a dedicação de voluntários como Eliane, a demanda por cuidado e controle populacional supera o que abrigos e protetores independentes conseguem oferecer.

É nesse cenário que entram programas públicos, voltados a reduzir a população de animais de rua e ampliar o acesso a serviços veterinários.

PET Vida: atendimento integral e controle populacional

No Espírito Santo, o Programa Estadual de Bem-Estar Animal, o PET Vida, criado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), busca oferecer atendimento médico, castração, microchipagem, vacinas e educação ambiental.

Segundo a secretaria, o programa atua de forma integrada com as prefeituras dos municípios e prioriza animais errantes e tutores em situação de vulnerabilidade social.

Felipe Rigoni, secretário de Estado de Meio Ambiente
Felipe Rigoni, secretário de Estado de Meio Ambiente. Foto: Reprodução/TV Vitória

O secretário da pasta, Felipe Rigoni, explica que o programa ajuda a reduzir a população de animais de rua e promove feiras de adoção.

O PET Vida é uma unidade móvel de bem-estar animal. A gente passa pelos municípios fazendo principalmente castração e vacinação. Também podemos fazer feiras de adoção e mutirões, conscientizando as pessoas a adotar, e não comprar, um animal.

Felipe Rigoni, secretário de Estado de Meio Ambiente

Rigoni detalha ainda os recursos e objetivos. “Desde a criação do programa, já foram destinados R$ 15 milhões aos municípios, e este ano aplicaremos mais R$ 2,3 milhões. O maior desafio é a superpopulação de animais. Além da castração, oferecemos vacinação e atendimento de urgência, garantindo cuidado integral e redução de animais errantes”, fala.

Ações municipais: castração e adoção

De acordo com a Prefeitura de Vila Velha, o município possui o Programa Operacional de Controle Animal (Poca), que oferece castrações gratuitas de cadelas e gatas, priorizando tutores com renda de até três salários mínimos ou cadastrados no CadÚnico, além de animais resgatados por ONGs e protetores independentes.

Desde 2021, o município contabiliza mais de 7.500 castrações, 1.373 exames de sangue, 1.080 microchips aplicados e 1.687 animais adotados.

Celso Christo, diretor de Bem-Estar Animal de Vila Velha
Celso Christo, do Bem-Estar Animal de Vila Velha: cuidados essenciais. Foto: Reprodução/TV Vitória

O PET Vida, em parceria com a cidade, já permitiu a aquisição de medicamentos veterinários, distribuição de ração e realização de eventos de adoção.

“O programa busca garantir que animais em situação de vulnerabilidade recebam cuidados essenciais e sejam reintegrados a novos lares quando possível”, explica Celso Christo, diretor de Bem-Estar Animal de Vila Velha.

De acordo com Christo, existe uma estimativa de animais abandonados que segue uma análise estatística internacional, baseado na população humana, chegando-se ao número de 25 mil animais abandonados no município.

Em Vitória, segundo a prefeitura, o programa “Vitória da Castração Animal” já realizou mais de 15 mil procedimentos de esterilização e prevê reduzir o número de nascimentos em cerca de 430 mil animais.

A iniciativa prioriza regiões vulneráveis e tutores de animais, oferecendo exames de sangue, avaliação veterinária, medicação pós-operatória e microchipagem.

O município informa também que realiza atendimento itinerante com o VetMóvel e mantém um portal de adoção online, que facilita a conexão entre animais e novos tutores. A prefeitura não divulgou qual a estimativa de animais abandonados nas ruas.

Cachorros abandonados
Animais resgatados das ruas são colocados para adoção. Foto: Canva

A Prefeitura de Viana estima que cerca de 15 mil animais vivam em situação de rua e destaca que já realizou mais de 2.500 atendimentos, incluindo castrações, vacinação e microchipagem, com recursos próprios e do programa estadual.

O município disse que avança ainda na construção do primeiro Centro de Acolhimento e Bem-Estar Animal do Espírito Santo, em parceria com a Penitenciária Agrícola, com capacidade para 200 cães e 100 gatos.

Já a Prefeitura de Cariacica, que não informou quantos animais vivem nas ruas da cidade, declarou em nota que a Secretaria de Desenvolvimento da Cidade e Meio Ambiente já recebeu o repasse do PET Vida e deu início aos trâmites necessários para a contratação das empresas responsáveis pela realização dos serviços de castração.

O valor do repasse é de R$ 851.730,84, que será destinado à castração de cães e gatos, machos e fêmeas, conforme as diretrizes do programa. Atualmente, a secretaria está finalizando o edital para o credenciamento das clínicas veterinárias, que será lançado ainda no mês de outubro. A previsão é de que os atendimentos tenham início em novembro.

Na Serra, cerca de 15 mil animais vivem nas ruas, segundo estimativas da prefeitura. O Programa Arca realiza resgates de animais feridos, oferecendo tratamento, vacinação, microchipagem, castração e adoção responsável.

Desde 2022, mais de 3.500 atendimentos foram realizados, e o município se prepara para credenciar clínicas parceiras do PET Vida e ampliar a oferta de castrações.

Educação ambiental e guarda responsável

Segundo o governo do Estado, o PET Vida investe em educação ambiental e conscientização sobre guarda responsável, oferecendo manuais e orientações para tutores, escolas e a sociedade em geral.

O programa segue seis eixos centrais: descentralização de recursos, educação, saúde animal, atendimento prioritário, controle populacional e cadastro de microchipagem.

É essencial que a população compreenda que o cuidado com os animais vai além da afeição: envolve responsabilidade, prevenção de doenças e participação ativa em programas estruturados.

Carolina Martinelli, veterinária
Breno Ribeiro

Reporter

Jornalista há 9 anos, formado pelo Centro Universitário Faesa, com especializações em Marketing, Administração de Empresas e Gestão de Vendas.

Jornalista há 9 anos, formado pelo Centro Universitário Faesa, com especializações em Marketing, Administração de Empresas e Gestão de Vendas.