Os três policiais militares suspeitos de jogarem o adolescente Kaylan Ladário dos Santos, de 17 anos, do alto da Segunda Ponte, foram interrogados no Fórum de Cariacica. O caso foi registrado no dia 18 de fevereiro de 2025, em Cariacica.
O cabo Franklin Castão Pereira, o soldado Luan Eduardo Pompermaier Silva e o soldado Leonardo Gonçalves Machado foram indiciados por homicídio qualificado e estão presos no Quartel do Comando-Geral da Polícia Militar, em Vitória.
O caso aconteceu no dia 18 de fevereiro, quando o adolescente foi abordado pelos policiais no bairro Aparecida, em Cariacica, porque tinha um mandado de apreensão em aberto.
Ele foi levado para a Delegacia Especializada do Adolescente em Conflito com a Lei (Deacle), no Centro de Vitória, mas estava com o mandado vencido.
O delegado em questão orientou os policiais a levarem o adolescente de volta para casa, em Cariacica. No trajeto da volta, o jovem desapareceu e foi encontrado morto no dia seguinte, na orla de Cariacica.
A reportagem da TV Vitória teve acesso com exclusividade ao depoimento dos três acusados.
O primeiro a falar, o cabo Franklin Castão, apontado pelo Ministério Público como o responsável pelo crime, afirmou que os policiais pararam a viatura sobre a ponte para colocar Kaylan no compartimento de segurança, mas o jovem conseguiu fugir.
O Kaylan abriu a maçaneta e desceu para a parte de trás da viatura, foi nesse momento que desci e fechei a porta, como pisei em uma pedra no chão, peguei ela e joguei fora. Pedi calma só que antes que tomasse qualquer atitude ao desespero dele no parapeito, ele passou a perna e pulou.”
Franklin Castão, cabo da Polícia Militar
O policial afirma que foi até o parapeito da ponte e se certificou de que o jovem estava nadando. “Era uma distância próxima da margem, quando ele pula, eu olho ele nadando e falei que ele ia sair na margem e daí ele ‘toma o destino dele’”.
A juíza também questionou se seria um “caso de suicídio”. Suposição que é negada. “Não acredito que tenha sido um suicídio, acredito que tenha sido uma fuga”. A juíza questiona: “Sem saber nadar?” e é respondida com: “Foi uma atitude que ele tomou”.
Durante o depoimento, Franklin Castão afirma que tinha certeza que Kaylan estava nadando, e caso contrário, teria “tentado salvar a vítima”.
Eu tinha certeza que ele estava nadando, se por um acaso ele estivesse se debatendo, eu afirmo categoricamente para todos que estão aqui que eu teria pulado atrás dele, e provavelmente morreria junto, porque não sei nadar.”
Franklin Castão, cabo da Polícia Militar
“Mandou me afastar e voltar para viatura”, diz soldado Leonardo Machado
O segundo depoimento foi do soldado Leonardo Machado, que aparece em uma gravação de câmeras de segurança fora da viatura. Porém, afirmou não ter jogado Kaylan da ponte e que não “viu nada porque cabo Castão teria ordenado que voltasse para a viatura”.
O cabo Castão mandou eu me afastar e voltar para a viatura, que ele estava ali verbalizado com o Kaylan. Eu voltei para a viatura, embarquei, o Pompermaier me perguntou ‘o que está acontecendo?’, e eu respondi para ele ‘eu fui lá, o Kaylan está assim, o cabo Castão mandou me afastar e voltar para a viatura que está resolvendo’.”
Leonardo Machado, soldado da Polícia Militar
O soltado disse ainda que ao saber do cabo Castão que Kaylan havia fugido, disse que era preciso fazer uma ocorrência. Entretanto, cabo Castão não a realizou.
O cabo Castão disse que ‘a gente poderia tocar para o batalhão’ e ficar tranquilo que ele geraria uma ocorrência assim que chegasse no caso. E que era para ficar tranquilo que ‘não daria nada não’.”
Leonardo Machado, soldado da Polícia Militar
Leonardo Machado também falou que apenas ficou sabendo da morte e do vídeo da viatura na Segunda Ponte quando foi acusado de homicídio. Ele alega que cabo Castão apenas disse que Kaylan pulou da ponte, após a divulgação do vídeo.
“Kaylan não desobedeceu”, disse o soldado Luan Pompermaier
O último depoimento foi do motorista da viatura no dia do crime, o soldado Luan Pompermaier. O soldado afirma que não saiu do carro e achou estranho o cabo Castão não ter colocado o menino no cofre da viatura.
Eu questionei ele, como motorista, já estava tentando entender uma rota que eu pudesse fazer para ir no sentido Vitória. Questionei ele, ele fugiu como? Vamos dar a volta para tentar achar, e ele falou ‘não vamos atrás dele não’.”
Luan Pompermaier, soldado da Polícia Militar
Durante o depoimento, o soldado Luan disse acreditar que Kaylan tinha fugido correndo para Vitória. E somente na delegacia, o cabo Castão falou que pulou da ponte. Ele deixa claro que Kaylan não desobedeceu os policiais e não oferecia risco.
Kaylan não desobedeceu, ele não resistiu, ele não desacatou, não teve nada que fugiu do controle naquele dia. Então, não consigo enxergar motivação para nada, não consigo entender uma lógica nesse sentido.”
Luan Pompermaier, soldado da Polícia Militar
Soldados dizem que cabo procurou para combinar depoimentos
Os soldados também afirmam que o cabo Castão os procurou na casa deles e até no presídio militar para combinar depoimentos. Solicitou aos dois soldados para contratarem o mesmo advogado dele com a ideia era sustentar a versão de que Kaylan fugiu e se jogou da ponte.
Ele tentou conversar com a gente, e falou fala lá que falei com vocês que o menino pulou, porque causa mais uma coerência. E conversamos e falamos que íamos esclarecer da melhor forma. Se eu tivesse parado aquela viatura, eu não teria parado não.”
Luan Pompermaier, soldado da Polícia Militar
Já Leonardo Machado afirma que o cabo os procurou em casa e dentro do presídio. “Procurou diversas vezes, alegando que a versão que ele iria passar já comunicou a gente seria a mais crível e aceitável”.
Mãe não acredita na versão dada pelos PMs
Em entrevista à reportagem da TV Vitória, a mãe do adolescente, Leicester Ladário, disse que não acredita na versão dada pelos policiais militares.
A palavra mais apropriada é ridículo! Eles falam cada hora uma coisa e sabemos que é mentira. Eu só queria a verdade e sei que não é essa. Cada hora eles estão se contradizendo. E é mais ridículo achar que tem pessoas que vão ouvir isso.”
Leicester Ladário, mãe de jovem morto na ponte
Leicester também espera que a justiça seja feita, mas sabe que não terá o filho de volta a vida.
“É como reviver tudo de novo, eu digo que queria que tudo acabasse, porque doí, a mentira, a manipulação é dolosa, eu só queria a verdade e nada mais do que isso”.
Vídeo mostra PMs jogando o menor na Baía de Vitória
De acordo com as investigações da Polícia Civil, existe um vídeo que mostra o momento do crime e as imagens foram, inclusive, vistas pela mãe da vítima. O material não foi divulgado para a reportagem.
Policiais foram denunciados pelo Ministério Público
Na época do crime, os três militares foram denunciados pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) por homicídio qualificado, em razão da impossibilidade de defesa da vítima, e a investigação segue na Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à pessoa (DHPP) de Cariacica. O caso tramita em segredo de Justiça.
Por nota, a Polícia Militar confirma que os 3 policiais estão presos e declara que “possui compromisso com a ética e transparência” e que “já há um inquérito para apurar rigorosamente a conduta dos envolvidos”.
Já a Associação das Praças da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar (Aspra-ES) informou que está acompanhando o caso, dando o apoio jurídico e social necessário aos policiais. A associação diz que acredita na legitimidade da conduta dos militares e que “o jurídico está trabalhando para elucidar os fatos”.
*Com informações do repórter André Falcão, da TV Vitória/Record