A retórica contemporânea de que “todos somos líderes de pessoas” ganhou força nas últimas décadas. De fato, a responsabilidade pelo desenvolvimento humano não pode ficar restrita a um departamento. Cada gestor, independentemente de sua área, deve ser capaz de ouvir, orientar, dar feedbacks consistentes e construir times de alta performance. No entanto, esse movimento não elimina a necessidade de uma área dedicada de Recursos Humanos. Ao contrário, evidencia a urgência de um RH que atue como guardião do mérito, da sucessão e da cultura organizacional.
Ram Charan, em “Pipeline de Liderança”, mostra que, a cada transição de carreira, um líder precisa dominar novas competências, e que o fracasso em assumir esse aprendizado compromete não apenas a trajetória individual, mas o futuro da empresa. Se todos são responsáveis por desenvolver pessoas, alguém precisa orquestrar essa evolução em escala. O RH estratégico cumpre esse papel: desenhar os mapas de competências, estruturar o plano de sucessão e garantir que decisões de progressão estejam baseadas em desempenho, e não em conveniências pessoais.
A experiência empresarial brasileira confirma a tese. Levantamento da PwC (2024) aponta que 72% das empresas que colapsaram em processos de sucessão o fizeram por ausência de mecanismos formais de avaliação de talentos. Esse cenário se replica em contextos regionais: no Espírito Santo, por exemplo, setores estratégicos como celulose, petróleo e logística dependem fortemente de lideranças técnicas e operacionais. Nesses segmentos, a inexistência de governança de pessoas representa um risco concreto ao crescimento econômico, pois limita a capacidade das organizações de preparar sucessores aptos a ocupar posições críticas.
A filosofia também sustenta essa visão. Em “A Revolta de Atlas”, Ayn Rand denuncia a falência de sociedades que nivelam indivíduos por conveniência política, ignorando mérito e resultado. O mesmo ocorre em empresas que tentam diluir toda a gestão de pessoas na linha hierárquica, sem instância responsável por garantir justiça e previsibilidade. Michael Sandel, em “Justiça”, lembra que legitimidade só existe quando há critérios claros e transparentes de decisão. O RH, nesse sentido, não é apenas uma área administrativa: é a instância que assegura que a liberdade de crescer seja acompanhada da responsabilidade de entregar.
Nesse sentido, a Deloitte Human Capital Trends 2025 demonstra que companhias que tratam o RH como área estratégica têm 1,7 vez mais chances de superar metas financeiras. Isso ocorre porque investir em sucessão, meritocracia e desenvolvimento cria líderes capazes de alinhar resultados de negócio à evolução das pessoas.
A Importância do RH na Estratégia Corporativa
Ao proteger o mérito e estruturar a sucessão, o RH traduz no mundo corporativo o mesmo princípio que sustenta sociedades prósperas: liberdade acompanhada de responsabilidade. Portanto, não se trata de escolher entre todos serem líderes de pessoas ou manter uma área de RH. O desafio é integrar as duas dimensões. Cada líder precisa assumir responsabilidade pelo desenvolvimento humano no dia a dia, mas o RH continua sendo a estrutura que garante consistência, equidade e visão de futuro. Ele é a constituição interna que protege o mérito e assegura que a sucessão seja mais que improviso. Em tempos de competição global, abrir mão dessa instância não é sinal de modernidade, mas de miopia estratégica.