Política

Caso Gusttavo Lima expõe efeito da polarização política na classe artística

A repercussão do assunto gerou o cancelamento da agenda do artista na cidade mineira de Conceição do Mato Dentro

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Foto: Augusto Albuquerque

Suspeitas de mau uso de verba municipal para a contratação de shows sertanejos, especialmente do cantor Gusttavo Lima, chamaram a atenção de ministérios públicos estaduais e aproximaram, mais uma vez, os mundos da música e da política neste ano eleitoral.

Apresentações do astro agendadas em cidades do interior de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Roraima motivaram a abertura de investigações devido aos altos cachês cobrados pela equipe do cantor e à suspeita de desvio de finalidade dos recursos. A repercussão do assunto gerou o cancelamento da agenda do artista na cidade mineira de Conceição do Mato Dentro, onde ele faria um show orçado em R$ 1,2 milhão.

Semanas antes, a cantora Daniela Mercury também virou alvo de investigação por sua apresentação no 1º de Maio pró-Lula, evento pelo qual ela receberia R$ 100 mil provenientes de emenda parlamentar. O pagamento foi suspenso pela Prefeitura de São Paulo, que apontou suspeitas de irregularidade devido ao caráter político do show.

O debate envolvendo a atuação de artistas e a administração pública ganhou força a partir de março, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acatou pedido do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, e se posicionou contra manifestações políticas no festival Lollapalooza, em São Paulo. Na ocasião, cantores como Marcelo D2 e Pabllo Vittar foram acusados de showmício em prol da pré-candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência.

O episódio não envolveu dinheiro público, mas revelou a existência de uma polarização política entre a classe artística, fenômeno que ajuda a explicar a polêmica com Gusttavo Lima.

As investigações contra o cantor começaram depois que Zé Neto, da dupla com Cristiano, criticou Anitta nas redes sociais pelo uso de verbas da Lei Rouanet, de incentivo à cultura. O sertanejo é apoiador declarado do presidente Jair Bolsonaro, enquanto a cantora pop se posiciona mais próxima da esquerda.

Em um show em Mato Grosso, Zé Neto afirmou que os sertanejos são “artistas que não dependem de Lei Rouanet” e cujo cachê “quem paga é povo”. “A gente não precisa fazer tatuagem no ‘toba’ pra mostrar se a gente tá bem ou não”, completou o cantor, fazendo referência a uma tatuagem íntima feita por Anitta.

A declaração jogou luz sobre os contratos firmados por sertanejos com prefeituras. Nas redes sociais, usuários passaram a apontar que, embora aleguem não precisar da Lei Rouanet, esses cantores costumam fazer apresentações pagas com verba municipal, que também é dinheiro público. A prática é comum entre artistas de todos os espectros políticos e, a priori, não há ilegalidade.

A discussão, então, acabou desembocando nos valores cobrados por Gusttavo Lima às cidades que ele percorre. O Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) instaurou procedimento para apurar o pagamento de R$ 2,3 milhões pela prefeitura de Conceição do Mato Dentro aos cantores que se apresentariam em um evento na cidade em junho, Lima entre eles. Há suspeita de desvio de verba porque o cachê seria pago com dinheiro da Compensação Financeira pela Exploração Mineral, que só pode ser gasto com saúde, educação e infraestrutura.

Como revelou o Estadão, o cantor também usufruiria de uma fatia do R$ 1,9 milhão destinado pelo deputado André Janones (Avante-MG), que é pré-candidato à Presidência, para bancar uma festa com estrelas da música sertaneja em Ituiutaba (MG), sua cidade natal.

Lima também virou alvo de investigação pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), que abriu inquérito para apurar o pagamento de R$ 1 milhão ao artista por uma apresentação no município de Magé. Antes, o MP de Roraima já investigava a contratação do astro por R$ 800 mil pela prefeitura de São Luiz.

Após ter shows cancelados e virar assunto para discussões acaloradas na internet, Gusttavo Lima foi às redes sociais negar as suspeitas de irregularidades. Chorando, o cantor afirmou que “não compactua com dinheiro público” e disse cobrar um valor padrão das prefeituras.

“Não é porque é uma prefeitura que vou deixar de cobrar meu valor até porque eu tenho conta para pagar”, argumentou.

Paralelamente, outro episódio recente mostra como a polarização política tem levado os artistas a terem seus cachês esmiuçados. A cantora Ludmilla, que apoia abertamente a pré-candidatura de Lula à Presidência, fez a letra “L” com as mãos durante seu show na Virada Cultural, evento promovido pela Prefeitura de São Paulo no último fim de semana.

O vereador Fernando Holiday (Novo) viu características de showmício na atitude da artista e entrou com ação popular para suspender o pagamento de seu cachê. Nesta terça, 31, o vereador protocolou denúncia no Ministério Público do Estado de São Paulo contra Lula e a cantora; e um requerimento de abertura de CPI dos Showmícios foi enviado à Câmara Municipal.

O parlamentar argumentou que o gesto feito por Ludmilla é o mesmo usado pela campanha do petista, apontando “caráter eleitoreiro em evento patrocinado com recursos públicos”. A cantora, por sua vez, se defendeu dizendo que a letra “L” é a inicial de seu próprio nome.