Caso Gilvan

Câmara de Vitória poderia ter evitado que o ES tivesse um deputado suspenso?

Antes de ser deputado federal, Gilvan foi vereador e acumulou denúncias na Corregedoria da Casa pelo mesmo comportamento que teve na Câmara Federal

Gilvan da Federal (foto: divulgação)
Gilvan da Federal (foto: divulgação)

Infelizmente – e de forma bastante vexatória – coube ao Espírito Santo “inaugurar” um novo dispositivo da Câmara dos Deputados criado para acelerar a punição a parlamentares por quebra de decoro. É daqui do Estado o primeiro deputado a ter o mandato suspenso, de forma cautelar, a pedido da Mesa Diretora.

Por 15 votos a 4, numa sessão longa e acalorada no Conselho de Ética da Casa na terça-feira (06), Gilvan da Federal (PL-ES) teve o seu mandato parlamentar suspenso por três meses, por quebra de decoro. E ainda foi aberto um processo que pode culminar com a cassação do seu mandato.

Não se tem certeza se a representação foi motivada apenas pelo ato gravíssimo de se referir a uma deputada licenciada e ministra como “prostituta do caramba” ou se pesou o conjunto da obra, já que Gilvan já se envolveu em diversas confusões, principalmente com mulheres de esquerda, mas não só com elas.

Gilvan já bateu boca com o ex-vice-presidente da República Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e já chegou a desafiar para uma briga o senador capixaba Marcos do Val (Podemos).

A princípio, a representação da Mesa Diretora – assinada pelo presidente Hugo Motta (Republicanos-PB); pelo 2º vice-presidente, Elmar Nascimento (União-BA); pelo 1º secretário, Carlos Veras (PT-PE); pelo 2º secretário, Lula da Fonte (PP-PE); e pela 3ª secretária, Delegada Katarina (PSD-SE) – pedia seis meses de suspensão.

Mas, durante uma articulação que avançou pela madrugada de terça, o relator, deputado Ricardo Maia (MDB-BA), reduziu a suspensão para três meses – o que ameniza para o lado de Gilvan, mas frustra os planos dos suplentes e acaba também prejudicando ainda mais o Estado.

O Espírito Santo tem apenas 10 deputados federais, que recebem um salário de R$ 46.366,19 para lutar pelos interesses dos capixabas numa arena com mais de 500 parlamentares, cada um brigando pelo seu reduto.

Se o afastamento de Gilvan fosse superior a 120 dias, a Câmara seria obrigada a convocar um suplente. Mas como é inferior, o Estado vai ficar três meses com um deputado a menos, o que pode impactar, por exemplo, na votação de matérias importantes para o Estado.

Mas talvez o mais grave nem seja a suspensão em si, e sim o desgaste à imagem do Estado. Um prejuízo que talvez pudesse ter sido evitado se, lá atrás, entre os anos de 2021 e 2022, a Câmara de Vitória tivesse agido com mais rigor.

Doze processos arquivados

A postura truculenta e o comportamento agressivo de Gilvan na Câmara Federal podem ter chocado quem é de fora. Mas, para quem acompanha a política capixaba já há algum tempo, sabe que ele apenas reproduziu – em escala maior, é claro – o que ele já fazia aqui, na Capital.

Antes de ser eleito deputado federal com 87.994 votos – sendo o segundo deputado mais votado, atrás apenas de Helder Salomão (PT) com 120.337 votos – Gilvan era vereador de Vitória. Foi eleito pelo Patriota com 1.560 votos, em 2020, numa eleição atípica, em meio à pandemia de Covid-19.

Durante os quase dois anos que ele permaneceu na Câmara de Vitória, Gilvan foi alvo de 12 processos na Corregedoria da Casa, segundo dados da assessoria da Câmara Municipal. Desses, apenas dois foram protocolados por outros parlamentares, no caso as vereadoras Karla Coser (PT) e Camila Valadão (Psol) – hoje deputada estadual.

Os demais foram movidos por partidos, sindicatos, cidadãos comuns e até pela Arquidiocese de Vitória – a quem Gilvan acusou de doutrinação LGBT, após a Igreja Católica ter publicado o “Manifesto em defesa da educação com fraternidade” durante a Campanha da Fraternidade de 2021.

Gilvan fez uma cruzada contra professores, chegando a entrar numa escola pública estadual para tirar satisfação com uma professora de inglês sobre um trabalho escolar aplicado a adolescentes – o que motivou protesto de alunos, pais e professores e ações da Secretaria de Estado da Educação (Sedu).

Gilvan atacou e desqualificou jornalistas, afirmando que deveriam voltar para a faculdade. Chegou a rasgar reportagens na tribuna da Câmara e a expor, no painel eletrônico, redes sociais de profissionais de imprensa, o que, em tempos de polarização, intimida e fomenta ataques virtuais. Por isso, foi alvo de denúncia do Sindicato dos Jornalistas.

Ele também foi alvo de uma denúncia de racismo religioso, quando após uma sessão solene em homenagem ao Dia da Consciência Negra, que fez referência a religiões de matriz africana, levou bucha e sabão para lavar a Câmara afirmando que tinham feito “macumba” e que era preciso “tirar essa coisa ruim” do Parlamento.

Esses são apenas alguns episódios protagonizados por Gilvan no plenário da Câmara de Vitória.

Nas sessões, os embates mais agressivos foram contra Camila Valadão. Gilvan chegou a mandar a então vereadora “calar a boca”, a chamou de “satanista e assassina de bebês”, além de criticar a roupa da parlamentar durante uma sessão. Esse caso também foi denunciado na Justiça e Gilvan foi condenado, em 1ª instância, por violência política de gênero.

Mas, na Câmara de Vitória, a denúncia que Camila fez contra Gilvan foi arquivada, como todas as demais. É certo que algumas perderam o objeto após Gilvan ter o mandato de vereador cassado por infidelidade partidária, em 2022.

Mas, para além dos motivos alegados para os arquivamentos, durante todo o seu mandato, o vereador não recebeu sequer uma advertência formal. Nunca lhe foi cortado o microfone diante das palavras, muitas vezes ofensivas e de baixo calão, usadas durante a sessão. Nunca foi chamado a atenção, publicamente, pelos seus excessos.

Não se trata aqui de culpar a Câmara de Vitória pelo comportamento do parlamentar. Gilvan já iniciou seu mandato de vereador com rompantes de raiva e com discursos num tom muito acima do tolerável para uma convivência pacífica e democrática num parlamento.

Mas, será que se à época, o presidente da Câmara de Vitória, Davi Esmael (Republicanos), ao menos cogitasse tomar a mesma atitude que o presidente da Câmara dos Deputados tomou, o Espírito Santo estaria agora com um deputado a menos?

Será que se os membros da Corregedoria tivessem dado um outro desfecho aos processos que passaram pelo colegiado, o Espírito Santo hoje ostentaria o título de ter o primeiro deputado federal suspenso por quebra de decoro a pedido da Mesa Diretora?

Se Gilvan tivesse sido punido na Câmara de Vitória teria repetido a mesma postura a ponto de agora ser punido como deputado federal?

É legítimo questionar até que ponto a postura da Câmara de Vitória no passado não contribuiu para que hoje Gilvan se sentisse à vontade para reproduzir em Brasília e em escala nacional o que fez na Capital.

E não é somente questionar. O ato inédito que ocorreu na Câmara dos Deputados precisa servir de reflexão e de lição: o caso Gilvan escancara a urgência de uma atuação mais rigorosa e firme das instituições legislativas, em todas as esferas.

Como o próprio Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, disse a Gilvan ao justificar sua assinatura na representação, cabe a ele – o presidente – não permitir que o nome da instituição vá para a lama.

A suspensão do mandato pela Câmara dos Deputados pode ser um marco, mas também é um alerta: quando atitudes incompatíveis com a ética parlamentar são ignoradas ou tratadas com leniência, o que se alimenta não é apenas a impunidade, mas a erosão da credibilidade do próprio Poder Legislativo.

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Fabiana Tostes

Jornalista graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e acompanha os bastidores da política capixaba desde 2011.

Jornalista graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e acompanha os bastidores da política capixaba desde 2011.