Alcântaro Filho durante sessão na Ales (foto: Paula Ferreira /Ales)
Alcântaro Filho durante sessão na Ales (foto: Paula Ferreira /Ales)

O deputado estadual Alcântaro Filho (Republicanos), autor da lei capixaba 12.479/2025, mais conhecida como “Lei Antigênero”, reagiu ao voto da ministra do STF Cármen Lúcia, relatora da ação que julga a constitucionalidade da lei.

Na manhã desta sexta-feira (21), a ministra disponibilizou seu parecer na sessão virtual do STF. Ela votou pela anulação da lei, conforme noticiado pela coluna De Olho no Poder. Os demais ministros têm até o próximo dia 1º para votar, acompanhando ou não a relatora.

Em nota, após ser questionado pela coluna, Alcântaro rebateu os argumentos da ministra e disse que ela se fundamentou em exemplos “incompatíveis”, além de desconsiderar, segundo ele, o ponto central da lei.

“O voto da ministra Cármen Lúcia, contra a nossa lei, buscou se fundamentar em exemplos incompatíveis, de municípios como Foz do Iguaçu (PR), Uberlândia (MG) e Blumenau (SC), onde houve a tentativa de proibição total de conteúdos de gênero nas escolas, o que, nesses casos, realmente afrontou a LDB”.

No voto, a relatora frisou a incompetência de municípios e estados ao legislarem sobre matéria referente a diretrizes e bases da educação nacional – que é pauta privativa da União.

Como exemplo, citou arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) – ações para questionar a constitucionalidade de leis ou atos públicos – julgadas na Corte.

Uma das citadas, é a ADPF 526, que julgou uma lei de Foz do Iguaçu (PR) que proibia a aplicação de “ideologia de gênero”, do termo “gênero” ou “orientação sexual” nas instituições da rede municipal de ensino.

Já a ADPF 1165, julgou lei de Uberlândia (MG), que proibia o uso de novas formas de flexão de gênero e número das palavras da língua portuguesa (linguagem neutra) em contrariedade às regras gramaticais consolidadas pelas instituições de ensino e bancas examinadoras de seleções e concursos públicos do município.

A ministra também citou a ADPF 462, que julgou lei de Blumenau (SC), que proibia o uso das expressões “ideologia de gênero”, “identidade de gênero” e “orientação de gênero” em documentos complementares ao plano municipal de educação e nas diretrizes curriculares.

Todas as leis foram consideradas inconstitucionais pela Suprema Corte. Alcântaro defendeu, porém, que a lei de sua autoria é diferente:

“A lei que idealizei e hoje vigora no Espírito Santo, porém, é completamente diferente: não proíbe nada, não censura conteúdos e não interfere no currículo. Apenas garante o direito dos pais de autorizarem a participação de seus filhos em atividades pedagógicas específicas. Esse ponto central foi desconsiderado no voto da ministra. A legislação capixaba é única justamente por não impor proibições, mas por respeitar a escola e a família, em plena consonância com o Pacto de San José da Costa Rica (art. 12, IV), que protege o direito humano dos pais sobre a formação moral e religiosa dos filhos.”

O que diz o Pacto

O Pacto de San José da Costa Rica – também conhecido como Convenção Americana dos Direitos Humanos – foi celebrado em 1969 e o Brasil se tornou signatário em 1992.

O artigo 12, inciso IV do Pacto diz: “Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.

Ao assinar o pacto, o Brasil se compromete a seguir suas normas, que equivalem a leis. Porém, há uma hierarquia.

O pacto, assim como outros tratados internacionais que versam sobre direitos humanos, possui status de norma supralegal no ordenamento jurídico brasileiro. Isso significa que ele está acima de toda a legislação ordinária, mas abaixo da Constituição.

O voto

A ministra do STF Cármen Lúcia. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em seu voto, ao citar a lei capixaba, a ministra fez referência justamente à Constituição. Ela disse que o deputado “ultrapassou as balizas constitucionais” e que criou uma norma em “descompasso” com o que prevê o plano nacional de educação.

“O legislador estadual, ao assegurar aos pais e responsáveis o direito de vedar a participação de seus filhos ou de seus dependentes em atividades pedagógicas de gênero e determinar que a instituição de ensino informe sobre quaisquer atividades pedagógicas de gênero e garanta o cumprimento da vontade dos pais ou responsáveis, ultrapassou as balizas constitucionais, pelas quais lhe é autorizada tão somente a complementação normativa para atendimento de peculiaridades locais, e criou norma específica em descompasso com a norma nacional”, diz trecho do voto da ministra.

Em outro trecho, Cármen diz que a norma fere os princípios de igualdade, dignidade da pessoa humana e liberdade de expressão, conferidos pela Constituição:

“Ademais, a norma impugnada desatende a garantia da igualdade (caput do art. 5º da Constituição da República); o objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária (inc. I do art. 3º da Constituição); a dignidade da pessoa humana (inc. III do art. 1º da Constituição); a liberdade de expressão, manifestada pela proibição da censura (inc. IX do art. 5º da Constituição); a promoção do ‘bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’ (inc. IV do art. 3º da Constituição)”.

O deputado concluiu a nota afirmando que segue confiante:

“Portanto, sigo confiante de que, no julgamento final, prevaleçam a Constituição e o direito humano das famílias. Meu compromisso é defender esse direito até o fim e lutar por escolas sem doutrinação”.

“Milagre”

Em discurso na Assembleia na última segunda-feira (17), Alcântaro disse que considerou um “milagre” o procurador-geral da República, Paulo Gonet, ter dado parecer pela constitucionalidade da lei. Ele disse ainda que foi um dos “poucos acertos de Gonet no ofício de procurador-geral da República”.

Em continuidade à fala, Alcântaro disse que acreditava num segundo milagre, que seria o julgamento favorável da Lei Antigênero no Supremo Tribunal Federal.

Foi nesse mesmo discurso que o deputado chamou o senador Fabiano Contarato de “canalha”, por 11 vezes, e também disse que o PT era uma organização criminosa.

A deputada estadual Iriny Lopes (PT), que estava em plenário e acompanhou o discurso, reagiu e prometeu entrar com uma representação por quebra de decoro contra Alcântaro, na Corregedoria da Ales.

LEIA TAMBÉM:

Cármen Lúcia vota para anular Lei Antigênero do ES: “Descompasso e censura”

Alcântaro chama Contarato de “canalha” 11 vezes e Iriny promete processo

Fabiana Tostes

Jornalista graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e acompanha os bastidores da política capixaba desde 2011.

Jornalista graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e acompanha os bastidores da política capixaba desde 2011.