Polícia

"Pagava qualquer preço para evitar a morte dele”, diz juiz acusado de mandar matar Alexandre Martins

O crime aconteceu no dia 24 de março de 2003, quando o magistrado foi surpreendido por dois bandidos ao chegar em uma academia, em Vila Velha

Essa foi a primeira entrevista do juiz aposentado, após 11 anos, para falar sobre o crime Foto: TV Vitória

Os 11 anos de silêncio do juiz Antônio Leopoldo Teixeira, acusado de ser um dos mandantes do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, em março de 2003, foram quebrados. O juiz concedeu uma entrevista exclusiva ao Domingo Espetacular, da Record TV, e falou pela primeira vez sobre as acusações de dois crimes e a condenação em um deles.

“Já fui procurado para falar, mas essa e a primeira entrevista que estou dando nesse sentido”, afirmou Antônio Leopoldo.

O juiz Carlos Eduardo trabalhou na Vara de Execuções Penais com Alexandre Martins Foto: TV Vitória

Tudo começou em 2001, quando o juiz Leopoldo, titular da Vara de Execuções Penais do Estado foi acusado de vender sentenças a criminosos. A denúncia partiu dos juízes Carlos Eduardo Lemos e Alexandre Martins de Castro Filho, que tinham ido trabalhar na Vara para ajudar o magistrado. “Fomos designados como adjuntos, juízes novos e colaboradores dele e nós percebemos algumas ações no mínimo estranhas”, explicou Carlos Eduardo.

Tudo se transformou em uma representação entregue ao Tribunal de Justiça do Estado. “Nessa representação foi tudo confirmado, tanto é que ele recebeu a sanção máxima administrativa, que foi a aposentadoria”, contou Lemos.

Mas o juiz Leopoldo deu a própria versão. “Criamos um regime fechado dentro da penitenciária agrícola, que era do semiaberto. Aí fizeram a denúncia que eu mandei pistoleiro para lá, que era para semiaberto. Levaram isso para o lado legal, o lado positivo, que não podia ir, que eu estava dando progressão do semiaberto para quem não merecia”.

"Se eu soubesse eu tinha evitado a morte do doutor Alexandre. Pagava qualquer preço para evitar a morte dele”, alegou Leopoldo

A explicação não convenceu os desembargadores do Tribunal de Justiça, e ele acabou aposentado compulsoriamente. Leopoldo foi impedido de exercer o cargo de juiz, mas manteve uma pensão de R$ 32 mil. “Eles me aposentaram. Depois o Tribunal me desaposentou e eu recorri para ser aposentado. Eu fui o primeiro no país a enjeitar o foro privilegiado, porque eu não confiava no sistema”, alegou.

Sem foro privilegiado, o juiz foi processado criminalmente pela venda de sentenças e novos indícios apareceram contra ele. Os detentos revelaram que conseguiam as transferências, pois pagavam propina a Antônio Leopoldo. Ele chegou a ser condenado a cinco anos e seis meses de prisão.

Na sentença, um desembargador declarou que sentiu nojo quando viu o magistrado agindo como se fosse um bandido. “Eu não vendi nada, em absoluto. Isso foi tudo fabricado e são conjecturas”, declarou o juiz aposentado. 

Um dos presos que denunciou Leopoldo foi morto na cadeia Foto: TV Vitória

Preso morto

O preso Manoel Correa contou que um amigo dele pagou R$ 20 mil e obteve a determinação judicial de transferência da detenção de Vila Velha para o presídio de Argolas com a intenção de facilitar a fuga. Logo depois de dar essas declarações, Manoel foi transferido da sede da Polícia Federal para a penitenciária de Cachoeiro de Itapemirim. No mesmo dia ele morreu, assassinado brutalmente por outros detentos. “Foi um absurdo dos absurdos. Não existe provas para isso. Nunca vendi uma sentença”, afirmou o juiz acusado.

Após a condenação, Leopoldo recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e conseguiu se livrar da pena. “Ficou escrito, mas ficou apagado. Levaram pela linha da prescrição, mas não foi essa prescrição, foi praticamente uma anulação dessa condenação”, disse.

Assassinato 

Alexandre Martins foi assassiado com três tiros Foto: TV Vitória

Mesmo com a prescrição do crime, o juiz não ficou livre da Justiça. Ele foi acusado de um crime ainda mais grave. O assassinato do juiz Alexandre Martins, um dos juízes que o denunciaram pela venda de sentenças. “Eu não mandei matar e nem cogitei, nunca pensei e nunca tive motivo para isso. Eu também não sabia que ele seria morto. Se eu soubesse eu tinha evitado a morte do doutor Alexandre. Pagava qualquer preço para evitar a morte dele”.

O Ministério Público pensa diferente. Na denúncia apresentada e aceita pela Justiça, Antônio Leopoldo é apontado como o autor intelectual no crime de homicídio contra o juiz Alexandre. O mesmo documento explica que os magistrados Alexandre Martins e Carlos Eduardo passaram a ser ameaçados de morte logo após comunicarem ao Tribunal de Justiça as anomalias existentes na Vara de Execuções Penais.

"Eu como juiz também vejo a injustiça, mas eu tenho que cumprir a lei”, ponderou Lemos

“Primeiramente foram ameaças de toda sorte, com carta, com telefonema, com fax, ameaçando as nossas famílias, ameaçando a nós mesmos”, relatou o juiz Carlos Eduardo.

O crime 

Os dois começaram a andar escoltados, mas não adiantou. No dia 24 de março de 2003 o juiz Alexandre dispensou a segurança e acabou sendo surpreendido por dois bandidos ao chegar em uma academia, em Vila Velha. Ele levou três tiros e não resistiu. Sete pessoas foram presas, os dois atiradores e cinco intermediários acusados de auxiliar na elaboração do crime. Em pouco tempo todos foram julgados e condenados a penas que vão de oito a 25 anos de prisão. Hoje, quase todos já estão soltos. 

“Dos sete, cinco já estão na rua em regime aberto e a gente passa por eles diariamente. Outros dois só estão presos, pois dentro da cadeia eles praticaram outros crimes. Se não fosse isso estariam soltos também. Todos já estariam soltos. Eu como juiz também vejo a injustiça, mas eu tenho que cumprir a lei”, ponderou Lemos. 

Calu foi acusado de ser um dos mandantes, mas foi absolvido Foto: TV Vitória

Mandante 

Em 2005 a polícia chegou a um nome, que seria o mandante da morte de Alexandre Martins. Na época, o então secretário de Segurança Pública divulgou quem seria o principal acusado de ser o mandante do homicídio. O nome citado foi do juiz Leopoldo.

“No dia que o secretário deu a entrevista eu fiquei sabendo que era investigado. Me ligaram da Associação dos Magistrados para eu ir ao Tribunal de Justiça. Eu fui para o Tribunal e coloquei tudo a disposição e o desembargador, que era meu amigo, já virou meu algoz”, disse o juiz acusado.

Depois de prestar depoimento, Antônio Leopoldo foi preso preventivamente e levado para o Quartel da Polícia Militar, em Vitória. Lá ele passou mais de oito meses na cadeia até conseguir um habeas corpus. Além dele, outras duas pessoas foram denunciadas como mandantes do assassinato do juiz. 

São eles: o advogado Cláudio Luiz Andrade Baptista, o Calu, que seria responsável por alguns dos pedidos irregulares de progressão de pena e transferência de presos; e o ex-policial militar Walter Gomes Ferreira, o coronel Ferreira, que havia sido preso pelo juiz Alexandre e acusado de ser o braço armado do crime organizado no Espírito Santo. 

O coronel Ferreira foi condenado pela morte do juiz Foto: TV Vitória

“A visão do Ministério Público ao envolvimento dos mandantes decorre de um esquema que havia sido implantado na Vara de Execuções Penais”, destacou o promotor de Justiça do Estado, Pedro Ivo de Souza.

Mais tarde, também por determinação de Alexandre Martins, o coronel Ferreira foi transferido para uma Penitenciária Federal no Acre. Segundo o MP, ele e o juiz Antônio Leopoldo trabalhavam juntos e tinham uma amizade de longa data. “Eu nuca tive amizade com o coronel Ferreira. Nós tivemos relacionamentos apenas profissional, como outros coronéis foram ao meu gabinete. Agora, não há nenhuma ligação. Ele estava no Acre na época”, alegou.

Julgamento 

Apenas no ano passado o coronel Ferreira e Calu se sentaram no banco dos réus. O ex-policial militar foi condenado a 23 anos de prisão. Ele recorre da sentença em liberdade. Calu foi absolvido de todas as acusações. Falta ainda o julgamento de Antônio Leopoldo. E mesmo depois de 13 anos do assassinato do juiz Alexandre, não é possível prever quando vai acontecer.

A demora no processo do juiz Leopoldo começou logo que ele foi denunciado pelo crime. Nove juízes do Estado se dizem impedidos de julgar a ação contra um colega. O número surpreendeu a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “É comum juízes se declararem impedidos. Não é um fato raro, raro é você ter nove, um em sequência a outro”, explicou Martin de Almeida Sampaio, da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP.

Quando finalmente um juiz aceita o caso, a defesa de Antônio Leopoldo entra com uma avalanche de recursos que demoram anos para serem apreciados. “Existe no código de processos penais os recursos. Eles existem porque o julgador é falível. Eu tenho recurso ainda no STJ e depois, no processo, ainda deve passar pelo recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal”, relatou Leopoldo.

O pai de Alexandre Martins ainda espera por justiça Foto: TV Vitória

Justiça 

Enquanto a espera aumenta, cresce a indignação de quem era próximo do juiz assassinado. “A demora em se fazer justiça é nesse caso a maior injustiça, porque nas duas pontas do crime tem um juiz, um morto e um que mandou matar”, comentou o pai do juiz morto, Alexandre de Castro.

O pai busca justiça para a morte do filho há 13 anos. “O que o Antônio Leopoldo procura é a prescrição desse crime, para depois dizer que não foi condenado. Ele não vai ser condenado, mas também não vai ser absolvido. E ninguém vai tirar da mente de ninguém que ele é culpado”, concluiu.

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