Resenha da obra "Nação Dopamina" da Dra. Anna Lembke

Formada em Medicina em 1995, com residência em Psiquiatria em 1998, na Universidade de Stanford, Anna Lembke exerce o cargo de professora e chefe da Clínica de Diagnóstico Dual de Medicina de Adição da mesma instituição. É também palestrante em inúmeros programas de pós-graduação, inclusive na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

A partir de estudos realizados com base em seus próprios atendimentos, a autora apresenta uma teoria concisa sobre como o vício em dopamina pode ser prejudicial à sociedade. Após introduzir históricos e dados relacionados ao uso de drogas lícitas e ilícitas em todo o mundo, contextualiza diferentes tipos de vícios e os tratamentos vivenciados por seus pacientes. Relatando um caso pessoal, demonstra como o vício em dopamina pode transformar pessoas produtivas em pessoas infelizes.

A obra apresenta, ainda, relação entre prazer e dor por meio da imagem de uma gangorra, demonstrando como o hiperestímulo e o vício em dopamina comprometem a homeostase — a capacidade do organismo de manter estabilidade interna diante de variações externas.

Em outras palavras, uma pessoa constantemente estimulada por recompensas imediatas pode deixar de sentir prazer com experiências simples e acabar conduzida a vícios como entretenimento excessivo, álcool, drogas e outros. Essa busca desequilibrada pelo prazer intensifica também a percepção da dor.

Tratamento e Abstinência

O tratamento, segundo a autora, começa com o jejum de dopamina — um período de abstinência que pode ser gradual ou imediato, no qual o paciente se afasta dos elementos causadores do vício.

O livro discute, ainda, mudança na relação com o tempo: ao contrário de gerações anteriores, que tinham o trabalho como atividade central do dia, a sociedade atual lida com o aumento do tempo livre — o que pode intensificar o vício em estímulos rápidos.

Outra metodologia proposta é o comprometimento categórico: imposição de limites como compromissos pessoais. Um exemplo simbólico é transformar um objeto relacionado ao vício em lembrete de autocontrole — como emoldurar um antigo bilhete de apostas.

Para a autora, o autocontrole é uma forma de liberdade. Ao mesmo tempo, reconhece as controvérsias no uso de medicamentos ou inteligência artificial no tratamento de desequilíbrios emocionais, especialmente os originados na infância.

A Busca pela Honestidade Radical

A honestidade radical é proposta como caminho de melhoria contínua. Mostrar vulnerabilidades gera conexões humanas genuínas. Para Lembke, “Enquanto contar a verdade favorece um vínculo humano, o hiperconsumo compulsivo de produtos ricos em dopamina enfraquece esse vínculo.” As confissões do livro têm caráter terapêutico, não de entretenimento.

Nos Alcoólicos Anônimos, por exemplo, isso se dá por meio da confissão dos erros a Deus e a outras pessoas. Lembke recorre ao conceito de “falso self”, de Donald Winnicott, para explicar como a construção de uma persona em resposta a exigências externas pode gerar um vazio existencial. Redes sociais amplificam esse fenômeno, provocando despersonalização e desrealização.

Tanto o excesso de dopamina quanto a abundância material podem ser tão prejudiciais quanto a escassez. A mídia sensacionalista e o discurso político manipulador geram a sensação de carência em um mundo de fartura.

Por fim, a autora apresenta dois ciclos distintos de vergonha. O ciclo autodestrutivo: hiperconsumo > vergonha > mentira > isolamento. E ciclo pró-social: hiperconsumo > vergonha > honestidade radical > aceitação > pertencimento > consumo reduzido.

Exemplo Prático: Redução da Cafeína

Um exemplo prático da aplicação dos conceitos do livro é a redução do uso da cafeína: interrupção total nos quatro primeiros dias e, em seguida, consumo esporádico. Nos primeiros dias, os sintomas da abstinência incluíram dor de cabeça, dor no estômago, náusea, cansaço e indisposição. 

A partir do décimo dia, notou-se melhora significativa no sono, maior concentração e redução da irritabilidade. Ao retomar o consumo ocasional de café, foi possível perceber claramente seus efeitos — demonstrando o impacto negativo do vício anterior. Essa vivência permite aplicar o acrônimo DOPAMINE de Anna Lembke:

  • D: Dados – Observação dos efeitos adversos e registro dos sintomas da abstinência.
  • O: Objetivos – Compreensão das motivações: aumento da produtividade, redução da fadiga ou hábito social.
  • P: Problemas – Identificação de impactos negativos como distúrbios do sono e maior irritabilidade.
  • A: Abstinência – A interrupção total por alguns dias seguida de uso controlado ajudou a restaurar o equilíbrio químico.
  • M: Mindfulness – Auto-observação constante sem julgamentos foi essencial para manter o foco no bem-estar.
  • I: Insight – Compreensão de que o uso contínuo da cafeína contribuía para exaustão e ansiedade.
  • N: Novos passos – Estabelecimento de um padrão de uso consciente e muito esporádico.
  • E: Experimento – Reintrodução consciente permitiu testar os próprios limites e validar os benefícios da abstinência.

A experiência confirma que o excesso de dopamina, até mesmo de fontes socialmente aceitas como o café, pode provocar desequilíbrios importantes. A aplicação do método de Lembke demonstra que autoconhecimento, autocontrole e honestidade intelectual são ferramentas eficazes para recuperar o bem-estar e a autonomia.

Efigenia Márlia Brasilino de Morais Cruz

Colunista

Associada do Instituto Líderes do Amanhã

Associada do Instituto Líderes do Amanhã