Por Liz Corbin, Diretora de Notícias da UER, e Vincent Peyrègne, CEO da WAN-IFRA.
*Este artigo foi encomendado para marcar o Dia Mundial do Jornalismo, uma campanha da indústria jornalística para destacar o valor do jornalismo.
Todos nós queremos entender o mundo ao nosso redor. Talvez queiramos mais clareza sobre a guerra em Gaza, ou o que nosso governo está fazendo sobre a assistência médica da qual nossa família depende. Pode ser algo tão simples como as mudanças em uma linha de ônibus que afetarão nosso trajeto diário. Não importa o quão importante ou trivial seja o assunto, temos o direito a notícias em que podemos confiar.
Todos nós já passamos por isso, navegando pelo feed, vendo um clipe impressionante ou uma história chocante que precisa ser compartilhada. Mas agora temos que questionar constantemente o que é real e o que é uma criação de inteligência artificial.
As informações geradas por IA são tão convincentes hoje e moldam tanto a informação que consumimos que corremos o risco de não conseguir mais confiar em nada. E a desconfiança é o combustível que alimenta teorias da conspiração, a polarização social e o desengajamento democrático.
Na realidade, a integridade do que chamamos de ‘notícias’ está sendo erodida pelas ferramentas que deveriam nos ajudar a entender o mundo.
Neste Dia Mundial do Jornalismo, queremos enfatizar que o público tem direito aos fatos que os jornalistas profissionais e as organizações para as quais trabalham mundialmente se comprometem a encontrar, corroborar e compartilhar.
No entanto, as empresas de tecnologia que constroem sistemas de IA que milhões de pessoas usam diariamente estão falhando em sua responsabilidade para com a verdade.
Uma pesquisa original realizada este ano pela BBC descobriu que metade das respostas geradas por IA para perguntas relacionadas a notícias omitiram detalhes importantes e cometeram outros erros cruciais.
Os assistentes de IA que eles testaram consistentemente produziram fatos confusos, citações fabricadas ou mal atribuídas, informações descontextualizadas ou reportagens parafraseadas sem crédito.
E daí? IA é útil e economiza tempo, vai melhorar, podemos viver com os erros. Exceto que não estamos falando de uma receita de bolo ou recomendações de férias. A democracia está em jogo, porque uma sociedade sem um entendimento comum do que é verdade não pode fazer escolhas informadas. E indivíduos que confiam em uma distorção enganosa do jornalismo originalmente independente e preciso correm o risco de se perderem em um pântano tóxico de meias-verdades e manipulação de má-fé.
Isso não é uma paranoia abstrata e distante. A internet já está inundada de falsificações sintéticas projetadas para enganar, gerar cliques e promover interesses particulares. Vozes, rostos e manchetes gerados por IA estão degradando o ecossistema de informações, muitas vezes sem procedência ou responsabilidade claras.
Enquanto isso, o trabalho de jornalistas que servem ao interesse público, especialmente na mídia local, regional e independente, está sendo extraído sem permissão, reempacotado algoritmicamente e redistribuído sem crédito ou compensação.
Esse fenômeno é, sem dúvida, mais pernicioso do que as deepfakes gritantes e ultrajantes que todos vimos, porque as imprecisões são sutis, plausíveis e mais propensas a enganar. Estamos testemunhando a sabotagem das notícias em que precisamos poder confiar, e isso está esgotando as já escassas reservas de confiança pública.
Então, o que pode ser feito?
A União Europeia de Radiodifusão e a WAN-IFRA, juntamente com um coletivo em rápido crescimento de outras organizações que representam milhares de jornalistas profissionais e redações em todo o mundo, estão pedindo mudanças urgentes na forma como os desenvolvedores de IA interagem com as notícias e as pessoas que as produzem.
Muitas das emissoras e editoras de notícias que representamos estão usando a IA de forma responsável para aprimorar seu jornalismo sem comprometer a integridade editorial, como através da automação de tradução, ajudando a detectar desinformação ou personalizando o conteúdo. Elas estão cientes de que a implantação dessas ferramentas deve ser baseada em princípios, deve ser transparente e cuidadosamente gerenciada.
É por isso que estamos apresentando cinco requisitos claros para as empresas de tecnologia de IA. Esses requisitos não são radicais; são padrões realistas e de bom senso que qualquer desenvolvedor de tecnologia ética pode e deve adotar:
- 1. Nenhum conteúdo sem consentimento. Os sistemas de IA não devem ser treinados com conteúdo de notícias sem permissão. Esse conteúdo é propriedade intelectual criada por meio de trabalho rigoroso e confiança pública. A extração não autorizada é um roubo que mina ambos.
- 2. Respeitar o valor. O jornalismo de alta qualidade é caro de produzir, mas vital para o bem-estar da sociedade. As ferramentas de IA que se beneficiam desse trabalho devem compensar seus criadores de forma justa e de boa-fé.
- 3. Ser transparente. Quando o conteúdo gerado por IA se baseia em fontes de notícias, essas fontes devem sempre ser claramente citadas e vinculadas a sua origem, porque a precisão e a atribuição importam. Temos o direito de saber de onde a informação veio e se ela difere do original.
- 4. Proteger a diversidade. As ferramentas de IA devem amplificar o jornalismo pluralista, independente e de interesse público. Um ambiente de informação robusto e saudável exige uma representação diversificada de vozes.
- 5. Trabalhar conosco. Convidamos as empresas de IA a iniciar um diálogo sério e focado em soluções com a indústria de notícias. Juntos, podemos desenvolver padrões para precisão, segurança e transparência, mas apenas se as empresas de tecnologia virem os jornalistas como parceiros, e não como fornecedores de dados gratuitos para serem extraídos e monetizados.
Consideramos isso um desafio cívico que afeta cada pessoa que depende de informações confiáveis para tomar decisões sobre sua vida, formar opiniões confiáveis ou decidir em quem votar.
As empresas de tecnologia falam muito sobre confiança, mas a confiança não é construída com palavras. Estamos pedindo aos líderes da revolução da IA que lidem com este problema agora. Eles têm o poder de moldar o futuro da informação, mas ainda não os vemos levando a sério as perigosas deficiências de suas ferramentas e as suas potenciais consequências.
Sem uma ação corretiva urgente, a IA não apenas distorcerá as notícias — ela destruirá a capacidade do público de confiar em qualquer coisa e em qualquer pessoa, o que será uma notícia desastrosa para todos nós.