Resenha da obra "As Seis Lições", de Ludwig von Mises

O economista austríaco Ludwig von Mises, em 1958, foi convidado a ministrar seis de palestras na Universidade de Buenos Aires. Após serem transcritas por sua esposa, cada palestra se transformou em um capítulo do livro, publicado em 1979 como “As Seis Lições”, tornando-se, mais tarde, a obra mais vendida do autor, em grande medida por sua linguagem acessível, influenciando até hoje o pensamento liberal em todo o mundo.

Em sua primeira lição, a obra traz uma breve introdução histórica ao capitalismo, refutando as críticas mais comuns a esse sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção.

Segundo Mises, antes do desenvolvimento do capitalismo moderno, a sociedade caminhava para uma crise, devido à disponibilidade limitada de recursos naturais para sustentar uma população crescente e improdutiva.

Neste contexto, o capitalismo surgiu como uma inovação necessária, que, através da produção em massa e o aumento de produtividade, não apenas viabilizou o crescimento demográfico, mas também elevou a qualidade de vida de todas as camadas sociais.

O autor salienta que a aversão ao capitalismo tem origem no seio da nobreza, no início do século XIX, uma vez que os altos salários pagos pelas indústrias aos seus trabalhadores forçaram a aristocracia agrária a arcar com os mesmos pagamentos, a fim de inibir a migração para a cidade.

Socialismo vs. Economia de Mercado

Em sua segunda lição, Mises trabalha o socialismo, sistema avesso à economia de livre mercado. Neste sistema, tudo é determinado pelo governo, logo, não existem quaisquer liberdades, ainda que ilusoriamente postas em forma de lei e inscritas na constituição. Em contrapartida, em uma sociedade regida pela economia de mercado, “todos prestam serviços aos seus concidadãos e são, em contrapartida, por eles servidos”, como bem defende o autor.

Mises inicia sua terceira palestra discursando sobre o intervencionismo, citando uma conhecida frase: “O melhor governo é o que menos governa”. Nesta lição, o autor mostra como as repetidas tentativas do Estado de controlar os preços de produtos específicos em um mercado de outra forma livre resultam na escassez desses mesmos produtos. Isso o obriga a estender o controle de preços para o próximo nível da cadeia produtiva e assim por diante, incluindo até os salários de quem nela participa, sendo impelido ao socialismo.

Nesse sentido, o mercado (e os consumidores) ficam subordinados ao Estado. Mises afirma que, embora o governo administre uma estatal como se fosse uma empresa privada (contrata serviços, matéria-prima e mão-de-obra, vendendo serviços à sociedade), o resultado é, certamente, um déficit financiado pela população através do pagamento de tributos.

Inflação e suas Consequências

Ao falar sobre inflação (quarta lição), o autor explica claramente seu funcionamento: “se a quantidade de dinheiro aumenta, o poder de compra da unidade monetária diminui, e a quantidade de bens que pode ser adquirida com uma unidade desse dinheiro também se reduz”. Em síntese, a inflação pode ser compreendida como a expansão da moeda de um país, que resulta em um aumento generalizado de preços, ainda que não homogêneo. Mises afirma que esse fenômeno não é inerente à economia ou inevitável, mas sim resultado de uma estratégia premeditada para combater o desemprego no curto e médio prazo, em detrimento da estabilidade e equidade econômica no médio e longo prazo.

Normalmente, os meios inflacionários são adotados, pois, em regra, não há maneira para resolver os problemas financeiros do governo senão pela via de impostos cobrados aos cidadãos. Todavia, esta forma de arrecadação de receitas é impopular.

Não obstante, aos poucos, a população deixa de acreditar no governo e na sua capacidade de conter a inflação. O receio da população de que os preços estejam ainda mais altos no dia seguinte faz com que os consumidores comprem os produtos a qualquer custo, levando, consequentemente, ao colapso do sistema monetário.

Investimentos Externos e Protecionismo

No quinto capítulo, Mises trata sobre investimentos externos, demonstrando que as diferenças de renda e de padrão de vida entre os diferentes países não estão relacionadas às características pessoais dos seus trabalhadores, mas sim à disponibilidade de capital.

Além disso, Mises salienta que o protecionismo, ao contrário do que se pensa, impede a importação de capital e a industrialização do país, desviando os investimentos que deveriam ser destinados a um negócio em particular para outro.

Em resumo, as medidas protecionistas impedem que as informações do mercado sejam transparentes, criando situações forçadas e decisões que não são baseadas na realidade. A única maneira de ter prosperidade é aumentando o capital, o que resulta em um aumento da produtividade marginal e dos salários reais.

Sistema Político Partidário e Lições da História

Em sua sexta e última lição (política e ideias), a obra aborda a origem e evolução do sistema político partidário. Neste capítulo, o autor explica que este sistema foi criado a partir da ideia de que diferentes grupos, todos em prol do bem-estar, discutiriam suas ideias entre si e com a sociedade, de forma a convencer a maioria absoluta de que aquele seria o melhor para todos.

Mises faz uma grande reflexão de como a queda do Império Romano como consequência de políticas similares às praticadas em seu tempo persistem atualmente. De acordo com o autor, a inflação causada pela manipulação de sua moeda levou os romanos a uma maior intervenção na economia, sobretudo através do controle de preços. Isso causou uma grande escassez de produtos, incluindo alimentos, o que forçou uma crescente migração das cidades para o campo, afetando a produtividade e o padrão de vida das pessoas, o que levou ao abandono militar do império.

Em sua conclusão, o economista austríaco afirma que esse destino pode ser evitado, tendo em vista que já foi alcançado conhecimento necessário sobre as consequências das medidas que culminaram no declínio do Império Romano, cabendo à sociedade apenas evitá-las.

Apesar do conteúdo abordado ter mais de 60 anos, sua leitura provavelmente é a melhor introdução ao pensamento liberal, sobretudo porque “Ideias e somente ideias podem iluminar a escuridão.”

Karoline Carvalho de Souza

Colunista

Advogada da SVMP Advogados, Associada do Instituto Líderes do Amanhã.

Advogada da SVMP Advogados, Associada do Instituto Líderes do Amanhã.