*Artigo escrito por Christian Tanimoto, gerente de Atendimento ao Usuário da Ecovias 101
Toda vez que há um sinistro na BR-101, os comentários caminham em uma única direção: a responsabilização da concessionária que administra a via, por não ter duplicado os quase 478 quilômetros sob sua concessão. Uma parte dessa argumentação encontra subsídios para se manter, outra precisa ser refutada. Vamos ver por quê.
A segurança no trânsito resulta de um esforço tripartite, que envolve os três “Es”: engenharia, educação e esforço legal.
O primeiro está no âmbito direto da concessionária, e envolve a criação e manutenção de vias seguras, com sinalização e infraestrutura adequadas, a fim de minimizar riscos e facilitar a circulação dos usuários.
O segundo compreende os esforços de educação, que visam a conscientização e formação de usuários sobre leis de trânsito e práticas seguras, por meio de campanhas educativas, programas de treinamento e outras iniciativas que promovam o comportamento responsável e consciente por parte de motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres, objetivo que a Ecovias 101, Polícia Rodoviária Federal e demais órgãos compartilham em centenas de ações educativas que promove anualmente.
Por último, há o esforço legal, que inclui a fiscalização do cumprimento das leis de trânsito, aplicação de penalidades, caso haja infrações, e criação de leis e regulamentos em torno da segurança viária, para desencorajar os comportamentos de risco.
É da integração desses três pilares complementares que nasce a solução para mitigar os indicadores assombrosos de sinistros, lesões e mortes no trânsito.
Somente em 2023, o Brasil registrou 34,8 mil mortes em suas vias, segundo o Atlas da Violência. No entanto, a cobrança dos usuários recai sobre os responsáveis pela via ou pela sua fiscalização, vistos, muitas vezes, como uma indústria de multas.
A Ecovias 101 sabe que é preciso promover a duplicação de suas vias e a instalação de dispositivos que garantam a fluidez e a segurança viária.
A partir do novo contrato de concessão, que foi recentemente modernizado em um acordo inédito que envolveu o Ministério dos Transportes, a Agência Nacional de Transportes Terrestres e o Tribunal de Contas da União, a concessionária vai duplicar mais de 170 quilômetros na sua área de concessão, além de outras melhorias que somam R$ 10 bilhões em investimentos. Isso acabará com os sinistros e mortes? Os indicadores, infelizmente, apontam para uma resposta negativa.
Isso porque os dados mostram que um agente importante da segurança viária ainda não aplica os esforços necessários para que essa realidade seja transformada: o usuário.
São motoristas que não usam cinto de segurança, ignorando um dispositivo capaz de tornar o ato de dirigir mais seguro. Na BR-101 no Espírito Santo, 44% das vítimas fatais entre os meses de janeiro e junho de 2025 encontravam-se nessa situação.
No mesmo período, 56% dos acidentes na área de concessão da Ecovias 101, ou seja, a maioria deles, ocorreram em pistas duplicadas, derrubando o mito de que a duplicação, por si só, é capaz de tornar o trânsito plenamente seguro.
Há de se considerar, ainda, que as cinco primeiras causas de acidentes na área de concessão da Ecovias 101 estão relacionadas ao comportamento do motorista, como ausência de reação ou reação tardia do condutor.
Tais fatos confirmam os índices da Organização Mundial da Saúde (OMS), que mostram que 90% dos acidentes são causados por falha humana.
Diariamente, nossas câmeras e equipes flagram centenas de casos de imprudência e desrespeito às leis de trânsito: excesso de velocidade, ultrapassagens em locais indevidos, desprezo por equipamentos de segurança como cintos, capacetes e passarelas.
A relação do brasileiro com o trânsito é tão emblemática que até o antropólogo Roberto da Matta escreveu uma obra sobre o tema.
Em “Fé em Deus e Pé na Tábua: ou Como e Por Que o Trânsito Enlouquece no Brasil”, da Matta mostra o motivo pelo qual a agressividade e desrespeito às leis para levar vantagem tornaram-se parte do modo de encarar o espaço público no qual o trânsito está inserido.
Sabemos que tais estatísticas não são argumentos para não melhorar as vias. A BR-101 tem que aperfeiçoar sua estrutura, assim como as demais rodovias federais e estaduais; mas também o comportamento de motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres deve ser revisto, para que atitudes imprudentes no trânsito sejam abandonadas. É preciso que cada agente olhe para si e perceba o que pode – e deve – ser melhorado.
A realidade nas estradas só vai mudar quando pararmos de buscar culpados e passarmos a assumir, cada um de nós, cidadãos, gestores públicos e privados, a responsabilidade que nos cabe.
É preciso superar a lógica do “nós contra eles” e construir um esforço coletivo, onde todos estejamos unidos com o objetivo em comum de salvar vidas no trânsito.
Enquanto agirmos isoladamente, vamos observar a curva de crescimento de sinistros aumentar no Brasil e no Espírito Santo.