Defensoria DELAS nas Escolas
Defensoria DELAS nas Escolas

Defensoria Pública

Violência contra a mulher: alunos do ES aprendem a identificar abusos

Projeto "Defensoria DELAS nas Escolas" já visitou dez instituições de ensino e debateu o tema com mais de 4 mil alunos de diferentes idades

Leitura: 7 Minutos
Violência contra a mulher: alunos do ES aprendem a identificar abusos Violência contra a mulher: alunos do ES aprendem a identificar abusos Violência contra a mulher: alunos do ES aprendem a identificar abusos Violência contra a mulher: alunos do ES aprendem a identificar abusos

Em um Estado onde os índices de violência contra a mulher são altos e os casos mostrados nas emissoras de TV e manchetes de jornais chocam a população diariamente, a solução para este problema pode estar na sala de aula.

É isso o que espera o projeto Defensoria DELAS nas Escolas, desenvolvido pela Coordenação de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Estado.

Elaborada em 2024 e iniciada neste ano em parceria com a Secretaria de Educação do Estado (Sedu), a ação leva conhecimentos sobre a violência doméstica e familiar, e até sobre o machismo e patriarcado, às escolas capixabas para promover a educação em direitos, prevista na Lei Maria da Penha.

Até o momento, dez escolas receberam o grupo, com cerca de 4.100 alunos impactados, e mais nove visitas estão agendadas.

Mas a iniciativa não se trata de uma mera palestra sobre o tema. É uma experiência cheia de dinâmicas interativas para que os alunos dos ensinos fundamental, médio e até de Jovens e Adultos (EJA) sintam-se acolhidos e identifiquem os conceitos expostos conforme a própria realidade.

Foto: Reprodução/Agência Canela Verde.
Foto: Reprodução/Agência Canela Verde.

Segundo a defensora pública e coordenadora do projeto, Fernanda Prugner, o diferencial da ação é justamente “trazer dinâmicas para que eles (estudantes) possam interagir, reconhecer as violências, reconhecer nos comportamentos do dia a dia determinadas formas de controle sobre a mulher e principalmente aprendam como romper com esse ciclo”.

Por meio de um quiz, os estudantes são convidados a identificar quais as características dos diferentes tipos de violência contra a mulher. Eles aprendem, por exemplo, que as mulheres não são submetidas apenas às agressões físicas, mas também ao abuso patrimonial, moral, psicológico, sexual, e que tudo isso é crime.

Para Fernanda Prugner, o mais importante é justamente dar nome às condutas e ações violentas.

Para além da repressão, a educação em direitos é fundamental porque só assim vamos conseguir enfrentar realmente a violência contra as mulheres e mexer nas estruturas machistas.

Quatro mulheres estupradas por dia no ES

E mexer nas estruturas se torna cada dia mais urgente. Segundo o Mapa da Segurança Pública de 2025, divulgado pelo Ministério da Justiça, o Espírito Santo registrou, só em 2024, 39 feminicídios. O número de mulheres estupradas é de 1.532, o que significa pelo menos 4 vítimas por dia.

Já segundo dados do painel de monitoramento da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), a soma de todos os casos de violência contra a mulher no ano passado chegou a 23.575.

Olhando para os números e buscando soluções, a defensora pública Laís Pereira Lima explica que é essencial que as turmas que recebem o projeto sejam mistas, e não compostas apenas por meninas, visto que os homens são agentes da equação. 

“A participação dos homens e meninos também traz contribuições e reflexões que são interessantes para a gente observar. A visão é diferente muitas vezes, mas é legal ter essa participação para debater e refletir mesmo”.

Foto: Reprodução/Agência Canela Verde.
Foto: Reprodução/Agência Canela Verde.

Ao longo das dinâmicas, o debate se torna intenso. Muitos estudantes do EJA da Escola Estadual Hildebrando Lucas, em Vitória, reconhecem situações de controle e abuso da vítima, mas outros entendem algumas atitudes como carinho ou cuidado.

Aluna faz relato pessoal emocionante

Ao mesmo tempo, surgem também relatos das próprias experiências. Uma das alunas da turma (anônima) reconheceu a própria história durante a explicação sobre o ciclo da violência. Ela contou que não conseguia sair da relação abusiva por conta do filho pequeno.

“Eu tive bebê muito nova e não tinha para onde ir. Eu sentia que precisava ficar com ele (companheiro e agressor) até meu filho crescer mais um pouquinho. Fui levando assim e fiquei seis anos apanhando até conseguir sair”.

A história da estudante é parecida com a de muitas outras vítimas da violência. A defensora Laís explica que o ciclo começa, normalmente, com violências “sutis” e, por essa e outras razões, a mulher tem dificuldade de romper com o agressor antes da situação chegar à agressão e até ao feminicídio.

A violência é muito complexa, mas deixar a violência é tão complexo quanto. Os motivos podem ser culpabilização da vítima, medo de represálias, dependência financeira, tem a questão dos filhos também…

Além disso, o ciclo tem outras duas fases que são o momento em que o agressor se “arrepende”, colocando a culpa na vítima ou então em um fator externo – “trabalho, preocupação, ou em outras pessoas” –, e a “lua de mel”, em que o homem, prometendo que vai mudar, trata a mulher bem e a faz sentir amada.

Enquanto muitos alunos estavam tendo contato com o ciclo da violência – ou pelo menos com o conceito dele –, pela primeira vez, Ana (nome fictício), de 62 anos, estudante do 1º ano do ensino médio, conta que já viu situações como essa de perto.

Minha irmã sofreu agressão, foi violentada durante 10 anos. Até que ela não aguentou mais e foi à delegacia. Graças a Deus, não aconteceu o pior. Eles se separaram.

Para a aluna, a denúncia é uma medida essencial e ações como a Defensoria DELAS nas Escolas reforçam a importância de proteção às mulheres e combate à violência doméstica e familiar.

“Eu meto a colher, sim!”

“Não tem essa de ‘em briga de marido e mulher ninguém mete a colher’, eu meto sim. Já meti a colher umas duas vezes, na minha rua mesmo. Eu tenho sobrinhos, sobrinhas, uma filha, e (digo que) tem que denunciar sim”.

As técnicas para causar reflexões dos estudantes também envolvem músicas e balões. As defensoras debatem algumas letras de canções que trazem situações violentas e também fazem os alunos reconhecerem as diferenças dos papéis das mulheres e dos homens construídos pela sociedade.

Defensoria DELAS nas Escolas.
Foto: Reprodução/Agência Canela Verde.

Para Alessandra Alves, professora e subgerente de desenvolvimento curricular da EJA, os ensinamentos trazidos de forma lúdica são “de suma importância para o desenvolvimento dos alunos e para mitigar casos de violência”.

Além disso, ela acredita que o debate pode auxiliar no processo de emancipação das mulheres que estão na sala de aula e podem ser vítimas de algum tipo de abuso em casa.

Este também é o pensamento de Tatiana Januário, professora e técnica pedagógica na gerência da EJA. Segundo ela, muitas mulheres acabam não percebendo que sofrem violência e, a partir de uma dinâmica ou jogo de perguntas e respostas, pode se dar conta da situação:

“A ação faz a mulher refletir sobre as relações sociais que ela tem com o marido, o pai, consigo mesma, e identificar se sofre alguma violência. Então é um letramento. E é também para os homens que se percebem machistas, porque o machismo é estrutural e às vezes eles nem percebem”.

Foto: Reprodução/Agência Canela Verde.
Foto: Reprodução/Agência Canela Verde.

No fim do encontro, após reflexões, debates e conceitos, os estudantes preenchem um mural com desejos e reivindicações para o futuro. Muitas pedem mais respeito, liberdade e igualdade para as mulheres, tanto para as que estão presentes na escola e se identificaram com o tema, quanto para as que ainda não conseguem se ver longe das violências.

Julia Camim

Editora de Política

Atuou como repórter de política nos veículos Estadão e A Gazeta. Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa, é formada no 13º Curso de Jornalismo Econômico do Estadão em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.

Atuou como repórter de política nos veículos Estadão e A Gazeta. Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa, é formada no 13º Curso de Jornalismo Econômico do Estadão em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.