
Em Deixe-me em paz e eu te deixo rico, Deirdre McCloskey e Art Carden oferecem uma leitura sobre as origens do enriquecimento. Em vez de seguir as trilhas tradicionais da economia política, que colocam a ênfase no capital, na exploração colonial ou no papel do Estado como motor do progresso, os autores apontam para algo muito mais sutil: uma mudança cultural na maneira como sociedades passaram a enxergar o comerciante, o empreendedor e o inovador.
Segundo os autores, foi essa transformação ética e retórica, o que chamam de “acordo burguês”, que libertou o potencial criativo de milhões de pessoas comuns. Um acordo simples, mas revolucionário: “Deixe-me em paz para tentar criar, vender, errar e tentar de novo e eu te deixo mais rico, com melhores produtos, serviços e oportunidades.”
Essa mudança não foi liderada por planejadores centrais, mas por gente comum que passou a ser respeitada por fazer algo produtivo. Ao contrário do que sugerem teorias que associam o capitalismo à exploração ou ao colonialismo, o que os autores defendem é que o verdadeiro motor do progresso foi a liberação da dignidade e da liberdade para empreender.
Em um país onde o empreendedor ainda é tratado com desconfiança, onde o lucro é visto como sinal de ganância e o Estado assume para si funções que sufocam a livre iniciativa, o diagnóstico de McCloskey e Carden soa como um alerta: não há prosperidade sustentável sem liberdade econômica e respeito moral por quem gera valor.
O livro também realiza um trabalho importante ao desmistificar a visão materialista da economia. Ao invés de atribuir o progresso ao acúmulo de capital físico ou à infraestrutura, os autores argumentam que a verdadeira riqueza nasce do espírito de inovação, da liberdade para negociar e da permissão para experimentar. Essa visão tem implicações para políticas públicas: o foco deve estar em abrir caminhos para o empreendedorismo, e não em administrar escassez com subsídios e controle.
Outro mérito do livro é seu tom acessível, sem sacrificar a profundidade intelectual. McCloskey e Carden escrevem com ironia, provocação e clareza, tornando conceitos complexos compreensíveis para um público mais amplo. É uma leitura que forma e, ao mesmo tempo, confronta — algo raro em debates econômicos.
Vale destacar, também, a postura ética e otimista da obra. Os autores defendem o capitalismo não apenas porque funciona, mas porque ele reconhece a dignidade do indivíduo livre. O comerciante honesto, o engenheiro criativo, o empresário que toma riscos, todos passam a ser vistos como agentes de melhoria social, não como vilões. Isso representa uma mudança civilizatória, que ainda é incompleta em muitos países.
O Brasil, infelizmente, ainda não concluiu esse processo. O “acordo burguês” por aqui é atacado por discursos que confundem crítica social com hostilidade à liberdade. Ao invés de valorizar quem emprega, cria e investe, muitos setores da sociedade ainda insistem em tratar o empresário como culpado por problemas estruturais que são, na maioria, fruto do Estado ineficiente e da cultura de aversão ao mérito.
O grande mérito do livro é justamente esse: recolocar o empreendedor no centro da narrativa de progresso, com base em dados históricos e argumentos morais sólidos. E, mais importante ainda, lembrar que o enriquecimento das nações não é obra de elites ou tecnocratas, mas da permissão para que milhões de pessoas comuns possam agir com liberdade e responsabilidade.
Conclusão
Deixe-me em paz e eu te deixo rico é uma obra indispensável para quem deseja compreender o verdadeiro motor do desenvolvimento econômico. Ele é uma defesa cultural da liberdade individual, do comércio justo e da ética produtiva.
Num mundo onde cresce a tentação por soluções autoritárias e por narrativas que colocam o Estado como salvador universal, McCloskey e Carden oferecem uma visão humana e realista: o progresso vem quando se confia na capacidade das pessoas de melhorar suas próprias vidas e as dos outros, por meio da liberdade, do trabalho e da inovação.