TRF-4

Bolsonaro é condenado a pagar R$ 1 milhão por falas racistas

Ex-presidente comparou, em 2021, o cabelo black power de um apoiador negro a um “criatório de baratas” e sugeriu que ele teria “piolhos”

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Jair Bolsonaro
Foto: Ton Molina/STF

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado nesta terça-feira (16) a pagar uma indenização de R$ 1 milhão por declarações racistas. O dinheiro será destinado a um fundo público. Bolsonaro também terá que se retratar publicamente na imprensa e nas redes sociais.

A 3.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, considerou que houve dano moral coletivo, ou seja, ofensa a valores e interesses fundamentais de toda a sociedade. A decisão foi unânime.

Em 2021, quando era presidente, Bolsonaro comparou o cabelo black power de um apoiador negro a um “criatório de baratas” e sugeriu que ele teria “piolhos”.

As declarações foram feitas nos arredores do Palácio da Alvorada. Depois, em uma transmissão ao vivo, o ex-presidente fez outras ofensas semelhantes.

Bolsonaro disse frases como: “Olha o criador de baratas”, “Como está essa criação de baratas?”, “Você não pode tomar invermectina, vai matar todos os seus piolhos”, “Tô vendo uma barata aqui”, “O que que você cria nessa cabeleira aí?”, “Você cria baratas aí mesmo?”, “Você toma banho quantas vezes por mês?”.

Os desembargadores consideraram as falas estigmatizantes e rejeitaram o argumento da defesa de que as declarações não passaram de uma “brincadeira”.

O valor da indenização foi aumentado porque, na época em que deu as declarações, Bolsonaro ocupava o cargo mais alto do Executivo.

O ex-presidente havia sido absolvido na primeira instância. Ele ainda pode recorrer para tentar reverter a decisão do TRF-4.

A União também foi condenada e terá que pagar R$ 1 milhão. A Advocacia-Geral da União (AGU) pode dar entrada em um processo contra Bolsonaro para tentar o ressarcimento.

A condenação é na esfera cível. Na semana passada, o ex-presidente foi condenado na esfera penal, por trama um golpe. Ele ainda vai enfrentar um julgamento na Justiça Militar e pode perder a patente.

“Discriminação disfarçada de brincadeira”

O desembargador Rogerio Favreto, relator do processo, considerou que as declarações tiveram “teor ofensivo e discriminatório à população negra em geral”, disfarçado “sob o falso argumento de brincadeira”.

“A ofensa racial disfarçada de manifestação jocosa ou de simples brincadeira, que relaciona o cabelo black power a insetos que causam repulsa e à sujeira atinge a honra e a dignidade das pessoas negras e potencializa o estigma de inferioridade dessa população”, argumentou o magistrado.

“Trata-se de um comportamento que tem origem no período da escravidão, perpetuando um processo de desumanização das pessoas escravizadas, posto em prática para justificar a coisificação de seres humanos e sua comercialização como mercadoria”, seguiu o relator.

Para Favreto, as frases ultrapassaram a liberdade de expressão e contribuíram para a “reprodução da ideia de supremacia branca e perpetuação do preconceito”.

“Registre-se que as manifestações eram complementadas com riso de desprezo, configurando, além da discriminação direta e grave, o racismo recreativo pela conotação jocosa e disfarçada da brincadeira.”

“Mau gosto”

A advogada Karina Kufa, que representa o ex-presidente, argumentou antes do julgamento que o próprio alvo dos comentários negou ter se sentido ofendido. Na ocasião, o apoiador disse que não se incomodava com a piada por não ser um “negro vitimista”.

“Ele tem uma relação de proximidade com o réu. Em decorrência disso que faziam brincadeiras, mesmo que de mau gosto”, disse a advogada na sustentação oral.

Karina alegou também que as declarações podem ser taxas como “inadequadas, infelizes e deseducadas”, mas segundo ela não foram capazes de ofender outras pessoas.

“A situação posta nos autos não teve a dimensão e a gravidade que os autores afirmam, mesmo que constituam comentário infeliz e sem graça para a maioria das pessoas. Do contexto dos vídeos é possível inferir a intenção de um gracejo, ainda que rude, mas não se consegue extrair das colocações nem a intenção nem a efetiva configuração de uma ofensa de tal magnitude”, afirmou o advogada.

“Racismo recreativo”

O processo é movido em conjunto pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Defensoria Pública da União.

A procuradora da República Carmem Hessel falou em nome do MPF. Ela defendeu que Bolsonaro reforçou “ideias preconceituosas e estigmatizantes” e que, como ocupava a presidência, o discurso “contribuiu para o aumento do preconceito ao reforçar estereótipos negativos”.

Carmem disse que o comportamento do ex-presidente se enquadra no chamado racismo recreativo – uso do humor para encobrir a hostilidade racial e promover a reprodução de relações assimétricas de poder entre grupos raciais.

“Ao ver do MPF, o então presidente não proferiu apenas piadas infelizes ou deselegantes, mas incorreu efetivamente na prática de atos de discriminação racial”, defendeu a procuradora.

*As informações são do Blog do Fausto Macedo, do jornal O Estado de S. Paulo.