Política

'A Justiça no Brasil está sob ameaça', diz organizador de livro sobre Lava Jato

Estudioso Paul Lagunes enxerga no País esforços legislativos para intimidar promotores, restrições à transparência do governo e perseguição à imprensa.

‘A Justiça no Brasil está sob ameaça’, diz organizador de livro sobre Lava Jato ‘A Justiça no Brasil está sob ameaça’, diz organizador de livro sobre Lava Jato ‘A Justiça no Brasil está sob ameaça’, diz organizador de livro sobre Lava Jato ‘A Justiça no Brasil está sob ameaça’, diz organizador de livro sobre Lava Jato
Foto: Reprodução /Youtube
Paul Lagunes: “Há crescente interferência política em instituições policiais”

As melhorias institucionais que a operação Lava Jato legou ao País não devem ser dadas como garantidas, diz Paul Lagunes, professor da Columbia University’s School of International and Public Affairs e um dos organizadores do livro Corruption and the Lava Jato Scandal in Latin America, que será lançado nesta segunda (13). “Há crescente interferência política nas instituições policiais”, disse Lagunes. O estudioso enxerga, no País, esforços legislativos para intimidar promotores, além de novas restrições à transparência do governo e perseguição à imprensa.

O livro, que está sendo traduzido para o português, tem participação de uma das maiores especialistas no mundo em corrupção, Susan Rose Ackerman, e entrevistas com o ex-juiz Sérgio Moro, o procurador Deltan Dallagnol e o jornalista Glenn Greenwald. A correspondente do Estadão nos EUA, Beatriz Bulla, foi uma das entrevistadas. “Em 15 capítulos, estudiosos e profissionais tentam envolver questões críticas em uma perspectiva equilibrada e imparcial”, disse. A seguir os principais trechos da entrevista:

Por que o sr. escolheu a Lava Jato como o tema do livro?

A corrupção não é nova na América Latina ou no mundo, ou seja, não faltam escândalos sobre os quais escrever. No entanto, a Lava Jato se destaca por sua abrangência – e também pela maneira eficaz, e às vezes controversa, pela qual autoridades relevantes responderam às evidências de corrupção. Jan Svejnar, meu coeditor, e eu percebemos que esse evento particular na história era único. Merecia uma análise cuidadosa e sistemática.

Considerando todas as polêmicas que o livro traz, qual o sr. diria ser o legado da operação?

A Lava Jato revelou a corrupção – isto é, casos em que figuras públicas estavam abusando de seu poder para promover seus ganhos pessoais e políticos. Isso é inegável. É um fato que os críticos da operação não podem diminuir ou ignorar. Portanto, podemos e devemos criticar certos aspectos da operação, como quando determinados membros do Judiciário mostraram aparentes preconceitos contra membros do PT e da defesa do presidente Lula. Ainda assim, tenho que insistir: a Lava Jato resultou na prisão de figuras comprovadamente corruptas. E minha esperança é que os políticos, independentemente de seu partido ou posição de poder, agora ajam de maneira diferente, sabendo que a probabilidade de serem pegos, sentenciados e presos por transgressões é maior hoje do que era, digamos, 20 anos atrás.

O “espírito Lava Jato” permanece no governo Bolsonaro?

Jessie Bullock e Matthew Stephenson, ambos da Universidade Harvard, argumentariam que o “espírito Lava Jato” pode ser mantido vivo enquanto a força-tarefa adquirida pela expertise em liderar uma operação complexa e plurianual puder ser salva e replicada no futuro. O “espírito de Lava Jato” também pode ser mantido vivo, eu acrescentaria, se a comunidade pública e internacional continuar exigindo resposta institucional a todas as alegações de corrupção, incluindo as que são dirigidas a pessoas próximas ao presidente.

Qual e o futuro da operação?

Faz seis anos desde o início da saga. As quantias roubadas estão sendo devolvidas à Petrobrás. Membros da elite política e econômica foram levados à Justiça. Portanto, além desse ponto, eu defenderia uma nova estrutura para pensar nos esforços anticorrupção no Brasil e na América Latina. Para ser perfeitamente claro, porém, sou contra a diminuição da intensidade da luta contra a corrupção. Então, o que eu estou defendendo pode ser pensado, metaforicamente, como virar a página e passar para o próximo capítulo, sem deixar o livro de lado.

O que pode ser feito para avançar na luta contra a corrupção?

Punir não é a única maneira de alcançar um controle da corrupção. No entanto, a aplicação da lei tem seu valor e a punição é importante para fazer as pessoas pensarem duas vezes antes de se envolverem em corrupção ou qualquer outra atividade criminosa. De maneira correlata, a celeridade e proporcionalidade das sentenças são tão importantes quanto a certeza da punição para aqueles que se provar culpados. Um dos capítulos do livro sugere que a Lava Jato pode ter aberto as portas para o retorno ao regime militar.

Qual é a relação entre a menor confiança das pessoas nas instituições e o apoio à ditadura?

Em 2016, talvez o auge do escândalo da Lava Jato, dezenas de manifestantes invadiram o Congresso para denunciar a corrupção e pedir o retorno do regime militar. Esses manifestantes provavelmente representavam nada mais do que parte de um pequeno grupo negligenciável de extremistas. Ainda assim, eu não levaria na brincadeira. Continuaria a luta contra a corrupção exatamente como meio de proteger a democracia.

O senhor vê um risco para a democracia no Brasil?

Por causa da Lava Jato, o Brasil é uma fonte de inspiração para muitos de nós que esperamos avançar na luta contra a corrupção. No entanto, ninguém deve dar como certo as melhorias institucionais do País. A Justiça do Brasil está e continua sob ameaça constante. Há crescente interferência política nas instituições policiais. Há também esforços legislativos para intimidar promotores, novas restrições à transparência do governo e aumento da perseguição à imprensa. Tudo isso importa, porque uma democracia saudável exige que as várias partes do sistema de Justiça funcionem corretamente. Portanto, minha resposta é: proteger a Justiça é fundamental para proteger a democracia do Brasil.