A água sempre me atravessou de um jeito difícil de explicar. Talvez seja espiritualidade, talvez seja propósito, talvez seja só encantamento mesmo. O fato é que, quando estou diante de um rio, fico hipnotizado. E foi desse mesmo encanto que nasceu este episódio do PodNatureza, em que recebo duas pessoas que dedicam a vida à água: Jennifer Coronel, gerente de Sustentabilidade e Meio Ambiente da ArcelorMittal, e Aureliano Nogueira da Costa, engenheiro agrônomo e coordenador do Projeto Nascentes pelo Incaper e pela Fundagres.

Hoje, eu conto a história de um dos projetos mais bonitos, transformadores e estratégicos do Espírito Santo: o Projeto Nascentes, modelo nacional de preservação hídrica, vencedor de prêmio da Aliança pelas Águas Brasileiras e referência para comitês de bacia de todo o país.

O que a água nos ensina

Desde sempre, a água foi minha forma de ler o mundo. Animais aquáticos, rios, nascentes… tudo isso moldou a minha trajetória. E percebo que essa conexão não é só minha: a Jennifer e o Aureliano carregam o mesmo chamado.

A Jennifer trabalha há quase 18 anos na ArcelorMittal, mas sua ligação com a sustentabilidade começou muito antes. É valor de vida, não apenas de empresa. Ela gosta de repetir que “não existe água ruim, existe água adequada para cada uso”, e essa frase sintetiza bem como ela enxerga o futuro: com responsabilidade, estratégia e ação.

Aureliano, por sua vez, é daqueles pesquisadores que transformam a ciência em prática. Engenheiro agrônomo, doutor em solos, observador atento da realidade rural, ele viu a necessidade de recuperar nascentes não como teoria, mas como urgência para garantir produção, qualidade de vida e sustentabilidade.

Como nasce o Projeto Nascentes

O Projeto Nascentes começou em uma mesa de café, durante discussões do Comitê de Bacia do Rio Santa Maria da Vitória. Nós queríamos algo prático, transformador, capaz de deixar um legado. Foi quando Jennifer e Aureliano, junto a outras instituições, começaram a desenhar um programa que unisse:

  • Ciência;
  • Inovação;
  • Engajamento comunitário;
  • Gestão territorial;
  • Educação ambiental;
  • Parcerias público-privadas.

A pergunta era simples: como proteger a água em sua origem?

A resposta foi ainda mais poderosa: cercar nascentes, recuperar áreas degradadas, envolver produtores rurais, gerar conhecimento, integrar instituições e monitorar resultados.

O resultado? Hoje, já são 98 nascentes cercadas, fortalecidas por práticas agroflorestais, estudos científicos, monitoramento contínuo e adesão espontânea dos agricultores.

Por que o produtor rural é peça-chave

Existe um mito de que agricultor é inimigo da natureza. Mas a verdade é outra.

Se não há água, não há produção.
Se não há produção, não há alimento.
E sem alimento, não há sociedade funcionando.

O produtor rural é guardião da terra. E o Projeto Nascentes devolve a ele as condições necessárias para continuar produzindo com sustentabilidade e eficiência.

Cada propriedade recebe:

  • Estudo técnico;
  • Projeto agronômico individual;
  • Acompanhamento;
  • Orientações de manejo;
  • Diagnóstico da nascente;
  • Apoio no cercamento;
  • Técnicas de recuperação.

Esse conhecimento chega na ponta, onde a vida realmente acontece. E transforma.

Resultados que emocionam

Ao longo de oito anos, os impactos são impressionantes:

  • Nascentes que estavam secas voltaram a jorrar água;
  • Áreas degradadas se regeneraram com o simples cercamento;
  • Qualidade e volume hídrico melhoraram significativamente;
  • Escolas, agricultores e instituições passaram a integrar a educação ambiental
  • Projetos como o Revisol melhoraram estradas e reduziram assoreamento;
  • Pesquisas científicas estão sendo publicadas em congressos e simpósios;
  • Alunos desenvolveram projetos premiados de carbono zero a partir do Nascentes.

Tecnologia para quem vive da terra

Outro avanço importante é a tecnologia disponibilizada aos produtores rurais: um aplicativo que informa vazão do Rio Santa Maria, previsão de eventos climáticos e riscos de seca ou cheia. Ferramenta vital para quem depende da água para sobreviver.

É ciência chegando onde mais importa: no cotidiano de quem vive e trabalha com a terra.

Selo nacional e reconhecimento

Quando o Projeto Nascentes recebeu o selo da Aliança pelas Águas Brasileiras, ficou claro: o Espírito Santo estava entregando ao Brasil um modelo de sucesso.

Por quê?

Porque o Nascentes reúne todos os pilares de sustentabilidade:

  • engajamento social
  • impacto ambiental real
  • gestão pública e privada integrada
  • ciência aplicada
  • fortalecimento da agricultura familiar
  • inovação em conservação hídrica

É um orgulho capixaba. E é só o começo.


Um recado final sobre futuro

A Jennifer sintetizou tudo quando disse:

“Cada um de nós tem como contribuir dentro da realidade de cada um.”

E é verdade.
A água é base de tudo.
A vida começa nela.
E o futuro depende de como cuidamos dela agora.

O Aureliano complementa esse sentimento dedicando sua vida ao projeto, mesmo após se aposentar. Ele segue como pesquisador voluntário do Incaper porque acredita que proteger nascentes é proteger pessoas.

Eu, Yhuri, me sinto privilegiado de contar essa história. Porque ela prova que, quando natureza e gente caminham juntas, o resultado é extraordinário.

O Projeto Nascentes é mais do que um programa de recuperação hídrica. É um símbolo do poder transformador da união entre ciência, comunidade, gestão pública e iniciativa privada. Ele demonstra que sustentabilidade não é discurso: é prática, é parceria, é continuidade.

E que tudo começa pela água.

🎧 Veja episódios do PodNatureza no canal do YouTube do Folha Vitória!

Yhúri Cardoso Nóbrega

Colunista

Doutor em ecologia de ecossistemas, mestre em ciência animal e presidente do Instituto Marcos Daniel.

Doutor em ecologia de ecossistemas, mestre em ciência animal e presidente do Instituto Marcos Daniel.