Caso Google: Quando ser bom é motivo de punição

Nos últimos anos, a União Europeia desencadeou uma intensa ofensiva regulatória contra as big techsApple, Facebook, Google, entre outras — sob o argumento de monopólio e exploração da base de usuários. Leis e diretrizes como o Digital Markets Act transformaram atributos elogiados pelos consumidores — desempenho, integração entre serviços e experiência de uso — em indícios de conduta anticompetitiva, o que resultou em multas bilionárias as empresas.

Antes de continuar, gostaria de reforçar que monopólios gerados por privilégios legais, barreiras regulatórias ou favores estatais — e não pela escolha livre de milhões ou bilhões de usuários — merecem, sim, crítica e com toda certeza impactam negativamente os mercados. Porém, confundir sucesso orgânico, resultado de qualidade e inovação, com abuso de poder de mercado é um equívoco que pode fragilizar todo o ecossistema digital.

É fundamental distinguir entre:

  1. Monopólios artificiais, sustentados por barreiras de entrada criadas ou mantidas por decisões governamentais ou acordos políticos, que prejudicam concorrentes e consumidores.
  2. Lideranças legítimas, conquistadas pela adoção voluntária de produtos superiores, que geram valor real para usuários, parceiros e toda a cadeia de stakeholders.

Neste artigo, vamos nos concentrar no caso mais recente e emblemático: a proposta de obrigar a Alphabet (Google) a vender seu navegador Google Chrome a concorrentes. O argumento dos reguladores é que, ao desmembrar o Chrome, reduzir-se-ia o poder de monopólio que o Google exerce em seu serviço de busca.

Primeiramente, é importante destacar que não existem barreiras tecnológicas significativas que impeçam o surgimento de novos navegadores ou motores de busca. O conhecimento necessário para construir essas plataformas está amplamente disponível, e os recursos técnicos estão mais acessíveis do que nunca.

O próprio Chromium, base de código aberto do Google Chrome, é utilizado por diversos concorrentes — como Microsoft Edge, Brave e Opera — para criar navegadores robustos, seguros e eficientes. Ou seja, a base tecnológica que sustenta o navegador líder já está, há anos, ao alcance de qualquer empresa interessada em competir. Isso derruba o argumento de que o domínio do Google decorre de uma tecnologia exclusiva ou inacessível.

Alternativas e Inovação no Mercado de Buscadores

No mercado de buscadores, há ainda mais evidências. Ferramentas open source como Apache Lucene, Elasticsearch e plataformas baseadas em AI/ML permitem que novas iniciativas criem motores de busca personalizados e escaláveis com investimentos relativamente modestos. Startups como DuckDuckGo e Neeva são exemplos concretos de competidores que surgiram e conquistaram nichos relevantes mesmo enfrentando o Google.

Além disso, os padrões web, as APIs de integração e as melhores práticas de segurança e performance são públicos e amplamente documentados. Um desenvolvedor ou uma empresa que queira construir uma experiência digital integrada — com sincronização de dados, extensões, proteção contra malware ou qualquer outra funcionalidade moderna — encontra, hoje, ferramentas, frameworks e comunidades colaborativas prontas para apoiar o desenvolvimento.

Portanto, a liderança do Google no mercado não resulta da ausência de alternativas tecnológicas ou da impossibilidade de inovação por parte de novos competidores, mas da preferência voluntária de bilhões de usuários, que encontram em seus produtos qualidade, integração e confiabilidade superiores.

O Ecossistema Aberto do Google e o Fortalecimento da Inovação Colaborativa

Outro ponto importante a destacar é que o Google mantém um ecossistema de tecnologias abertas, investindo continuamente em iniciativas que fortalecem a inovação colaborativa e tecnologias abertas. Entre os exemplos recentes, destacam-se:

  • O Fundo Neutro para o Desenvolvimento do Chromium, lançado em janeiro de 2025 em parceria com a Linux Foundation, criado para apoiar o desenvolvimento aberto e garantir a sustentabilidade do Chromium — a base de código aberto por trás de navegadores como Chrome, Microsoft Edge, Opera e Brave. Além do Google, gigantes como Meta, Microsoft e Opera também apoiam a iniciativa, reforçando um compromisso coletivo com a qualidade e a governança transparente da web.
  • A iniciativa Open Silicon, por meio da qual o Google democratizou o acesso ao design de silício personalizado, liberando Process Design Kits (PDKs) de 180nm, 130nm e 90nm em parceria com a SkyWater Technology e a GlobalFoundries. Essa abertura permite que pesquisadores, universidades, startups e entusiastas tenham acesso gratuito a ferramentas de software para criação, verificação e testes de chips antes da fabricação, incentivando inovação mesmo fora das grandes corporações.
  • A participação como membro fundador da Alliance for Open Media (AOMedia), consórcio sem fins lucrativos dedicado ao desenvolvimento de tecnologias abertas e livres de royalties para multimídia. A AOMedia criou o AV1, um codec de vídeo aberto mais eficiente, que serve como sucessor do VP9 e alternativa ao HEVC, promovendo maior acessibilidade e eficiência na distribuição de vídeos.

Em resumo, não apenas boa parte do know-how e das ferramentas desenvolvidas pelo Google estão hoje abertas ao público e sendo constantemente aprimoradas em colaboração com outras empresas, comunidades acadêmicas e desenvolvedores independentes, como a empresa investe bilhões na manutenção, melhoria e criação de novas ferramentas abertas. Punir uma empresa que investe e compartilha seu conhecimento por meio de tecnologias abertas e interoperáveis não apenas desincentiva a inovação, mas prejudica o próprio ecossistema que os reguladores afirmam querer proteger. O Google está sendo punido, não por deter privilégios artificiais ou monopólios criados por barreiras estatais, mas por ter sido eficiente no desenvolvimento, integração e entrega de produtos superiores — escolhidos voluntariamente por bilhões de usuários ao redor do mundo.

A Preferência do Usuário vs. Regulação

No fim das contas, não se pune um monopólio; pune-se a preferência do usuário. E essa é uma mensagem perigosa para o futuro da inovação digital.

Daniel Couto Bergantini

Colunista

Associado do Instituto Líderes do Amanhã

Associado do Instituto Líderes do Amanhã