
Em 5 de janeiro de 2025, Fernanda Torres fez história ao receber o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme Dramático por sua atuação em “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles. Este marco para o cinema brasileiro destaca não apenas o talento da atriz, mas também o poder da narrativa cultural nacional em alcançar audiências globais. Contudo, esse momento de celebração reacende um debate fundamental: qual é o papel do Estado no incentivo à cultura e como as políticas públicas impactam o desenvolvimento do audiovisual brasileiro?
O Brasil dispõe de mecanismos como a Lei Rouanet e o Fundo Setorial do Audiovisual, que desempenham um papel crucial no financiamento cultural. Em 2024, os projetos culturais alcançaram um recorde histórico de captação por meio da Lei Rouanet, com cerca de R$ 2,93 bilhões destinados ao setor, superando os R$ 2,3 bilhões de 2023, conforme dados do Salic (Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura). Embora esses valores evidenciem o peso do incentivo estatal, eles também levantam questões sobre a dependência do setor em relação ao governo e os impactos dessa política na autonomia criativa e no protagonismo da iniciativa privada na cultura brasileira.
Apesar dos números impressionantes, essas políticas suscitam reflexões: será que, diante do potencial criativo do país e de seu vasto público, a dependência de incentivos fiscais é a única estratégia viável? Ou será que essa “terceirização” cultural pelo governo desencoraja a iniciativa privada de assumir um papel protagonista no setor? A questão é pertinente em um cenário no qual a criatividade muitas vezes encontra obstáculos em regulamentações excessivas ou na dependência de critérios políticos.
Sob uma perspectiva liberal, a escassez é vista como um motor de inovação. Conforme Ludwig von Mises aponta em Ação Humana, empreendedores que enfrentam recursos limitados são obrigados a alocar suas capacidades de forma criativa e eficaz. Aplicada ao setor cultural, essa ideia sugere que, sem a segurança dos subsídios estatais, produtores e artistas poderiam buscar soluções mais inovadoras e alinhadas às preferências do público. Indústrias audiovisuais bem-sucedidas, como a dos Estados Unidos, demonstram que a liberdade econômica pode gerar um mercado cultural vibrante e sustentável, movido por demandas reais e não por imposições externas.
Desafios do Modelo Brasileiro Atual
Entretanto, o modelo brasileiro apresenta desafios significativos. Primeiramente, a dependência estatal cria uma indústria cultural que, muitas vezes, prioriza atender aos critérios políticos em detrimento das preferências do público. Além disso, o suporte governamental reduz a necessidade de correr riscos, limitando a busca por eficiência e inovação. A comodidade proporcionada pelos incentivos fiscais tende a promover produções seguras e previsíveis, dificultando a diversificação e a renovação criativa. Por fim, o excesso de regulação e subsídios direcionados restringe a entrada de novos players no mercado, que inibe a competitividade e reduz o alcance de projetos inovadores.
Transição para um Modelo Baseado na Iniciativa Privada
Uma transição para um modelo baseado na iniciativa privada exige a eliminação gradual do apoio estatal à produção cultural. Em vez de depender de subsídios ou regulamentações que moldam o setor, a cultura deve emergir de um mercado livre, em que produtores e artistas possam explorar plenamente sua criatividade, guiados pelas demandas do público. Plataformas de streaming, crowdfunding e parcerias entre empresas são alternativas viáveis para financiar projetos relevantes e inovadores, sem a necessidade de intervenção governamental. Nesse contexto, o público assume um papel central como financiador e consumidor, criando um mercado dinâmico e orgânico, no qual o sucesso de uma obra é determinado por sua relevância e impacto cultural, e não por critérios impostos por burocracias ou políticas públicas.
Esse modelo também pode ampliar a autonomia criativa dos artistas. Sem a interferência direta do Estado, os criadores ganham mais liberdade para explorar temas ousados e formatos inovadores, conectando-se diretamente ao público. Ao contrário do que pode parecer, a ausência de subsídios não restringe a criatividade; ao contrário, força os criadores a serem mais estratégicos e a encontrarem soluções que equilibrem qualidade artística e viabilidade econômica.
Concluindo, a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro serve como um lembrete do potencial criativo do Brasil, mas também da necessidade de revermos o papel do governo na cultura. Assim como Mises sugere que a escassez promove a inovação, o setor cultural brasileiro poderia se beneficiar de um sistema que privilegiasse a liberdade econômica e a responsabilidade individual. Este modelo não apenas garantiria a sustentabilidade do audiovisual nacional, mas também promoveria uma cultura mais diversa, inovadora e conectada com as demandas de seu público. O Brasil tem o talento; falta-nos criar o ambiente certo para que ele floresça plenamente.