O Espírito Santo já sente, de forma concreta, aquilo que há anos vinha sendo previsto nos estudos climáticos: calor mais intenso, chuvas cada vez mais irregulares e períodos secos mais longos

No Norte do Estado, onde a agricultura é o motor da economia, esses efeitos deixaram de ser projeções para se tornar parte do dia a dia do produtor rural.

Conforme o Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas do Espírito Santo, elaborado pelo governo estadual, o território pode ter temperaturas até 4°C mais altas, até o fim do século, no cenário mais extremo, além de uma redução significativa da precipitação.

Nesta mesma perspectiva, as bacias hidrográficas tendem a registrar menor vazão e as estiagens, que hoje duram de 25 a 35 dias, podem se estender por até 90 dias consecutivos até 2100, alterando completamente o equilíbrio hídrico da região.

Essas mudanças atingem a sociedade e a economia como um todo, mas implicam diretamente a agricultura, especialmente culturas sensíveis ao estresse térmico e hídrico, como café, pimenta-do-reino, cacau e fruticultura. 

Em municípios como Jaguaré, referência nacional na produção de café conilon, o clima descontrolado impõe desafios que vão da queda de produtividade à necessidade de investimentos urgentes em tecnologias para continuar produzindo.

Região agrícola enfrenta cenários de calor e falta de chuva

Localizado a 203 km de Vitória e inserido na bacia do rio Barra Seca, Jaguaré concentra 78% das propriedades em mãos de agricultores familiares, segundo o Incaper. Ali, onde o agronegócio é o principal pilar econômico, a mudança no comportamento do clima já trouxe impactos significativos.

Jaguaré se destaca pela agricultura familiar e o cultivo de café conilon. Foto: Daniel Borges/Incaper

As projeções do plano climático indicam que o Norte capixaba pode perder até 700 mm de chuva, por ano, nas próximas décadas. Para uma região que, hoje, recebe pouco mais de 1.000 mm, a redução representa mudança profunda no abastecimento de água e no manejo das lavouras.

O calor extremo também deve ser mais frequente, com máximas podendo ultrapassar 43°C, na pior das hipóteses, cenário que compromete diretamente a fase de florada e granação do café e da pimenta.

Ondas de calor e chuvas irregulares afetam a fisiologia das plantas

Conforme a engenheira agrônoma Sara Dousseau, professora do curso de Agronomia da Faesa e pesquisadora do Incaper, as plantas estão expostas a um clima para o qual não foram adaptadas. O resultado aparece na produtividade e na qualidade dos grãos.

Sara Dousseau, professora do curso de Agronomia da Faesa.
Sara Dousseau, professora do curso de Agronomia da Faesa. Foto: TV Vitória

A gente tem uma série de alterações na produção em decorrência desse ambiente alterado. Quando temos ondas de calor ocorrendo, principalmente, em períodos em que o grão do café está se formando ou a pimenta está fazendo a flor, temos perdas muito grandes na produtividade. Perdas de quantidade e de qualidade de grãos. Eles ficam menores, a planta sofre mais e acaba morrendo muito mais cedo.”

Sara Dousseau, professora do curso de Agronomia da Faesa.

Diante desse clima alterado, a professora explica que é necessário adotar novos planos de manejo, que integrem pesquisa, agricultores e tecnologia. Neste sentido, as políticas públicas são essenciais para fomentar as adaptações de forma unificada, no Estado.

“Nós já temos um padrão esperado de estresses ambientais. Então, a gente precisa ajustar o plano de manejo para que o agricultor consiga agora se adaptar àquela nova realidade. Em termos de política pública, a construção de um plano de manejo exige um esforço mais integrado, com diversas áreas do conhecimento, e isso exige fomento, exige recurso”, acrescentou Sara.

Com mudanças cada vez mais rápidas e extremas, também surge a necessidade de novas soluções. Os bioinsumos, por exemplo, promovem melhora no crescimento e no desenvolvimento das plantas frente aos riscos climáticos.

No entanto, para aplicar de forma correta as tecnologias disponíveis é preciso ter conhecimento. Para Sara, é essencial que os futuros profissionais aprendam, já na sala de aula, a utilizar estratégias capazes de mitigar os danos das mudanças do clima nas lavouras.

“O interessante dessas tecnologias é que elas mexem com o funcionamento da planta, mas para mexer no funcionamento da planta é preciso ter conhecimento, para que não seja tomada uma decisão errada.”

“O clima mudou mesmo”: perdas marcam a memória de quem vive da terra

Para os agricultores de Jaguaré, a mudança não está apenas nos relatórios. Ela é visível no solo, nas plantas e no ritmo de trabalho, como conta o produtor rural Francisco Biancardi.

Antigamente você preparava a roça, capinava, podia plantar, que a chuva vinha na época certa. Mas aí, foi mudando. Hoje tem muita diferença: às vezes, já não chove na época certa, vem o frio, vem o quente. A chuva acaba atrasando.

O agricultor Francisco Biancardi.
O agricultor Francisco Biancardi já sente os efeitos das mudanças climáticas em suas terras. Foto: TV Vitória

Um efeito extremo que ficou marcado na memória do agricultor foi a seca de 2016, quando a família praticamente perdeu toda a lavoura de café. 

“A gente perdeu tudo. Eu colhi, em 2014, sete mil sacas. Em 2016, foram só mil saquinhos. Daí, em 2017, a gente teve que refazer os pés para só, em 2018, produzir de novo.”

O filho, Rogério, também lembra daquele período: “A seca foi justo no período de granação do produto. Aí, não choveu, o produto não granou. Então, naquele ano, a colheita foi jogada toda no chão.”

A família sentiu e continua sentindo no próprio campo o clima imprevisível, com chuvas que chegam tarde, ondas de calor na florada e longos períodos de estiagem. “De julho em diante, se firmar o sol, tem que irrigar para não deixar a planta murchar. Se deixar murchar, ela não volta”, explica Francisco.

Café precisa de chuva e temperaturas amenas na granação. Foto: Canva

Irrigação e manejo eficiente são essenciais na adaptação

Para enfrentar a nova realidade climática, os agricultores da região de Jaguaré tiveram de investir em novas tecnologias de irrigação e manejo. O sistema antigo, baseado em canhões e aspersores, consumia muita água e não acompanhava as condições extremas.

“Os aspersores gastavam água demais, então, a barragem não dava conta”, lembra Francisco. A solução foi migrar para o gotejamento, que mantém a umidade constante e economiza água — um recurso cada vez mais escasso.

“Depois da seca, nós entramos com o sistema de gotejamento. Ele permite programar melhor a água, molhar em menos faixas, então, o uso de água é menor”, explica Rogério.

O agricultor também conta que a automação e fertirrigação permitem a nutrição das plantas mesmo em períodos secos. 

Rogério Biancardi é agricultor em Jaguaré. Foto: TV Vitória

Com automação, é possível colocar até duas vezes, por noite, para molhar na mesma área. Aí, você molha em menos tempo e mais vezes. E melhora a questão da adubação também. É possível usar micronutrientes para fazer uma adubação na fertirrigação.

Rogério Biancardi, agricultor.

Drones ganham espaço e reduzem consumo de água

Outra tecnologia que tem sido uma aliada fundamental dos produtores rurais capixabas, especialmente em regiões com longos períodos secos, é o drone de pulverização. O engenheiro-agrônomo e professor da Faesa, André Luiz Pinheiro, destaca que a ferramenta substituiu equipamentos tradicionais, trazendo economia e agilidade.

“Os drones de pulverização, além de oferecerem um modal de operação bem mais ágil, rápido e econômico, também é muito importante dos pontos de vista ecológico e ambiental, porque ele reduz sensivelmente a quantidade de volume de água aplicado.”

Além de reduzir o consumo de recursos naturais, a ferramenta permite pulverizar áreas maiores, em menos tempo, algo inviável com tratores ou sistemas manuais.

Café e pimenta sofrem com as mudanças climáticas

Os agricultores da família Biancardi confirmam que tanto o café conilon quanto a pimenta-do-reino, produzidos por eles, sofrem com o calor acima do ideal e a quantidade menor de chuva. 

A pimenta, por exemplo, não fixa os frutos quando a florada ocorre com temperaturas acima de 28°C. Já o café precisa de chuva e temperaturas amenas, na granação, que hoje é frequentemente afetada pelas ondas de calor.

Espírito Santo é líder em produção e exportação de pimenta-do-reino no Brasil. Foto: Reprodução/Incaper

Diante das dificuldades, eles afirmam que a tecnologia tem garantido avanços e uma produção satisfatória mesmo com o cenário preocupante. “Onde antes colhíamos 20 sacas, por hectare, talvez, 30, hoje, colhemos 70 ou 80, por causa da tecnologia”, resume Francisco.

Adaptação será decisiva para o futuro da produção capixaba

A experiência dos Biancardi mostra que o Espírito Santo já vive os impactos das mudanças climáticas previstos no plano estadual: temperaturas mais altas, menor disponibilidade de água e clima cada vez mais imprevisível.

Para os agricultores, não há outra alternativa além de se adaptar. E, segundo os pesquisadores, essa adaptação depende de três pilares: tecnologia, manejo adequado e políticas públicas contínuas.

Para a professora Sara Dousseau, da mesma forma que a planta vai se adaptar ao novo clima, o agricultor precisa se adaptar também.

“Para garantir o futuro do campo capixaba é preciso adotar novas técnicas de manejo para que as lavouras consigam passar pelos períodos adversos sem grandes prejuízos em decorrência do clima”, concluiu.

Julia Camim

Editora de Política

Atuou como repórter de política em jornais do Espírito Santo e fora do Estado. Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa, é formada no 13º Curso de Jornalismo Econômico do Estadão em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.

Atuou como repórter de política em jornais do Espírito Santo e fora do Estado. Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa, é formada no 13º Curso de Jornalismo Econômico do Estadão em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.