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Saúde mental no trabalho: um novo olhar exigido pela lei

Mais do que cumprir regras, é hora de transformar os ambientes de trabalho em espaços saudáveis e humanos.

Foto: Freepik
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* Artigo escrito por Gabriela de Brito Martins, psicóloga, mestra em Administração, doutora em Saúde Coletiva e professora da Faesa.

Nos últimos anos, a preocupação com a saúde mental do trabalhador deixou de ser um diferencial e passou a ser necessidade nas empresas. No mundo do trabalho, isso nunca foi tão urgente. A atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR1), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), traz uma mensagem clara: não basta apenas garantir condições físicas seguras; é preciso cuidar também do bem-estar emocional de quem trabalha.

Muitas vezes, quando pensamos em acidentes de trabalho, imaginamos máquinas, quedas ou esforço físico. Mas e as pressões invisíveis? A cobrança por resultados inalcançáveis, o medo de perder o emprego, a falta de diálogo com a chefia, a sensação de não ser reconhecido. Esses fatores, pouco palpáveis, são capazes de adoecer mais do que qualquer máquina defeituosa.

Gabriela de Brito Martins, psicóloga, mestra em Administração, doutora em Saúde Coletiva e professora da Faesa. foto: Faesa/Divulgação

O estresse crônico, a ansiedade e a depressão já fazem parte das estatísticas de afastamento do trabalho – e não é por acaso. Segundo o Observatório de Saúde e Segurança no Trabalho (MPT + OIT), apenas em 2022 foram concedidos mais de 200 mil auxílios-doença no Brasil por transtornos mentais.

No Espírito Santo, o cenário também chama atenção: entre 2012 e 2022, foram registrados mais de 3,5 mil afastamentos por questões ligadas à saúde mental, sendo cerca de 400 casos somente em 2022.

Esses números mostram que o sofrimento emocional deixou de ser invisível e passou a ser um dos principais fatores de afastamento laboral.

A nova NR1 é importante porque, ao incluir os riscos psicossociais, ela nos obriga a considerar essa dimensão oculta, mas decisiva do trabalho.

A saúde mental deixa de ser vista como algo externo à organização e passa a ser reconhecida como parte integrante da segurança e da prevenção.

Os fatores de risco psicossociais no trabalho se referem a todas as situações e condições de trabalho que podem gerar danos à saúde de quem trabalha. Eles não são inerentes à pessoa, mas sim ao ambiente, à organização do trabalho e às relações interpessoais.

As novas abordagens interventivas em saúde do trabalhador, baseadas nas clínicas do trabalho, vêm nos mostrando que a saúde do trabalhador não se resume a exames admissionais ou programas de prevenção padronizados.

Elas se alinham à atualização da NR1, pois oferecem às empresas uma visão mais ampla das contribuições da psicologia no contexto de trabalho, trilhando a ótica de quem trabalha.

Quem já passou por isso sabe: não é apenas o excesso de tarefas que adoece, mas a impossibilidade de realizar um bom trabalho em condições ruins.

Para Yves Clot, o sofrimento surge justamente quando o trabalhador não consegue fazer o que considera um “trabalho bem feito”, gerando um sofrimento ético, silencioso e corrosivo.

Já Yves Schwartz lembra que o trabalho real é sempre mais complexo que o prescrito, exigindo invenção e adaptação constantes, um esforço invisível que pode trazer orgulho, mas também esgotamento quando não é reconhecido ou é frustrado.

Nesse contexto, a atualização da NR1 ganha relevância ao incluir os riscos psicossociais, reconhecendo que a saúde mental não está fora, mas no coração da prevenção e da segurança no trabalho.

Nesse sentido, gerenciar riscos psicossociais no trabalho significa criar espaços de diálogo, respeito e acolhimento. Significa fornecer clareza sobre as funções e expectativas. Significa rever práticas de gestão baseadas no medo e substituí-las por uma cultura que valorize a participação, a escuta e o equilíbrio entre produtividade e saúde.

O trabalho é, antes de tudo, uma experiência humana. E quando o ambiente se torna tóxico, o corpo e a mente sentem. Empresas que já entenderam isso, investindo em programas de apoio psicológico e bem-estar, já colhem os frutos: menos afastamentos, mais engajamento e maior qualidade nos resultados.

Por essas evidências, a NR1 não deve ser vista apenas como uma obrigação burocrática, mas como uma oportunidade de mudança real. Afinal, de que adianta bater metas se o time está exausto e adoecido?

É hora de assumir que investir em saúde mental é investir na sustentabilidade do próprio negócio – e, mais importante, na dignidade de quem faz a roda girar todos os dias.

Se queremos ambientes de trabalho mais saudáveis, precisamos olhar para além das planilhas e enxergar as pessoas. Porque, invariavelmente, não existe empresa sem gente. E gente saudável, física e emocionalmente, é o maior patrimônio que qualquer organização pode ter.

No fim das contas, cuidar da saúde mental não é um favor ao trabalhador. É uma escolha estratégica, que reduz afastamentos, melhora o clima, fortalece vínculos e promove engajamento real.

A pergunta que fica é: como está a sua saúde e a de quem trabalha com você? E o que sua empresa está fazendo com essa resposta?