Entrevista - Parte II

“Brasil precisa superar o populismo, seja ele de direita ou de esquerda”, defende Hartung

Ex-governador diz que o País tem potencial para "voar" e que as eleições do ano que vem podem abrir espaço para novas lideranças nacionais

Paulo Hartung (foto: Ascom/PH)
Paulo Hartung (foto: Ascom/PH)

Desde que encerrou seu terceiro mandato à frente do Palácio Anchieta, em 2018, o ex-governador Paulo Hartung se afastou da política regional e passou a atuar na iniciativa privada. Ele é diretor-presidente da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) – cargo que continuará exercendo mesmo após se filiar ao PSD, o que está previsto para a tarde desta segunda-feira (26).

Mas, se as questões capixabas ficaram um pouco de lado – ao menos publicamente –, o debate nacional nunca saiu do radar de Hartung. Pelo contrário. Ele passou a se empenhar ainda mais, escrevendo artigos, se posicionando, participando de uma roda seleta de políticos e economistas que se propõe a apresentar ideias e soluções para temas caros ao País.

É para ganhar ainda mais musculatura nesse debate que Hartung está se filiando – segundo justificou em entrevista concedida à coluna e publicada mais cedo. O ex-governador pretende ser uma voz influente no cenário nacional.

Como parte dessa estratégia, Hartung lançará, nos próximos meses, o livro “Política em tempos de grandes mudanças”, que reunirá 36 artigos que publicou no último ano e meio e outros dois inéditos – um deles apresentando uma agenda para o Brasil.

Aliás, Hartung se mostra otimista com relação ao cenário nacional, embora faça críticas ao governo Lula. Ele defende que o País tem potencial para “voar” e que a “Avenida Brasil” está se abrindo para as eleições presidenciais do ano que vem.

Ou seja, para Hartung, há espaço para outras lideranças competirem, sem ser as que polarizaram as duas últimas eleições (Lula e Bolsonaro). Hartung também faz uma crítica ferrenha ao populismo, de direita e de esquerda, e diz que o País precisa superar esse tipo de política.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista sobre a política nacional:

Espaço para novas lideranças políticas

“Em 2017 me perguntaram e eu disse que a ‘Avenida Brasil’ estava meio fechada, na eleição presidencial. Chegou 2022, ela abriu um pouco, depois Lula readquiriu os direitos políticos, ela fechou ali naquele processo, já tinha um efeito pandemia no processo eleitoral.

Hoje, como vejo o processo? Eu li uma pesquisa grande sobre o Brasil na semana passada. Hoje, a ‘Avenida Brasil’ está abrindo. Hoje você tem um conjunto de líderes que querem ser presidente da República no Brasil e uma ‘Avenida Brasil’ que está se abrindo. Você me pergunta: ‘Quanto está abrindo?’, eu não sei, o tempo é que vai mostrar qual a dimensão disso. Ou seja, está abrindo espaço para entrante, fora do status quo de Fla x Flu”.

Polarização e mudança na forma de fazer campanha

“Sobre polarização, não é toda polarização que é ruim. Há polarização para debater um tema, por exemplo se leva uma política de saúde numa direção ou em outra, se a gente coloca mais dinheiro na atenção hospitalar ou na atenção primária… Você tem um debate acalorado. Ter polarização não é problema.

Agora, essa polarização que vem com a radicalização, com fake news, com mentirada e assim por diante, ela é ruim. Mas não é um fenômeno do Brasil. Está presente nos Estados Unidos, está presente na Alemanha, na Itália… Depois das redes sociais, com esse peso que as redes sociais têm, você não vai ter esse tipo de polarização radicalizada? Vai ter!

Mas aí vale o raciocínio da ‘Avenida Brasil’, ela está abrindo para outros entrantes, para outras pessoas pleitearem a Presidência da República.

Mas, não se disputa mais eleições como há 20 anos. A página virou, é outro mundo. Tem um monte de gente que se elege sem pisar na rua. Antigamente você tinha que andar, subir o morro, conversar com as pessoas. O cara pegava no seu braço e dizia: ‘Você tem que entrar na minha casa’. E você tinha que entrar na casa.

Hoje você tem parlamentares no Congresso Nacional que não colocaram o pé fora de casa, é toda uma campanha feita virtualmente. Você tem um outro mundo.”

Os “entrantes” da “Avenida Brasil”

“O partido que eu estou entrando já tem dois pré-candidatos a presidente: tem o Ratinho, que é um ótimo governador e está governando o Paraná já pelo segundo mandato, e tem o Eduardo Leite também, ótimo governador pelo Rio Grande do Sul, no segundo mandato. Duas pessoas testadas e que entram para o debate nacional.

Além disso, figuras que eu tenho grande relação como Tarcísio, o Caiado, o Zema, a Raquel de Pernambuco, o Eduardo prefeito do Rio de Janeiro… Você tem um conjunto de líderes importantes dentro e fora do partido, muito qualificado para criar no Brasil um outro ciclo político, que dê um passo à frente”.

Hartung, Eduardo Leite e Luciano Huck (foto: Instagram)

Federações e fusões partidárias

“Desde lá de trás, defendo que a gente organize o quadro partidário brasileiro. Uma das coisas institucionais que a gente precisa fazer é ter um quadro partidário menos gelatinoso. Nós precisamos ter poucos partidos e partidos programáticos.

Não tem problema que dentro dos partidos tenha muitos grupos. Eu defendo isso. Então, todo movimento que está tendo no País de fusões, incorporações, aquisições, é bom. Se a gente tiver um país com cinco partidos fortes, com liderança, com disciplina partidária…

O presidente da República não deveria ter que conversar com 100, 200 parlamentares. Ele deveria conversar com os líderes dos partidos, ver como negocia com o partido a tramitação de um projeto e assim por diante.

Então, isso ajuda o ato de governar um país. Eu sou muito a favor e essa filiação é uma pequena contribuição nesse processo. É nessa direção que a gente tem que andar”.

Avaliação do governo Lula e perspectivas para o Brasil

“(O governo Lula) Não está indo bem. O que me preocupa não é nem a questão conjuntural, mas sim estrutural do Brasil. Nesse momento, talvez, seja o momento do maior conjunto de oportunidades para o Brasil.

O mundo está mudando rapidamente. A economia do mundo tende a mudar porque é preciso olhar a questão do clima, precisa descarbonizar a estrutura produtiva. Para descarbonizar precisa mexer na matriz energética do mundo.

O Brasil pode muito mais do que ser só provedor de energia limpa, pode ser provedor de bens e serviços oriundos de energia limpa. Você está vendo o secretário de Estado americano de olho na energia de Itaipu, que é energia limpa.

Então, volto a dizer, eu me preocupo menos com a questão conjuntural – ela é ruim, você vê atos populistas, eleitoreiros sendo tomados, coisa que vai ter consequência lá na frente porque essa conta todos nós que pagamos –, mas me preocupa muito mais o estrutural, que é esse campo de oportunidades que nós temos. Lembro do velho Roberto Campos que uma vez escreveu assim: ‘O Brasil não perde uma oportunidade de perder oportunidades’.

O Brasil é um país fácil de decolar. País grande, com muitos recursos naturais. O País tem um potencial enorme.

Mas eu não estou falando nada que o povo brasileiro já não esteja falando. Você pega uma pesquisa e vê o tamanho da rejeição do atual governo. Nunca me predispus a ensinar padre a rezar missa, porque eu não tenho bagagem para isso, então eu não vou pegar na mão e dizer o que as pessoas têm que fazer, mas está claro que está se perdendo uma grande oportunidade nesse ciclo político que estamos vivendo atualmente. É uma pena, eu fico sentido porque é o nosso País.

Quando a gente está fazendo a coisa certa, ela dá resultado. Quando FHC mexeu na lei do petróleo, olha o tamanho da conta hoje de petróleo favorável ao Brasil. Nós somos exportadores de petróleo, poucos brasileiros sabem disso.

Quando, na década de 70, mexeu na estrutura da produção de alimentos do País, nós éramos importadores. Hoje nós alimentamos, aproximadamente, 10% da população planetária e podendo crescer. Quando faz a coisa certa, a gente colhe.

Por que a Embraer deu certo? Nós estamos vendendo avião para o mundo. Por que a Weg Motores, que eu trouxe para Linhares, é hoje uma multinacional brasileira? Porque deu certo.

Esse setor que estou presidindo (Ibá) é um sucesso. Está com a carteira de investimentos em mais de R$ 100 bilhões para os próximos três anos. Está entregando uma fábrica nova no Brasil a cada um ano e meio. Somos o maior produtor de celulose.

Então, assim, temos exemplos a seguir. O que precisamos é liderar nessa direção. Eu sempre digo, se o Brasil, nos próximos anos, tiver um governo de razoável para bom, o Brasil voa. Por isso que eu não sou pessimista com o Brasil. Você vê quanto desaforo o País aguenta, aí olha o PIB e está crescendo, o mercado de trabalho está funcionando, é o potencial do País.”

O caminho fácil e o caminho correto

“Eu vou lançar um livro nos próximos meses, nele organizo alguns artigos que eu já fiz e coisas novas, e um dos capítulos estou tratando disso: quanta coisa bacana nós endereçamos nos últimos anos e estão produzindo resultados. Em que governo? Em vários governos.

No governo do FHC, do Lula-1, do Temer, do Bolsonaro. Você pega o marco regulatório de saneamento e a independência do Banco Central foram no governo Bolsonaro. Isso mostra que quando a gente acerta a mão, o trem anda.

Então, precisa, entre o fácil que o Brasil agarra todo dia – o fácil da demagogia, desse populismo rudimentar que nós temos –, entre o fácil e o certo, nós deveríamos tomar o caminho certo. Um governo mediano para bom nos colocaria no caminho certo e o País voaria.”

Direita, esquerda, populismo e voo de galinha

“A primeira coisa que eu gostaria de ressaltar é que eu acho que esses conceitos, que rotulavam a política no mundo, perderam a eficácia. O mundo mudou tanto e está mudando tanto e tão velozmente que esses carimbos – esquerda, direita, centro – não sei se são nominações adequadas para esse tempo que a gente está vivendo. Quando se trata do populismo, vê de direita e de esquerda rodando.

Eu sou contra o populismo, acho que o populismo faz mal para o brasileiro e para o americano, o populismo do Trump, por exemplo. Acho que a gente precisa superar no Brasil o populismo, seja ele de direita ou de esquerda. O que o populismo é bom para fazer? Voo de galinha. E depois fica a conta pra gente pagar. E nós já pagamos a conta tantas vezes. Lembra de 2015/2016, o buraco que nos metemos?

Voo de galinha não resolve, precisa arranjar um voo que seja sustentável, que tenha durabilidade. Isso que traz progresso para as nações, que diferenciam as que fracassam das que fazem sucesso. Nós precisamos fazer sucesso.

Então, eu não sei se esses rótulos contemplam mais essa diversidade. Você pega alguém que quer levar dinheiro privado para saneamento. Esse cara é de esquerda, de direita, de centro? Mudou muito o conceito.

Acho que parece que está abrindo um caminho para a possibilidade de ter uma força política no Brasil que não seja populista, nem de direita e nem de esquerda. Qual o tamanho do caminho? Não sei, não tenho bola de cristal.

Acho que um movimento contra o populismo, venha ele de onde vier, é um movimento que faz bem para o Brasil e para o mundo. Mas é o ciclo da política, as coisas vão e voltam, você tem que estar preparado e se você é democrata, aprende a conviver com isso”.

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Fabiana Tostes

Jornalista graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e acompanha os bastidores da política capixaba desde 2011.

Jornalista graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e acompanha os bastidores da política capixaba desde 2011.