*Artigo escrito por Agostinho Miranda Rocha, presidente do Conselho Temático de Relações do Trabalho da Findes, cientista social formado pela Ufes e industrial do setor de embalagens de papelão, papel e celulose.
No final dos anos 1990, a França decidiu enfrentar o desemprego com uma medida ousada: reduzir a jornada de trabalho para 35 horas semanais, sem cortar salários. A proposta, implementada pelas Leis Aubry I e II, buscava estimular contratações, melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e reorganizar o mercado de trabalho.
A ideia do governo francês, que de início parecia promissora — criar 700 mil novos empregos —, a longo prazo teve resultados complexos.
A partir de 2003, diante de dificuldades operacionais e econômicas, o governo francês flexibilizou a política.
Empresas passaram a recorrer a horas extras ou intensificar o trabalho dos empregados, em vez de ampliar o quadro de pessoal.
A produtividade caiu, a competitividade foi afetada e os custos aumentaram, sobretudo para pequenas e médias empresas, que não tinham estrutura para absorver os impactos da nova jornada.
Setores com maior capacidade de automação, como tecnologia e serviços financeiros, conseguiram se adaptar.
Já áreas como saúde, educação e indústria enfrentaram sérios desafios. Para compensar os efeitos negativos, o governo ofereceu incentivos fiscais — que, por sua vez, pressionaram as contas públicas e tornaram a política dependente do crescimento econômico.
Diante desse cenário, é legítimo perguntar: o Brasil está preparado para seguir esse caminho?
A resposta exige cautela. O Brasil enfrenta desafios estruturais profundos: baixa produtividade, elevada informalidade, desigualdade regional e fragilidade fiscal.
Implementar uma redução da jornada de trabalho sem ganhos reais de eficiência pode comprometer ainda mais a competitividade das empresas e limitar a geração de empregos.
O economista francês Jean Tirole, ganhador do Prêmio Nobel, classificou a medida como um equívoco. Segundo ele, não há evidências de que trabalhar menos aumente o nível de emprego.
Estudos acadêmicos reforçam essa visão, alertando para os riscos de aplicar esse modelo de forma descontextualizada.
No caso brasileiro, o caminho mais prudente é apostar em reformas que aumentem a produtividade, incentivem a formalização do trabalho e fortaleçam a negociação coletiva — instrumento constitucional que permite soluções equilibradas entre empregadores e trabalhadores.
A experiência francesa nos ensina que boas intenções, sem planejamento e adaptação à realidade local, podem gerar mais problemas do que soluções