Cláudio Castro defendeu ‘sucesso’ de ação contra o CV e alegou que ‘verdadeiras vítimas’ são os policiais; Defensoria Pública aponta 132 mortos
Foto: EGBERTO RAS/ENQUADRAR/ESTADÃO CONTEÚDO

A operação contra o Comando Vermelho no Rio, que terminou com mais de 100 mortos, de acordo com o governo do Estado, nesta terça-feira, 28, reacende o debate sobre a classificação de facções criminosas como grupos terroristas.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva e parte de especialistas em segurança pública são contrários ao enquadramento por entender que não há propósitos ideológicos. Já a oposição – principalmente o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) – acredita que a classificação vai contribuir para o combate ao crime ao facilitar o bloqueio de dinheiro e a cooperação internacional.

Atualmente, o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (PCC) são considerados organizações criminosas, conforme a Lei 12.850/2013. Isso significa que são vistos como grupos com estrutura hierárquica voltada à prática de crimes. A legislação atual permite interceptações telefônicas, delações premiadas e acordos de cooperação internacional.

Após a megaoperação policial contra integrantes do CV nos complexos do Alemão e da Penha, governadores se pronunciaram sobre a necessidade de enquadramento das facções como grupos terroristas. Tarcísio afirmou que sua equipe “vai mergulhar” no debate.

Na prática, o governador pretende mobilizar aliados para levar a discussão ao Congresso Nacional, onde já existem propostas sobre o tema. “Vamos buscar um grande consenso”, afirmou Tarcísio em entrevista à CNN.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), usou as redes sociais também para classificar os grupos como “facções terroristas”.

Para equiparar as associações criminosas ao crime de terrorismo, seria necessário alterar a Lei nº 13.260/2016, a Lei Antiterrorismo, de 2016.

Na Câmara, o PL 1283/2025, apresentado pelo deputado Danilo Forte (União-CE), é a proposta mais adiantada. Como já foi aprovada urgência em maio, cabe apenas a decisão do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), de colocar o projeto na pauta de sessão. O projeto ainda precisa, portanto, ser votado no plenário.

O texto prevê que “impor domínio ou controle de área territorial” é prática criminosa e deve ser enquadrado na lei antiterrorismo.

O projeto sugere ainda “ampliar as motivações do crime de terrorismo, especificar infraestruturas críticas e serviços de utilidade pública, estender a aplicação da lei a organizações criminosas e a milícias privadas que realizem atos de terrorismo”.

Na justificativa da proposta, Forte citou os ataques criminosos contra provedoras de internet que geraram “apagões” do serviço em regiões controladas pelo CV no Ceará no mês de março.

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PP), inclusive, deve se licenciar do cargo para voltar à Câmara dos Deputados, onde tem mandato, e relatar o projeto de lei que equipara facções criminosas a terroristas. Nikolas Ferreira (PL-MG) havia sido designado relator da proposta, mas ele aceitou ceder lugar a Derrite.

Derrite chegou a Brasília na terça-feira, 28, para tratar da articulação do projeto. Ele repete a tática usada em março, quando também foi exonerado do cargo para relatar o projeto de lei que pôs fim à saída temporária de presos dos presídios. “Um dos motivos de eu estar aqui em Brasília hoje é tratar do projeto de lei que visa classificar organizações criminosas como terroristas. Quem lança granadas nas tropas policiais não tem outra classificação”, afirmou em vídeo gravado para as redes sociais.

Governo federal não vê motivação ideológica nas facções

As últimas manifestações do governo federal apontam direção diferente. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, entende que PCC e CV não possuem inclinação ideológica para serem classificadas como terroristas. “Grupos terroristas são aqueles que causam perturbação social, política, têm uma inclinação ideológica etc, o que não acontece com as organizações criminosas”, explicou o ministro na semana passada.

As declarações foram dadas durante divulgação do projeto Antimáfia, documento do Ministério da Justiça e Segurança Pública que muda alguns entendimentos na legislação sobre organização criminosa e endurece as ações de combate contra facções. O texto foi enviado para avaliação da Casa Civil e ainda terá de passar pelo Congresso.

O pacote é uma tentativa do governo federal de protagonizar o tema da segurança pública após entraves colocados à PEC da Segurança Pública, sistema integrado de ação dos governos federal, estadual e municipal para atacar o crime organizado. O projeto Antimáfia também representa uma alternativa ao projeto em discussão na Câmara.

A ideia de classificar facções como o PCC e o CV como terroristas esteve na pauta de uma reunião entre membros do governo Trump com o Ministério da Justiça e Segurança Pública em maio. O governo Lula rechaçou a sondagem feita pelos norte-americanos, que pediram a categorização de PCC e CV como terroristas.

A comitiva liderada por David Gamble alegara, segundo relatos de pessoas envolvidas ao Estadão, que a legislação americana permitiria sanções mais pesadas contra as duas facções se elas fossem enquadradas de tal modo pelo governo do Brasil.

Os americanos mencionaram que o FBI (a Polícia Federal norte-americana) avaliava que o PCC e o CV estavam presentes em 12 estados americanos, como Nova York, Flórida, Nova Jersey, Massachusetts, Connecticut e Tennessee.

As duas facções têm usado o território americano para lavar dinheiro, por meio de brasileiros que viajam ao país, de acordo com membros da comitiva de Trump. Eles citaram que 113 brasileiros tiveram visto negado pela Embaixada dos Estados Unidos após terem sido identificados como ligados às quadrilhas.

‘Classificação como terrorista é grande bobagem’, diz especialista

O enquadramento das facções como grupos terroristas é uma “grande bobagem”, na visão de Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Não estamos vendo terrorismo. O que o Comando Vermelho e o PCC fazem é por dinheiro. Eles querem ganhar dinheiro. De novo há uma tentativa de enquadrar o problema de uma forma distorcida porque a política não deixa a gente avançar. Por isso, nós vemos essa situação há tanto tempo no Rio de Janeiro”, afirmou à Rádio Eldorado nesta quarta-feira.

Este é mesmo entendimento de Márcio Christino, promotor do Ministério Público de São Paulo e autor do livro Laços de Sangue – A História Secreta do PCC. Para ilustrar sua argumentação, o especialista cita como exemplo de terrorismo o ataque do grupo Hamas contra Israel em outubro de 2023, estopim dos conflitos na Faixa de Gaza.

“Neste ataque não existiu objetivo de lucro, de ganho patrimonial. Foi um ataque político. PCC e CV adotam o formato de cartéis, união de interesses criminosos pautados pelo tráfico”, explica.

O ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente Filho também discorda de uma eventual nova classificação. Em sua visão, a resposta adequada já está prevista no Pacote Antimáfia.

“Cada crime terá uma resposta própria. Não é necessário (enquadramento como terrorista). A prioridade é impor penas que desestimulem a ação criminosa, garantindo que os responsáveis passem o maior tempo possível em cumprimento de pena. Isso já está contido na legislação Antimáfia”, diz o especialista.

Veja perguntas e respostas sobre o tema:

Qual é a diferença entre grupo criminoso e grupo terrorista?

A motivação é a principal diferença entre os dois. De maneira geral, terroristas atuam com fins ideológicos ou políticos, buscando determinado objetivo. Já facções como o PCC visam o lucro, especialmente por meio do tráfico de drogas, armas e crimes financeiros.

O PCC é uma organização criminosa nos termos da Lei 12.850/2013, que aborda grupos com estrutura hierárquica voltada à prática de crimes. Essa lei permite interceptações telefônicas, delações premiadas e acordos de cooperação internacional para combater a facção.

O que define um grupo terrorista?

A Lei Antiterrorismo brasileira (Lei 13.260/2016) define terrorismo como a prática de atos violentos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, motivados por razões de xenofobia, religião, ideologia política ou preconceito.

Por que a designação é importante?

A classificação como grupo terrorista pode ativar bloqueio de recursos financeiros e promover cooperação internacional mais rápida, além de impor penas mais severas aos criminosos.

Existem riscos nesta designação?

Especialistas apontam o risco de banalização do conceito de terrorismo, abuso da nova interpretação contra determinados grupos políticos e movimentos sociais. /

*Colaborou Guilherme Caetano