
Como há muito tempo não se via, o clima ferveu durante a sessão da Assembleia Legislativa desta segunda-feira (17), com bate-boca, acusações pesadas e até ameaça de processo na Casa por quebra de decoro.
O confronto direto envolveu os deputados Alcântaro Filho (Republicanos) e Iriny Lopes (PT) e o estopim foi a manifestação contrária do senador Fabiano Contarato (PT) à Lei Estadual 12.479/2025, mais conhecida como “Lei Antigênero”, de autoria de Alcântaro.
Num discurso de quatro minutos, Alcântaro criticou a postura do senador e por 11 vezes o chamou de “canalha”.
Indignada, Iriny reagiu, defendeu o correligionário e prometeu denunciar o colega à Corregedoria da Ales, por quebra de decoro parlamentar. A representação deve ser protocolada ainda nessa semana.
A confusão ocorreu já no final da sessão, na tarde de ontem. Alcântaro subiu à tribuna e pediu para que fosse passado um vídeo.
Ele separou um trecho da fala de Contarato durante a sabatina de recondução do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que ocorreu na semana passada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
No vídeo, Contarato critica o fato do procurador ter se posicionado pela constitucionalidade da Lei Antigênero. A norma será julgada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) após entidades entrarem com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF contra a lei.
Entre outras coisas, a lei obriga as instituições de ensino a pedirem a aprovação dos pais para desenvolver qualquer “atividade pedagógica de gênero” – identidade de gênero, orientação sexual, diversidade sexual e igualdade de gênero, entre outros.
Os pais teriam o direito de vedar a participação dos estudantes em aulas envolvendo essa temática. A lei também prevê punição às escolas que não informarem os pais sobre as atividades.
“Lei cruel”
No trecho do vídeo transmitido por Alcântaro na sessão, Contarato cita a lei e faz uma crítica ao parecer de Gonet, afirmando que os professores não poderiam mais falar sobre sexismo, racismo e homofobia em sala de aula.
O professor não vai poder falar sobre identidade de gênero, sobre orientação sexual (…) Não vai poder falar sobre a diversidade sexual, igualdade de gênero entre homens e mulheres (…) O professor não vai poder falar sobre sexismo, sobre racismo, não vai poder falar sobre homofobia. Por quê? Porque o guardião da espinha dorsal do Estado Democrático de Direito diz que essa famigerada lei, cruel, aviltante, que mata, que dói, foi considerada constitucional por aquele que deveria opinar pela sua inconstitucionalidade.
Antes de Contarato terminar a manifestação, Alcântaro pediu para encerrar o vídeo e iniciou seu discurso:
“Fabiano Contarato como senador é o maior canalha da história do Espírito Santo. Canalha, canalha! Canalha porque tem conhecimento jurídico para inverter a verdade dos fatos, para vilipendiar o direito dos pais brasileiros e distorcer um dos poucos acertos do Gonet em seu ofício de procurador-geral da República”. E continuou:
Com a cara deslavada, que enganou a população capixaba e me enganou também, esse canalha, mentiroso, dissimulado do Fabiano Contarato diz que a nossa lei proíbe os professores de falar qualquer coisa em sala de aula. E aí vai uma verdade à população brasileira e um recado ao canalha do senador Contarato: a lei não proíbe e ele sabe muito bem disso, a lei tão somente garante o direito dos pais na formação moral de seus filhos.
Em outro momento do discurso, Alcântaro volta a atacar o senador: “A formação moral e religiosa dos filhos compete aos pais e não a canalhas como Contarato que quer utilizar da sua opção sexual para vilipendiar o direito dos pais (…) Quer tirar o direito dos pais para enfiar um monte de merda, de porcaria, na cabeça das crianças, assim como defende esse canalha”.
O deputado disse ainda que Contarato “traiu” seus eleitores ao se filiar ao PT, que chamou de “maior organização criminosa na história política do País”.
“É preciso ter respeito”
Assim que Alcântaro deixou a tribuna, Iriny imediatamente pediu a palavra e disse que o discurso do republicano configurava quebra de decoro parlamentar.
“As críticas e a imunidade parlamentar estão restritas às ideias. Chamar qualquer pessoa de canalha é quebra de decoro parlamentar. Aqui se discute as ideias, se é contra ou a favor, mas insulto é quebra de decoro, deputado Alcântaro. O senhor discorde do meu senador o tanto que quiser, mas a palavra ‘canalha’ qualifica a sua fala como quebra de decoro”, disse a deputada.
Iriny prosseguiu afirmando que iria denunciar o deputado. “Vou entrar com ação, sim. Vou levar à Comissão de Ética da Casa, porque não é assim que a gente constrói o debate, mesmo o debate antagônico. É preciso ter respeito pessoal”.
Ela também sinalizou que as falas sobre o PT também entrariam na representação. “Ele (Contarato) se filiou ao PT, como poderia ter filiado a qualquer outro partido. O senhor está querendo demonizar o PT por quê? Isso também fere o decoro parlamentar”.
Da sessão para as redes

A deputada Camila Valadão (Psol), que estava presente na sessão e acompanhou todo o episódio, prestou solidariedade a Contarato.
Num discurso também com a temperatura lá em cima, ela disse que “canalhas” seriam os que tentaram dar um golpe no dia 8 de janeiro, que ficaram nas portas dos quartéis e os que vão para a porta das escolas perseguir professores.
“Canalhas são os que tentam se utilizar da imunidade parlamentar para atacar direitos, violar direitos contra as minorias”, afirmou Camila.
Depois, nas redes sociais, os três deputados postaram recortes do vídeo da sessão. Alcântaro voltou a chamar Contarato de canalha, Camila defendeu uma escola sem mordaça e Iriny disse que o Legislativo precisa recuperar o respeito.
Procurado, o senador Fabiano Contarato informou, por meio de sua assessoria, que não iria se manifestar.
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