Como evitar

Como funciona o "golpe do exame": hospitais e até o influencer Cazé fazem alerta

Estelionatários se passam por funcionários de unidades de saúde em mensagens de app para roubar vítimas

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Golpistas de exames médicos se passaram pelo laboratório Lavoisier
Golpistas de exames médicos se passaram pelo laboratório Lavoisier (Foto: Reprodução)

Uma nova forma de golpe tem feito hospitais e laboratórios alertarem seus pacientes sobre a ação dos estelionatários.

  • O crime consiste em informar a um paciente que exames médicos serão entregues – muitas vezes citam algum resultado alterado – e dizer que a vítima precisa receber os laudos em casa
  • Os golpistas enviam um motoboy, que cobra pela taxa de entrega e diz só aceitar o pagamento via cartão.
  • Na cobrança, o cartão é inserido em uma maquininha adulterada, que permite ao estelionatário fazer a transação fraudulenta pela conta bancária da vítima.

Hospitais como Samaritano e Alemão Oswaldo Cruz, além de laboratórios como Fleury e Lavoisier, fizeram alertas sobre esse golpe e afirmam não fazer cobranças da entrega de exames ou tratar de assuntos financeiros via aplicativo de mensagem (leia mais abaixo).

No mês passado, até o youtuber Casimiro Miguel, famoso pelas transmissões esportivas na internet, disse que sua mãe quase foi vítima desse golpe. Dois homens de São Paulo foram presos em agosto na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, suspeitos dessa fraude.

Entidades como a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) e a Associação Nacional de Hospitais Privados (Ahasp) dão orientações de como se prevenir (leia mais abaixo).

A Secretaria da Segurança Pública do Estado não informou se há investigação mais ampla sobre essa modalidade de crime, mas diz apurar um dos casos citados pela reportagem. A pasta orienta ainda que as vítimas façam boletins de ocorrência para que os estelionatos sejam investigados.

Como o golpe funciona?

A reportagem ouviu relatos de duas vítimas em São Paulo, com modus operandi similar – ambas não quiseram se identificar. A estratégia criminosa também tem semelhanças com a estratégia descrita por Cazé no vídeo de denúncia.

Nos casos relatados ao Estadão, os bandidos se passam por representantes de hospitais e laboratórios e informam à vítima, via aplicativo de mensagem, que os resultados de exames que elas fizeram tiveram alteração. Por isso, precisam receber o laudo atualizado.

No diálogo, os golpistas oferecem o serviço de entrega do exame via motoboy mediante pagamento de uma taxa pequena. Em prints de conversa enviados à reportagem, é possível notar um tom de urgência na conversa – o que faz a vítima ficar aflita. Inseguras, ela informa o endereço aos criminosos.

  • Na residência, o motoboy apresenta uma máquina de cartão, mas troca por uma segunda alegando falha no funcionamento da primeira. Ao inserir o cartão nos dois dispositivos, o golpista acessa a conta bancária da vítima e faz transações fraudulentas;
  • Também pode apresentar máquina de cartão adulterada que, embora exiba no visor o valor correto da taxa, faz cobranças indevidas de valores bem maiores.

Os golpistas reproduzem perfis falsos idênticos aos das contas comerciais das instituições verdadeiras. Chegam a colocar o e-mail da entidade, endereço e o horário de funcionamento na descrição para o disfarce.

Suspeita-se também que os criminosos tenham acesso a informações sobre o histórico médico dos pacientes, já que entram em contato com pessoas que realmente fizeram exames recentes, além de chamá-las, em alguns casos, pelo nome completo.

Dados pessoais e maquininha

Foi uma simulação assim que quase enganou Maria de Lourdes (nome fictício), de 71 anos. Ela desconfiou e escapou do golpe. Há dois meses, a aposentada fez exame de sangue no Hospital Samaritano, na Bela Vista, região central de São Paulo.

No dia 1°, os golpistas entraram em contato para afirmar que os testes tiveram resultado alterado e que a vítima precisava agendar novo exame. O texto da mensagem a chamava pelo nome completo.

“Na hora, entrei em desespero e acreditei que fosse verdade”, disse ao Estadão. Maria de Lourdes acabou aceitando a ida do motoboy até sua casa, mesmo depois de os golpistas sugerirem a entrega do teste na unidade hospitalar. “Com esses assuntos de saúde, a gente quer resolver rápido”.

Mensagem enviada à reportagem mostra que criminosos abordam as vítimas com nomes completos e demonstram conhecimento sobre caso do paciente
Mensagem enviada à reportagem mostra que criminosos abordam as vítimas com nomes completos e demonstram conhecimento sobre caso do paciente. (Foto: Arquivo pessoal/Reprodução)

Ela começou a desconfiar quando viu que a taxa de entrega seria de R$ 6,70. “Da (Avenida) Paulista até a minha casa ser R$ 6,70? Achei estranho”, disse.

Para ter a certeza, Maria de Lourdes ligou para o hospital e para o próprio médico, que negaram a alteração dos resultados e confirmaram se tratar de golpe. Houve tempo ainda de dispensar os criminosos antes deles chegaram em sua casa.

“Acredito que eles buscam mais pessoas mais idosas, que têm menos contato com celular, internet, que frequentam o médico com mais frequência e se sentem mais preocupados com a saúde”, diz a vítima, que optou por não fazer boletim de ocorrência, uma vez que não houve prejuízo com a tentativa de estelionato.

Nas redes sociais, o Hospital Samaritano confirmou que unidades da Rede Américas, a qual pertence, têm registrado essas tentativas de golpe, e informa que toda comunicação com pacientes envolvendo assuntos financeiros é feita por e-mail, além de não enviar links de pagamentos, chaves Pix, dados bancários ou boletos por apps de mensagem.

“Pagamentos também podem ser realizados diretamente no setor de Tesouraria do hospital”, acrescenta o Samaritano.

Cazé diz que a sua mãe recebeu a mensagem sobre receber um suposto exame, pouco depois de fazer uma cirurgia. O bandido dizia que faria entrega na casa da paciente e que haveria a cobrança de uma taxa de R$5.

O influenciador afirma que tentou pagar o valor em dinheiro ou por meio de depósito, mas o golpista negou essa possibilidade. “Não tem conta para depositar. Tem de descer (na portaria para passar o cartão) mesmo”, relembrou o influenciador.

Após Casimiro manter a recusa de pagar por meio de cartão, o golpista desistiu de fazer a entrega e não entrou mais em contato. Quando consultado, o hospital informou que não havia nenhum exame para entrega, acrescentou o influencer.

Prejuízo

Geraldo (nome fictício), de 72 anos, também foi alvo dos criminosos em agosto de 2024. Diferentemente de Maria de Lourdes e da mãe de Cazé, não conseguiu escapar e teve prejuízo de cerca de R$ 1 mil. A abordagem foi semelhante, mas, no lugar de um hospital, quem entrou em contato com ele foi o Laboratório Lavoisier.

“Realizamos uma reavaliação dos exames feitos no dia 15/08/2024 em nossa unidade e houve alteração no resultado de um exame. Precisamos entregar o resultado com urgência e agendar uma nova consulta com especialista”.

Na época, Geraldo sofria de um problema sério de saúde, que o levou a fazer exames no Lavoisier. Na expectativa de saber os resultados, acreditou falar com o laboratório e autorizou a ida do entregador até a sua casa, na zona norte de São Paulo.

Quando foi pagar a taxa de entrega de R$ 9,90, o motoboy acusou erro na maquininha e disse que o paciente tinha de pagar em uma segunda. No ato de passar o cartão em dois aparelhos diferentes, teve o seu cartão clonado. “Logo depois que passei o cartão, percebi que tinha sido vítima de um golpe”, afirmou à reportagem.

A Secretaria da Segurança Pública informou que o caso é investigado pelo 9° Distrito Policial (Carandiru), e que a Polícia Civil “busca por imagens de câmeras de segurança para auxiliar na identificação do autor do crime”.

Procurado, o Laboratório Lavoisier confirma que o “mercado de saúde tem sofrido com esse tipo de golpe” e que o setor tem utilizado protocolos rígidos de segurança para a proteção de informações.

“Na nossa marca, vamos além, adotando materiais visuais com alertas de que não solicitamos nenhum pagamento por WhatsApp, telefone ou canal não oficial”, diz o Laboratório.

O Lavoisier diz ainda que só faz cobranças pelos canais oficiais da instituição e que orienta os pacientes e familiares a como evitar tais situações. “Abordagens suspeitas devem ser relatadas diretamente ao nosso time, altamente treinado para equacionar dúvidas.”

Suspeitos de São Paulo são presos no Rio

Dois homens de São Paulo, suspeitos de aplicarem o golpe no Rio, foram presos pela Polícia Civil fluminense no mês passado. A dupla foi localizada em um condomínio de luxo, na Barra da Tijuca, zona oeste carioca.

Os agentes chegaram aos dois homens depois que uma vítima, suspeitando da fraude, entrou em contato com a polícia. Ela relatou que supostos funcionários do plano de saúde entraram em contato para avisar que os exames médicos de um paciente idoso estavam prontos e se prontificaram a levar o laudo até sua casa.

“Diante dessas informações, policiais civis diligenciaram ao local a fim de identificar e prender os estelionatários, que iriam aplicar o golpe”, informou a polícia fluminense. Aos agentes, os suspeitos informaram que são do de São Paulo e que estavam no Rio havia poucos dias, na comunidade do São Carlos.

“Os dois foram autuados em flagrante pelo crime de tentativa de estelionato e associação criminosa”, acrescentou a polícia, que reforçou o modus operandi dos criminosos, acrescentando que o principal público alvo são os idosos.

“Os golpistas, com acesso às informações pessoais das vítimas — inclusive de que estas haviam realizado recentemente algum tipo de exame médico — faziam contato informando que os laudos apontavam alguma alteração e que precisavam ser apresentados imediatamente ao médico responsável”, disse.

Após esse primeiro contato, os criminosos então ludibriavam as vítimas, “muitas vezes idosos”, e alegavam que os exames poderiam ser entregues por meio de um motoboy na casa do paciente “mediante o pagamento de um pequeno valor”.

“No momento da entrega, o autor informava que o pagamento somente poderia ser feito por cartão de débito. Ele então, mentia para a vítima que a transação não havia sido aprovada e, nesse momento, realizava diversas transações fraudulentas utilizando o cartão da vítima”.

A Polícia Civil acrescentou que trabalha para localizar novas vítimas e outras ocorrências do tipo. Os dois homens presos não tiveram suas identidades informadas e, por esse motivo, não foi possível localizar as respectivas defesas.

Entidades fazem alerta

Outros laboratórios com serviços semelhantes também foram questionados. A empresa A+ Medicina Diagnóstica informa em seu site, em um aviso automático, que o laboratório “não entra em contato com seus clientes para oferecer entrega de resultados de exames mediante qualquer tipo de pagamento”.

O Laboratório Fleury também afirma que “não entra em contato com seus clientes para oferecer entrega de resultados de exames mediante qualquer tipo de pagamento”, disponibiliza em suas redes sociais, há mais de um ano, informações sobre a prática do golpe.

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz informou que os procedimentos médicos – agendamento, cancelamento e reagendamento de consultas, além de acesso aos resultados – devem ser feitos nos canais oficiais do hospital (www.hospitaloswaldocruz.org.br ou central de atendimento: (11) 3549-1000).

A instituição afirma que encaminha resultados de testes para pacientes, mas apenas em “situações pontuais” e com os custos arcados pelo próprio hospital.

“Informamos que estamos cientes da existência de golpes envolvendo falsas entregas de exames e cobranças indevidas usando o nome da instituição. Estamos colaborando com as autoridades nas investigações em andamento”, afirma o Oswaldo Cruz, que diz manter uma comissão que atua na prevenção de golpes e segurança de informações.

Em nota conjunta, a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) e Associação Nacional de Hospitais Privados (Ahasp) dão orientações de prevenção contra o golpe. “Diante da disseminação desse tipo de golpe, é fundamental que pacientes e familiares estejam atentos e adotem as seguintes medidas de precaução”.

  • Desconfie de contatos telefônicos ou mensagens que solicitem pagamentos para a entrega de exames ou outros serviços não previamente agendados;
  • Antes de qualquer pagamento, entre em contato diretamente com a instituição de saúde para verificar a veracidade da solicitação;
  • Evite fornecer dados pessoais ou financeiros por telefone ou apps de mensagens sem a devida confirmação da identidade do solicitante;
  • Ao realizar pagamentos com cartão, sempre confira o valor na máquina e no comprovante emitido.

“Essa prática criminosa tem afetado diversos setores, incluindo as instituições de saúde. Por isso, a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) e a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) estão empenhadas em alertar e conscientizar os pacientes para que não sejam vítimas desse tipo de golpe”, dizem as entidades.

A SSP-SP diz que a Polícia Civil orienta que as vítimas registrem os crimes para que os casos sejam investigados e os autores, punidos. “Ressaltamos, ainda, que nos casos de estelionato, a representação criminal é essencial para que as investigações prossigam, de acordo com a legislação vigente”, informa a pasta.