contrato segurança jurídica
Foto: Canva

​​Há uma frase atribuída a Abílio Diniz que deveria servir de alerta a qualquer empresário: “Se eu pudesse voltar no tempo, teria contratado um advogado para revisar todos os contratos que assinei.”

​​A confissão de um dos maiores nomes do empresariado brasileiro resume um ensinamento simples, mas frequentemente negligenciado: a maioria dos conflitos empresariais nasce de contratos mal elaborados ou mal compreendidos.

​​É comum que o setor comercial ande em velocidade maior do que o jurídico. A empolgação de uma nova parceria, a urgência de fechar um negócio ou a confiança pessoal entre as partes costumam atropelar a análise jurídica, projetando efeitos negativos e impensáveis no futuro.

​​O papel do advogado, aqui, é justamente o de ajustar essa velocidade: fazer o comercial reduzir o passo o suficiente para que o jurídico possa acompanhar. A pressa pode até ser inimiga da perfeição, mas, nos contratos, ela é inimiga da segurança.

O contrato como ferramenta de prevenção

​​Ainda é comum no Brasil a cultura de procurar o advogado depois que o conflito surge. Essa visão reativa é uma das principais causas de ineficiência e prejuízo nas relações empresariais.

​​Um contrato bem elaborado é, antes de tudo, instrumento de gestão de risco. Ele não existe para complicar o negócio, mas para organizá-lo. Traduz, em linguagem jurídica, as intenções e os limites de cada parte, antecipando problemas e oferecendo soluções preventivas.

​​As divergências devem ser resolvidas no contrato, não no processo. É na fase de negociação que se fixam as balizas da relação jurídica — e quanto mais precisas forem, menor será a necessidade de intervenção judicial.

​​Por isso, o contrato deve ser compreendido como o primeiro ato de governança empresarial. Negociar é pensar o negócio; contratar é estruturá-lo juridicamente. E o bom contrato é aquele que permanece eficaz mesmo quando a relação deixa de ser amistosa.

Cada contrato é único — e deve refletir o contexto do negócio
​​Um erro recorrente é tratar o contrato como um modelo padronizado, uma mera formalidade repetida de relação em relação. Nada poderia ser mais perigoso.

​​Todo contrato é um negócio jurídico único e específico. Cada relação tem sua história, suas expectativas e suas circunstâncias. É por isso que a parte inicial do documento — os “Considerandos” — é tão importante.

​​É ali que se registram o contexto, os objetivos e as motivações das partes, oferecendo ao intérprete, no futuro, uma moldura fiel do que se pretendia na celebração do contrato.

​​Sem esse pano de fundo, o texto contratual pode se tornar ambíguo, levando o juiz, o árbitro ou mesmo as próprias partes a interpretações dissociadas.

​​O bom contrato é aquele que permite compreender o que se passou quando foi assinado, de modo que o leitor — anos depois — consiga reconstruir o cenário original da negociação.

​​Em suma, o contrato não é apenas um conjunto de cláusulas, mas um documento de memória e de vontade. Ele deve combinar técnica jurídica com sensibilidade negocial: refletir o equilíbrio entre forma e substância.

O papel do advogado: o guardião da previsibilidade

​​Um contrato eficaz nasce do diálogo entre o jurídico e o negócio. O advogado não é um obstáculo à velocidade comercial, mas o garantidor da sustentabilidade jurídica.

​​Sua função não é frear o crescimento, mas evitar que o crescimento ocorra em terreno instável.

​​O advogado experiente — especialmente aquele com domínio nas várias searas do direito — é o profissional capaz de transformar o risco em cláusula e a incerteza em segurança.

​​Em tempos de economia dinâmica, a consultoria preventiva é o que diferencia empresas que prosperam daquelas que se desgastam em disputas intermináveis

​​Cada contrato revisado é um litígio evitado. Cada cláusula bem escrita é uma hora a menos de audiência no futuro.

​​Investir em advocacia preventiva não é custo: é decisão estratégica. Assim como se contrata engenheiro para projetar uma obra ou contador para planejar tributos, contrata-se advogado para arquitetar juridicamente o negócio.

O contrato como expressão da boa-fé e da segurança jurídica

​​Um contrato redigido com clareza e equilíbrio não é apenas um documento técnico; é uma manifestação da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

​​Ele estabelece as bases de confiança e previsibilidade que sustentam o ambiente econômico.

​​Na prática, é o contrato que transforma intenções em obrigações, expectativas em deveres e promessas em direitos. Quanto mais cuidadoso o texto, menor a margem para interpretações oportunistas — e maior a estabilidade da relação.

​​O contrato, assim, não restringe a liberdade negocial; ele a viabiliza. A verdadeira liberdade de contratar não é o direito de firmar qualquer pacto, mas o dever de fazê-lo com clareza, equilíbrio e lealdade.

A técnica como forma de prudência

​​Um contrato bem elaborado é mais do que uma formalidade. Ele organiza o negócio, protege as partes e assegura previsibilidade às relações.

​​O advogado, nesse processo, é fundamental. Seu papel é o de estruturar, com técnica e equilíbrio, a vontade das partes, para que o futuro não dependa da sorte da interpretação de terceiros, mas da clareza do que foi acordado.

​​Que a lição de Abílio Diniz sirva de diretriz: o bom contrato é o que evita o conflito.

Flávio Cheim Jorge

Colunista

Advogado nas áreas do direito cível, empresarial e administrativo, é Mestre e Doutor pela PUC/SP, sendo ainda, Professor Titular na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Já exerceu o cargo de Juiz Eleitoral Titular – classe dos Juristas - no Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES)

Advogado nas áreas do direito cível, empresarial e administrativo, é Mestre e Doutor pela PUC/SP, sendo ainda, Professor Titular na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Já exerceu o cargo de Juiz Eleitoral Titular – classe dos Juristas - no Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES)