Se algo há que sinalize uma crise do sistema democrático é a crescente incapacidade de lidar com o contraditório. Vivemos em nossa época um paradoxo, na medida em que é justamente a diversidade de ideias o pilar fundamental da democracia.
Quando o pensamento divergente abre espaço para transformar adversários em inimigos a serem eliminados, há um sintoma claro, uma contradição explícita.
A morte do ativista político norte-americano, Charlie Kirk, apoiador do presidente Donald Trump, assassinado durante uma palestra, é um exemplo brutal da substituição do debate pela violência, uma lógica distorcida sobre o outro.
Tão revelador quanto o ato em si, são as manifestações em comemoração a um crime, pois revelam a normalização de um padrão de intolerância, em última análise, um profundo estado de entorpecimento moral da sociedade.
A polarização política, lá como aqui, tem dado sinais claros de um processo de desumanização, que começa na própria linguagem, transformando o adversário em algo desprovido de sentimento, de história, de dignidade.
O uso de expressões pejorativas, de rótulos, simplificam identidades, como se a pessoa não tivesse valor algum.
Agressões verbais e ameaças de morte são normalizadas, e o cancelamento virtual, por exemplo, outro sintoma nefasto dos nossos tempos, se torna o prelúdio para a violência física. É um ciclo vicioso onde o ódio gera mais ódio, e a vida humana perde seu valor.
Aqui, no Espírito Santo, na semana passada, um jovem foi preso pela Polícia Federal, suspeito de ameaçar a vida do deputado federal Nikolas Ferreira. De acordo com o parlamentar, a ameaça foi feita em uma rede social.
Fato é que ecoa a mesma lógica perversa do crime nos Estados Unidos: aquele que pensa diferente é um inimigo e, portanto, precisa ser eliminado.
Quando a política se torna uma guerra, não há mais espaço para a razão.
É imperativo que a sociedade reflita sobre os perigos da intolerância e valorize a convivência com o diferente como premissa básica para a manutenção da civilidade e da democracia.
A luta pela convivência pacífica deve ser prioridade. As alternativas são o caos ou a submissão a sistemas autocráticos e sem liberdade.