Infância roubada

Crianças no crime: jornalista lança livro sobre exploração infantil no tráfico

Livro de Michelli Possmozer apresenta novas perspectivas sobre a realidade de crianças e adolescentes envolvidos no tráfico de drogas

crianças no tráfico de drogas
Montagem: Canva/Praia Editora

Infâncias roubadas pelo tráfico de drogas: meninos e meninas que deveriam brincar e sonhar acabam vivendo entre abusos, vícios e a sombra da morte. Essa realidade cruel, onde o crime organizado substitui a escola e a família, é revelada no livro “Crianças no Tráfico: Infâncias Interrompidas” (Praia Editora, 2025), estreia da jornalista e pesquisadora Michelli Possmozer.

O livro apresenta novas perspectivas sobre a realidade de crianças e adolescentes envolvidos no universo do tráfico de drogas. A inspiração para a pesquisa que deu origem à obra surgiu do trabalho de Michelli como repórter especial de Polícia entre 2012 e 2015, em Vitória.

Ao fazer inúmeras matérias sobre jovens apreendidos e crianças já familiarizadas com a rotina do tráfico, uma pergunta aguçou a sua curiosidade: o envolvimento de adolescentes com o tráfico seria resultado de histórias que começaram na infância? 

Essa inquietação pautou sua trajetória acadêmica e serviu como fio condutor para a construção de uma obra que une a sensibilidade jornalística à profundidade de uma investigação sociológica.

Michelli Possmozer é jornalista e pesquisadora
Michelli Possmozer é jornalista e pesquisadora. Foto: Arquivo pessoal

Para Michelli, a participação infantil e juvenil neste universo vai além da questão moral ou de uma suposta busca por “ganhos fáceis”. O tráfico, para muitos deles, aparece como o único caminho possível para atingir objetivos que ressoam profundamente na sociedade capitalista, como dinheiro e status.

Choque ao encontrar criança armada em boca de fumo

Durante a pesquisa, momentos marcantes não faltaram. Um deles, especialmente impactante, foi ao visitar uma boca de fumo pela primeira vez e se deparar com a imagem de um menino portando uma arma cromada.

“Aquele dia foi muito intenso e ainda carrego a memória desse episódio comigo. Foi um divisor de águas na minha percepção sobre a realidade que eu estudava”, relembra Michelli.

Além de escritora e jornalista, Michelli é doutora em Sociologia Política e possui ampla experiência no campo do ensino e da pesquisa.

O livro está disponível para download livre no blog da Praia e, com isso, a autora busca democratizar o acesso aos resultados de uma pesquisa aprofundada, realizada durante seu mestrado em Ciências Sociais.

Entrevista com Michelli Possmozer

Qual sua motivação para fazer essa pesquisa?

Minha motivação nasceu do meu trabalho como repórter especial de Polícia, durante o período de 2012 a 2015. Eu fiz muitas matérias sobre crianças envolvidas no tráfico de drogas, adolescentes que foram apreendidos e que já na infância tiveram vivência no tráfico. 

Isso me chamou muito a atenção porque, mesmo crianças, quando eu os abordava na delegacia, eles já demonstravam estar muito habituados com a rotina que o tráfico instaura na comunidade. E quando eu conversava com os adolescentes, eu percebia que estar no tráfico era algo muito natural. 

Daí me surgiu o questionamento: o envolvimento deste adolescente é resultado de uma história que começou na infância? E daí decidi tornar essa pergunta o ponto de partida na minha investigação no mestrado.

Por que decidiu transformar em livro?

Porque acredito que consegui fazer uma pesquisa empírica muito rica, que não pode ficar restrita ao universo acadêmico. Publicar como livro é democratizar o acesso dessa leitura, fazendo com que chegue a mais pessoas. E acredito que a leitura do meu livro pode instigar reflexões que farão nascer novas pesquisas.

O que você considera o grande destaque de seu livro?

O grande destaque, para mim, é como a minha pesquisa deixa muito clara a visão mercadológica e de negócio que envolve o tráfico de drogas. O envolvimento do adolescente e da criança no tráfico não é uma questão moral, como muitos pensam. Existe uma ideia de que esses meninos estão no tráfico porque querem “ganhos fáceis”. 

Na verdade, eles são perpassados pelo mesmo desejo de ter dinheiro e status que alcança a todos nós em uma sociedade capitalista. Só que, para eles, o tráfico é a única via que dará acesso ao que eles desejam. Outro caminho não lhes foi apresentado.

Houve momentos difíceis, engraçados ou pitorescos durante a pesquisa?

Sim. Um dos momentos mais difíceis da minha pesquisa foi quando eu subi o morro para visitar uma boca de fumo pela primeira vez. Ver os adolescentes vendendo drogas e ver um menino tão novo com uma pistola cromada nas mãos foi muito impactante para mim. 

Eu não consegui conversar com nenhum deles naquele dia. O gerente da boca de fumo percebeu o meu nervosismo e falou que eu poderia voltar outro dia. Até hoje a imagem daquele menino não sai da minha cabeça.

Quais as suas atividades profissionais hoje em dia?

Atualmente eu trabalho como jornalista freelancer e estou morando em Dubai, em função de um intercâmbio para aprimorar o Inglês. 

Mesmo após ter concluído o doutorado em Sociologia Política, continuo com as pesquisas sobre as interseções entre Religião e Política e estou coordenando um dossiê junto com um colega da Academia sobre Evangélicos na Política, que será publicado na revista Numen, no primeiro semestre de 2026.

O que significou para você ter seu livro selecionado por uma editora?

Ter o meu livro selecionado pela editora foi muito especial para mim. Primeiro, pelo reconhecimento, e segundo pela oportunidade que eu tenho de apresentar às pessoas o resultado de uma pesquisa cujo processo não foi fácil. 

É um tema sensível, corri alguns riscos, mas ao mesmo tempo foi muito enriquecedor. Estou feliz por saber que mais pessoas poderão ler o que produzi.

Redação Folha Vitória

Equipe de Jornalismo

Redação Folha Vitória é a assinatura coletiva que representa a equipe de jornalistas, editores e profissionais responsáveis pela produção diária de conteúdo do Folha Vitória. Comprometida com a excelência jornalística, a equipe atua de forma integrada para garantir informações precisas, atualizadas e relevantes, sempre alinhada à missão de informar com ética, democratizar o acesso à informação e fortalecer o diálogo com a comunidade capixaba. O trabalho do grupo reflete o padrão de qualidade da Rede Vitória de Comunicação, consolidando o veículo como referência em jornalismo digital no Espírito Santo.

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