
*Artigo escrito por Hélio Pepe, advogado, juiz eleitoral do TRE-ES, mestre em Processo pela UFES e doutorando em Direito Comercial pela PUC-SP
Em abril de 2019, quando a Medida Provisória 881 chegou ao Congresso, o Brasil amargava a 150ª posição no ranking de liberdade econômica da Heritage Foundation. A urgência era palpável: mais de 12 milhões de desempregados clamavam por oportunidades.
Seis anos após sua conversão na Lei 13.874/2019, cabe examinar se a audaciosa promessa de inverter o “pressuposto de anti-liberdade” (termo utilizado na mensagem de encaminhamento da MP) vingou.
No cotidiano empresarial, a transformação mais visível foi a dispensa de alvarás para atividades de baixo risco. Meses de peregrinação burocrática cederam lugar à operação imediata. Afinal, bancas de fotocópias jamais deveriam ter sido tratadas como boates sujeitas a incêndios.
Liberado desse fardo trivial, o poder público pôde focar em atividades complexas. O resultado impressiona: o tempo médio para abertura de empresas caiu de cinco dias para menos de vinte e quatro horas em diversas juntas comerciais — avanço catalisado pela digitalização imposta pela pandemia.
Os setores de tecnologia, serviços digitais e franquias colheram os melhores frutos. O artigo 421-A do Código Civil consolidou presunções de paridade e boa-fé nos contratos empresariais, dissipando névoas jurídicas que cercavam modelos inovadores.
Startups ganharam previsibilidade: seus acordos seriam interpretados conforme pactuado, não segundo paternalismos judiciais. A sociedade unipessoal, enfim, alinhou o Brasil a práticas globais consolidadas.
Seria ingênuo, contudo, declarar vitória definitiva sobre a burocracia. Embora a lei tenha debelado entraves federais, estados e municípios preservam exigências próprias, perpetuando mosaico regulatório fragmentado.
O pequeno empresário ainda navega pela complexidade tributária kafkiana – relativo a Franz Kafka, escritor judeu de língua alemã nascido na cidade de Praga, na República Tcheca. A simplificação prometida se materializou apenas parcialmente — progresso inegável, porém insuficiente para quem sustenta empregos na base da pirâmide.
Desafios estruturais permanecem entrincheirados. A cultura cartorial resiste em redutos do serviço público.
Saúde, educação e transportes seguem hiperregulados. Inquieta mais a recorrente tentação de retrocessos legislativos, sempre justificados por alguma proteção supostamente necessária. Cada exceção aberta corrói o princípio basilar de liberdade que a lei pretendeu estabelecer.
O futuro dependerá também da consolidação jurisprudencial. O STJ tem equilibrado com maestria a presunção de simetria e a boa-fé objetiva, demonstrando que liberdade contratual não autoriza oportunismos.
Urge integração com marcos setoriais e vigilância contra retrocessos. O perigo reside no esquecimento gradual: regulamentações “bem-intencionadas” podem, camada sobre camada, asfixiar os princípios liberalizantes.
A Lei de Liberdade Econômica provou ser possível modernizar sem rupturas traumáticas. Progredimos da 150ª para a 117ª posição no ranking de 2025 — avanço considerável, ainda que distante do ideal.
O rumo está definido. Resta perseverar, resistindo tanto ao saudosismo regulatório quanto ao liberalismo ingênuo. Em tempos polarizados, preservar este delicado equilíbrio constitui vitória a ser zelosamente defendida.