“A Máquina que Mudou o Mundo”, escrito por James P. Womack, Daniel T. Jones e Daniel Roos, é um marco no estudo da produção enxuta (lean manufacturing) e da transformação industrial do século XX. A obra aborda a trajetória da Toyota e seu sistema revolucionário de produção, o lean, que desafia e supera o modelo de produção em massa dominante na indústria até então, principalmente nos Estados Unidos. No entanto, ao longo de suas análises, o livro também provoca críticas e reflexões sobre as limitações e o impacto mais amplo desse modelo.
O livro explica como a Toyota, após a Segunda Guerra Mundial, desenvolveu o sistema de produção enxuta (lean), em contraste com o modelo de produção em massa utilizado no Ocidente, especialmente pela Ford e pela General Motors. Enquanto o sistema dessas montadoras se baseava na produção em massa, focando apenas em obter os menores preços para as peças, sem preocupação com a otimização dos insumos e das técnicas de produção, a abordagem era centrada em grandes estoques, produção em larga escala e pouca flexibilidade.
Por outro lado, conforme abordado no livro, o sistema da Toyota era voltado para maximizar a eficiência e reduzir desperdícios, incentivando os fornecedores a se especializarem e a antecipar riscos e perdas. Assim, a produção enxuta se destacava pela flexibilidade, pela produção sob demanda, por estoques reduzidos e pelo uso mais eficiente dos recursos.
Nesse sentido, a abordagem da Toyota com seus fornecedores foi inovadora, se comparada ao que era praticado no mercado. No modelo de produção em massa, as equipes de engenharia central eram responsáveis pela criação da maioria das mais de 10 mil peças que compõem um veículo, bem como pelos sistemas que as integravam. Esses projetos eram então enviados aos fornecedores, internos ou externos, que competiam para fornecer as peças dentro de uma quantidade específica, com qualidade previamente estabelecida (geralmente medida em número máximo de defeitos por milhar) e com prazos de entrega determinados. O contrato, ao final, era concedido ao fornecedor que oferecesse o menor preço.
Nesse sentido, no Fordismo, quando se tratava de componentes comuns a diversos veículos (como pneus, baterias ou alternadores) ou de tecnologia especializada não dominada pela montadora (por exemplo, componentes eletrônicos), fornecedores independentes participavam das concorrências, adaptando produtos padrão às necessidades específicas de cada veículo. O critério de escolha, mais uma vez, era baseado no preço, na qualidade e na confiabilidade da entrega.
Em ambos os casos, a postura dos gestores dessas corporações anteriores ao Toyotismo, se seguia a lógica de “cada um por si”, especialmente em períodos de baixa nas vendas, comuns no setor automotivo. Nesses momentos, era comum que os acordos comerciais, geralmente de curto prazo, fossem encerrados.
Desafios do Modelo de Produção em Massa
Ao considerar a adoção desse modelo para o fornecimento de componentes, os líderes da Toyota, como Ohno, identificaram diversos problemas. Os fornecedores, ao trabalharem com base em projetos já finalizados, tinham pouco incentivo ou oportunidade para sugerir melhorias no processo produtivo, mesmo com base em suas experiências. Assim como os trabalhadores nas linhas de produção em massa, esperava-se que os fornecedores apenas “fizessem seu trabalho” sem questionar. Além disso, os fornecedores externos, que adaptavam seus próprios projetos às necessidades dos veículos, raramente tinham acesso a informações sobre o restante do carro, pois essas eram tratadas como confidenciais pelas montadoras.
Havia também outro obstáculo: ao organizar os fornecedores em uma cadeia hierárquica e forçá-los a competir por menores preços a curto prazo, o fluxo de informações entre eles era prejudicado, dificultando o compartilhamento de inovações e melhorias nas técnicas de fabricação. Embora a montadora conseguisse reduzir as margens de lucro dos fornecedores, não conseguia garantir que eles encontrassem formas de reduzir seus custos ou aumentar a eficiência de seus processos.
A questão da qualidade também era um desafio. Como as montadoras tinham pouco conhecimento sobre as práticas de produção de seus fornecedores, era difícil melhorar a qualidade além do estabelecimento de limites aceitáveis de defeitos. E, dado que a maioria das empresas operava em níveis de qualidade semelhantes, melhorar esses padrões era uma tarefa complicada.
Outro problema recorrente era a dificuldade de coordenar o fornecimento de peças no dia a dia. A rigidez das ferramentas de produção dos fornecedores, semelhante à inflexibilidade das máquinas nas montadoras, e a imprevisibilidade dos pedidos acarretavam a produção em grandes lotes. Isso resultava em estoques volumosos para garantir que as montadoras não enfrentassem atrasos nas entregas, o que aumentava consideravelmente os custos de armazenagem e, eventualmente, levava à produção de peças defeituosas.
A Abordagem da Toyota para o Fornecimento de Componentes
Para superar esses desafios e atender ao aumento da demanda, a Toyota começou, nos anos 1950, a desenvolver uma nova abordagem para o fornecimento de componentes, baseada na produção enxuta. O primeiro passo foi reorganizar os fornecedores em diferentes níveis, independentemente de sua relação formal com a montadora. Os fornecedores de primeiro nível, por exemplo, passaram a participar ativamente do desenvolvimento de novos produtos, trabalhando em conjunto com as equipes de projeto da Toyota. A montadora, em vez de especificar todos os detalhes técnicos, fornecia apenas os requisitos de desempenho. Um fornecedor de freios, por exemplo, poderia ser solicitado a criar um sistema capaz de parar um carro de uma tonelada em 60 metros, sem falhas, dentro de um espaço específico e por um valor estabelecido.
Esses fornecedores também eram incentivados a trocar ideias entre si, buscando melhorias contínuas nos projetos. Como cada fornecedor era especializado em diferentes tipos de componentes, essa troca de informações beneficiava a todos, sem gerar competição direta.
Os fornecedores de primeiro nível, por sua vez, formavam suas próprias redes de fornecedores de segundo nível, que produziam as peças individuais. Esses fornecedores de segundo nível, embora não tivessem a mesma expertise em design de produtos, eram especialistas em processos de fabricação e engenharia de produção.
Ao contrário do modelo tradicional de integração vertical, em que uma empresa controla diretamente seus fornecedores, a Toyota optou por manter relações acionárias e operacionais de longo prazo com seus parceiros. Essa abordagem criou um ambiente colaborativo, no qual a Toyota investia em seus fornecedores, oferecendo apoio financeiro e, em momentos de alta demanda, até mesmo transferia funcionários para auxiliá-los. Com isso, os fornecedores conseguiam operar de forma independente, mas mantinham uma ligação estreita com a montadora.
Por fim, a Toyota implementou o sistema Just-in-Time, também conhecido como kanban, para coordenar o fluxo de peças. Esse método visava eliminar estoques excessivos e garantir que as peças fossem produzidas e entregues exatamente no momento necessário, otimizando a cadeia de suprimentos de forma eficiente e ágil.
Com esse sistema mais enxuto, foi possível obter maior controle e eficiência em todo o processo produtivo, aumentando a capacidade de inovação, a segurança nos processos e, principalmente, identificando possíveis erros logo no início da produção, em vez de apenas no final, como acontecia no modelo de produção em massa.
É importante destacar que, ao apresentar o modelo de produção enxuta, o livro elenca cinco princípios fundamentais: especificar valor do ponto de vista do cliente; mapear a cadeia de valor para identificar todas as atividades necessárias e eliminar aquelas que não agregam valor; criar um fluxo contínuo de produção, eliminando interrupções e gargalos; produzir de acordo com a demanda do cliente, e buscar a perfeição, sempre visando melhorar processos e reduzir desperdícios.
Com a aplicação desses conceitos, a Toyota rompeu com o modelo de produção em massa, implementando com sucesso o sistema enxuto e se tornando uma líder global na indústria automobilística. A marca passou a ser reconhecida pela eficiência e pelo foco no cliente, criando uma conexão direta entre fornecedores e consumidores.
Até os dias de hoje, a cultura da Toyota permanece viva. Quem nunca ouviu a expressão “Carro Toyota nunca quebra”? Isso reflete o quão acertada foi a decisão da empresa de transformar seu sistema de produção, promovendo uma cultura de melhoria contínua.
Conclusão
O livro conclui que a produção enxuta não é apenas uma tendência passageira, mas uma verdadeira revolução na forma como as indústrias enxergam eficiência e produtividade. A obra sugere que, para se manterem competitivas, as empresas devem abandonar o modelo de produção em massa e adotar o sistema enxuto.Dessa forma, não há como negar o impacto significativo que A Máquina que Mudou o Mundo teve nas discussões sobre produtividade, eficiência e competitividade empresarial. O livro provocou uma mudança de paradigma nas práticas de manufatura, com milhares de empresas em diversos setores econômicos ao redor do mundo adotando, pelo menos em parte, os princípios da produção enxuta.