A Queda de Ea-nāṣir: Como Práticas Comerciais Desonestas Levam ao Fracasso no Mercado 

O capitalismo, desde suas origens, tem sido regido por mecanismos que, mesmo sem uma intervenção estatal constante, impõem disciplina aos agentes do mercado. A ideia de que o interesse individual, quando mediado pela competição, pode conduzir a resultados benéficos para a sociedade foi popularizada por Adam Smith com o conceito da “mão invisível”. Essa metáfora ilustra de forma sofisticada o processo no qual os empresários, ao buscarem o lucro, acabam sendo forçados a oferecer produtos e serviços de qualidade, sob pena de perderem a confiança dos consumidores e, consequentemente, o sucesso a longo prazo.

Um exemplo fascinante desse mecanismo autorregulador remonta à Antiguidade, mais especificamente à cidade de Ur, por volta de 1750 a.C., e ao comerciante Ea-nāṣir. Conhecido por práticas comerciais duvidosas, Ea-nāṣir ficou famoso por vender lingotes de cobre de qualidade inferior ao cliente Nanni. Este, insatisfeito com a transação, registrou a primeira reclamação escrita conhecida, detalhando a entrega de cobre de qualidade inferior e o tratamento rude dispensado ao seu servo. Esse episódio, isolado na época, se revelaria apenas a ponta do iceberg. Outras tábuas encontradas nas ruínas da residência de Ea-nāṣir indicam uma série de queixas adicionais de clientes insatisfeitos com a qualidade dos produtos fornecidos. As falhas na entrega de mercadorias, bem como o tratamento desrespeitoso aos clientes, refletiram negativamente em sua reputação e, com o tempo, deterioraram sua posição comercial.

A persistência dessas queixas contra Ea-nāṣir sugere que sua reputação deteriorou-se progressivamente. Outros registros, como o de Arbituram, mencionam que o cobre prometido nunca foi entregue, e outro cliente expressou sua frustração com a recorrente entrega de material de baixa qualidade. Esses testemunhos históricos revelam uma dinâmica fundamental no mercado: a confiança é o bem mais precioso, e, quando comprometida, resulta em sérios prejuízos à continuidade dos negócios. A queda na reputação de Ea-nāṣir foi consequência não de uma ação externa, mas do próprio funcionamento do mercado, que impôs, por meio da pressão da concorrência e da perda de confiança, a falência de suas práticas comerciais.

A “Mão Invisível” em Ação: O Caso Ea-nāṣir

No fim de sua carreira, a má reputação levou Ea-nāṣir a vender mercadorias de menor valor agregado. Sua perda de credibilidade não foi resultado de um órgão regulador, mas da própria “mão invisível” do mercado que, ao punir a falta de qualidade e ética, impôs um ajuste que afetou diretamente suas transações comerciais. O declínio de Ea-nāṣir ilustra de maneira clara como práticas comerciais desonestas podem resultar no fracasso empresarial, mesmo em um mercado sem a presença de regulamentações formais. Esse episódio evidencia que a ética no comércio não é um simples ideal abstrato, mas uma necessidade prática para a continuidade dos negócios. Se um comerciante não cumpre com seus compromissos, o próprio sistema de trocas, por meio da alteração de preços e da diminuição da demanda, sinaliza a necessidade de mudança — ou, em última instância, o afastamento do mercado.

Nos dias atuais, com o advento das tecnologias digitais, os mecanismos de reputação e transparência se amplificaram. Avaliações on-line, redes sociais e plataformas de feedback intensificaram a divulgação de informações sobre práticas comerciais, tornando ainda mais difícil para agentes desonestos se recuperarem de falhas. A rapidez com que a informação circula e a pressão social das redes aumentam a responsabilidade dos empresários, exigindo deles não apenas compromisso com a qualidade, mas também com a transparência e a ética. Essa dinâmica reforça a ideia de que o sistema capitalista, mediado pela competição e pela constante adaptação de preços, é capaz de se autorregular, punindo a desonestidade e premiando a integridade nas relações comerciais.

Lições da História de Ea-nāṣir para o Capitalismo Moderno

A história de Ea-nāṣir, que começou com sucesso ao comercializar produtos de alto valor agregado, mas terminou em declínio, tendo por optar por mercadorias inferiores, ilustra de forma clara o funcionamento da “mão invisível” do mercado. Sua trajetória é um exemplo do que acontece quando um empresário falha em reconhecer que, no capitalismo, a ética não é uma virtude opcional, mas uma condição essencial para a sobrevivência e o progresso econômico. A “mão invisível” não apenas orienta o interesse individual para o benefício coletivo, mas também assegura que os agentes econômicos sejam disciplinados por meio da confiança mútua e da competitividade. Portanto, a busca pela excelência não é apenas uma escolha moral, mas uma necessidade estratégica para qualquer empresa que queira prosperar em um ambiente de mercado competitivo.

Daniel Couto Bergantini

Colunista

Associado do Instituto Líderes do Amanhã

Associado do Instituto Líderes do Amanhã