A Ilusão da Unidade Coletivista em "Nós que Vivemos"

A ideologia coletivista frequentemente projeta uma visão utópica de uma sociedade na qual todos os indivíduos se unem em igualdade para construir um futuro melhor. Baseada no altruísmo, essa perspectiva promete harmonia social e progresso, subordinando as necessidades pessoais ao bem comum. No entanto, em “Nós que Vivemos”, Ayn Rand desmascara as falácias dessa promessa. Através das experiências de Kira Argounova e outros personagens, Rand ilustra como o coletivismo, em vez de unir as pessoas, origina opressão, alienação e desumanização.

No cenário da União Soviética retratado no romance, o Estado controla todos os aspectos da vida humana, sufocando as aspirações individuais e a liberdade pessoal. O sonho de igualdade se transforma em um mecanismo destinado a impor papéis predeterminados aos indivíduos, que são vistos como peças descartáveis de uma máquina estatal.

A personagem Kira, ao chegar em Petrogrado, busca liberdade e oportunidades, mas logo enfrenta o controle absoluto do Estado sobre cada aspecto da vida social. Sua jornada para se tornar engenheira é continuamente frustrada pela burocracia e repressão estatal.

A sociedade totalitária exige uma lealdade incondicional ao Estado, reprimindo qualquer expressão de individualismo como uma ameaça à “unidade”. Kira manifesta desde o início seu desprezo pelas imposições do regime. Ao tentar viver conforme seus próprios valores, ela enfrenta não apenas a censura social, mas também punições severas. Rand retrata como essa pressão para a conformidade desumaniza os indivíduos, sufocando seu desejo de viver uma vida autêntica e suprimindo sua subjetividade.

O ambiente coletivista também gera isolamento emocional, pois as pessoas não são incentivadas a construir relacionamentos baseados na confiança mútua. Em vez disso, são encorajadas a vigiar e suspeitar umas das outras, minando qualquer tentativa de solidariedade genuína. Kira experimenta isso ao ver seus colegas denunciando uns aos outros para obter pequenas vantagens, ou ao observar famílias que se tornam inimigas em nome da “pureza ideológica”.

Dentro de sua própria família, Kira percebe a influência corrosiva do regime. Sua irmã Lydia adere cegamente à propaganda estatal, colocando as demandas do Estado acima das necessidades familiares. Essa falta de conexão genuína, fomentada pelo coletivismo, impede que qualquer verdadeira “irmandade” floresça, substituindo laços afetivos por relações de lealdade ao partido.

A ilusão do “bem comum” é uma das ferramentas mais poderosas usadas pelo regime para justificar o sacrifício dos indivíduos. A propaganda soviética retratada na obra promove a ideia de que o sofrimento pessoal é nobre e necessário para o progresso da sociedade. Contudo, Kira rapidamente percebe a hipocrisia desse discurso ao testemunhar as consequências reais da suposta “igualdade”: filas intermináveis por comida, condições de vida miseráveis e repressão daqueles que ousam questionar o sistema.

Nesse contexto, Ayn Rand utiliza o personagem Leo para ilustrar as devastadoras consequências da perda de liberdade e individualidade. Inicialmente cheio de vida e expectativas, Leo gradualmente sucumbe à apatia e ao desespero diante da opressão do sistema.

Outro aspecto crucial abordado por Rand é o colapso moral causado pelo coletivismo. Ao anular a individualidade, o sistema destrói a moralidade e encoraja a brutalidade. Quando o bem-estar do coletivo justifica qualquer ação, não há limites para as atrocidades que podem ser cometidas em seu nome.

Além disso, a perda de propósito individual dos personagens resulta em desmotivação e apatia, o que origina uma sociedade marcada pela mediocridade. Em uma das passagens da obra, Kira declara sua intenção de escapar do regime, afirmando que viver em liberdade é mais importante para ela do que qualquer sacrifício exigido pelo Estado. Sua insistência em manter sua identidade e lutar pelo direito de ser quem é contrasta com a apatia dos que aceitaram as imposições do regime. Para Kira, a liberdade individual é a essência da vida humana, e sua resistência ao coletivismo é uma batalha pela própria alma.

O coletivismo falha em reconhecer que a verdadeira irmandade entre os homens só pode ser alcançada quando cada indivíduo é livre para buscar seu próprio propósito e respeita o direito dos outros de fazer o mesmo. A busca de Kira por liberdade representa a essência do individualismo, que Rand considera fundamental para uma vida digna e uma sociedade próspera.

Por meio das experiências de Kira e outros personagens, Ayn Rand revela que, ao negar o individualismo, o coletivismo não apenas fracassa em sua promessa de unidade, mas também promove alienação, opressão e desumanização. Em vez de uma sociedade harmoniosa, o romance apresenta uma realidade brutal, na qual os indivíduos são tratados como peças descartáveis de um sistema que exige seu sacrifício.

André Paris

Palestrante, Consultor em Governança e Inteligência Artificial, Privacidade de Dados e Compliance. Entusiasta da busca por um ambiente de negócios mais ético e transparente.

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