O apóstolo e a objetivista

O evangelho do apóstolo Paulo e o objetivismo de Ayn Rand carregam algo em comum, uma similaridade de perspectivas que, à primeira vista, parece invisível, mas que essa breve reflexão elucida. Isso por que ambos apresentam uma percepção de correlação entre liberdade e responsabilidade.

O apóstolo cristão fundamentou: “todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas me convêm” (1, Coríntios, 6:12); e Ayn Rand jogou a pá de cal: “você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ter ignorado a realidade” (The Objectivist Ethics, 1961).

A perspectiva cristã mostra que refletir sobre os atos antes da tomada de decisão envolve entender os desdobramentos e as consequências e que, dadas as consequências, nem tudo que é lícito é conveniente. Tudo posso, mas nem tudo me convém. Se quero exercer meu livre arbítrio, preciso estar preparado para lidar com as consequências das minhas escolhas. A partir da teologia cristã, portanto, depreende-se que responsabilidade é aquilo que anda de mãos dadas com a liberdade.

Quando Ayn Rand sugere que não se pode ignorar as consequências de se ter ignorado a realidade, sua mensagem é similar. Quem exerce seu livre arbítrio para ignorar a realidade hoje, deve aceitar as consequências de sua omissão amanhã. Responsabilidade é aquilo que anda de mãos dadas com a liberdade.  

Entendendo Liberdade e Responsabilidade

Mas o que sabemos sobre liberdade e responsabilidade?

De acordo com o dicionário Michaelis da língua portuguesa, “liberdade” é (1) nível de total e legítima autonomia; (2) o poder de agir livremente, dentro de uma sociedade organizada, de acordo com os limites impostos pela lei; (3) a faculdade que tem o indivíduo de decidir pelo que mais lhe convém; (4) a condição de uma comunidade de não estar sob o controle ou o jugo de um país estrangeiro; (5) extinção de todo elemento opressor que seja ilegítimo; (6) condição do indivíduo livre; (7) autonomia para expressar-se conforme sua vontade.

O mesmo verbete aponta que “responsabilidade” é a “(1) qualidade de quem é responsável; (2) obrigatoriedade de responder pelos próprios atos ou por aqueles praticados por algum subordinado; (3) obrigação moral, jurídica ou profissional de responder pelos próprios atos, relacionados ao cumprimento de determinadas leis, atribuições ou funções; e (4) dever imposto por lei de reparar os danos causados a outrem”.

A Simples Correlação entre Liberdade e Responsabilidade

Perceber a correlação entre liberdade e responsabilidade não constitui um desafio complexo. É, na verdade, bem simples.

Se eu tenho compromisso cedo e quero exercer meu livre arbítrio para dormir tarde, eu tenho que estar pronto para lidar com poucas horas de descanso. Se eu me permito comer fast food com frequência e não pratico exercícios, eu tenho que estar pronto para aceitar o risco de precisar enfrentar problemas de saúde no futuro. Responsabilidade é aquilo que anda de mãos dadas com a liberdade.

Convergência de Ideias: Paulo e Ayn Rand

A convergência entre o pensamento do apóstolo Paulo e o de Ayn Rand, embora improvável à primeira vista, revela uma verdade essencial sobre a condição humana: a liberdade não é um bem isolado, mas um dom que implica na responsabilidade. Ambos os autores, cada um em seu tempo e contexto, reforçam que não basta poder usufruir o direito da livre escolha; é preciso estar disposto a lidar com as consequências de cada escolha. A liberdade verdadeira reside na consciência dos seus efeitos. Em um mundo onde o embate e o confronto entre os indivíduos é uma das poucas certezas diárias, é crucial lembrar que toda ação livre carrega consigo o peso de uma consequência. Assim, reconhecer que liberdade e responsabilidade são inseparáveis é não apenas um ato de sabedoria cristã e objetivista, mas um exercício de discernimento, um dever cívico e a vitória do bom senso.