
Em pé de guerra desde o início deste ano, o prefeito de Cariacica, Euclério Sampaio (MDB), e a vereadora Açucena (PT) estão mais uma vez em lados opostos. O motivo da divergência agora é o cemitério que fica na região do antigo Hospital Pedro Fontes, às margens da Rodovia do Contorno.
A vereadora foi ao Ministério Público do Estado denunciar que a Prefeitura de Cariacica estaria fazendo intervenções irregulares no cemitério e em seu entorno, colocando em risco, segundo ela, a preservação da região que é tombada como sítio arqueológico.
Entre essas intervenções, a vereadora cita – na denúncia apresentada ao MPES – que a prefeitura estaria abrindo novas covas no cemitério, o que seria proibido por uma legislação municipal. Ela também alega que o sítio estaria em más condições de preservação.
Ela pede para que os agentes públicos envolvidos sejam investigados. O requerimento é assinado por Açucena, pelo ex-prefeito de Colatina Leonardo Deptulski (que é sobrinho e neto de ex-internos do Hospital Pedro Fontes), pela arquiteta e doutora em Restauração e Gestão de Patrimônio Viviane Lima Pimentel e por André Louzada, advogado do mandato de Açucena.
Sítio arqueológico
O cemitério São Francisco – também conhecido como Padre Mathias e Pedro Fontes –, faz parte do sítio arqueológico “Cemitério Pedro Fontes”, cadastrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2017 e reconhecido, por meio de tombamento, pelo decreto municipal 274 de 2021.
Além do cemitério, a capela e parte do entorno do antigo Hospital Pedro Fontes – construído na década de 30 para abrigar e isolar pacientes diagnosticados com hanseníase – fazem parte do sítio arqueológico, classificado pelo Iphan como pré-colonial e histórico.
No local foram encontrados vestígios históricos e pré-históricos de povos indígenas, além do instituto ter enfatizado sobre a importância da preservação dos túmulos da comunidade que ali habitava.
A área, conhecida como Fazenda Itanhenga, pertencia ao governo do Estado, mas foi doada para a Prefeitura de Cariacica em janeiro de 2024. Na ocasião, o prefeito Euclério teria anunciado o desejo de instalar um polo empresarial na região.
A denúncia
No requerimento feito ao MPES, Açucena alega que o artigo 7º do decreto municipal 274 estaria sendo descumprido.
O texto do decreto diz: “Se faz necessária a demarcação do território descrito para manutenção do bem tombado assim como para que o Poder Público possa licitar recursos (sejam internos ou externos) para o restauro da capela, a não abertura de covas novas e identificação do local como órgão tombado pelo Conselho Municipal de Política Cultural de Cariacica”.
Açucena afirma que a demarcação ainda não foi feita, que a capela não foi restaurada e que estariam ocorrendo enterros no local.
“Essa menção é de extrema importância, já que é nítido o descumprimento de tal determinação. Os enterros continuam ocorrendo no local, na nossa visão sem qualquer tipo de critério, trazendo riscos não só ao patrimônio como também ao meio ambiente”, afirma trecho do documento.
Na denúncia apresentada ao Ministério Público, Açucena pede:
- 1. Adoção de medidas urgentes no sentido de garantir a vigilância da área pelo município de Cariacica, preservando assim a integridade dos imóveis já tombados (capela e cemitério) e os demais imóveis com tombamento provisório aprovado pelo Conselho Estadual de Cultura;
- 2. Determinar ao município de Cariacica que adote as providências previstas no art. 7º no Decreto Municipal nº 274 para que seja adotada a demarcação do território tombado pela municipalidade;
- 3. Fazer cessar as obras que estão sendo realizadas na área do cemitério do hospital, por se tratar de área tombada como sítio arqueológico pelo Iphan e pelo município de Cariacica;
- 4. Fiscalizar para que qualquer obra ou intervenção por parte da Prefeitura de Cariacica na área com tombamento provisório sejam feitas com prévia aprovação do Conselho Estadual de Cultura, conforme determina a legislação;
- 5. Promover diálogos com o Poder Executivo Estadual no sentido de garantir a criação do Instituto do Patrimônio Cultural do Espírito Santo, com natureza jurídica de autarquia, voltado à preservação dos bens culturais tombados em âmbito estadual, nos moldes da consulta pública feita pela Secretaria Estadual de Cultura no ano de 2012;
- 6. Avaliar os danos ambientais provocados pelas obras do novo cemitério que está sendo construído pela Prefeitura de Cariacica, bem como a regularidade dessa construção;
- 7. Instaurar procedimentos de investigação no sentido de apuração das responsabilidades dos agentes públicos envolvidos nas supostas violações ao patrimônio histórico, ao meio ambiente e outros que o Ministério Público entender cabíveis.

Iphan embarga obra
No último mês de agosto, o Iphan determinou o embargo de qualquer obra ou atividade que afete o solo na área do cemitério. O instituto considerou que as intervenções da prefeitura estariam atingindo o sítio arqueológico.
O instituto informou que “qualquer intervenção que envolva licenciamento ambiental em áreas tombadas, como a construção ou expansão de cemitérios, exige comunicação prévia ao Iphan para que o órgão possa avaliar e indicar as medidas necessárias à proteção dos bens culturais acautelados. No caso em questão, por se tratar de área com sítio arqueológico já cadastrado, a manifestação prévia do Instituto sobre as intervenções é obrigatória”.
Na ocasião, a prefeitura ficou de tomar as medidas cabíveis.
O que diz a Prefeitura
Em nota, a Prefeitura de Cariacica informou que está providenciando a regularização da área e que uma arqueóloga foi contratada pelo município para auxiliar nas questões que envolvam intervenções, junto ao Iphan.
Leia abaixo a nota completa:
“A Prefeitura de Cariacica, por meio da Procuradoria Geral, informa que está providenciando a regularização da área, que foi transferida ao município por cessão do Governo do Estado.
O Município informa, ainda, que uma profissional arqueóloga foi contratada pela municipalidade para regularizar junto ao IPHAN qualquer intervenção física que se faça necessária no cemitério Pedro Fontes e que atenda aos requisitos legais necessários e exigidos pelos órgãos e controle e regulação, inclusive o Iphan.
A Prefeitura esclarece que tem se adequado para seguir rigorosamente todas as exigências legais e técnicas necessárias àquela área e não se furtará a cumprir com todos eles.”
Já o prefeito Euclério, ao ser questionado sobre a denúncia de Açucena, disse que “nem merece réplica”.
Não é o 1º embate
Filiada ao PT, Açucena é a única vereadora de oposição ao prefeito Euclério na Câmara de Cariacica. Desde o início do mandato, ela tem tido uma postura de enfrentamento contra o prefeito e contra alguns integrantes da base aliada no Legislativo.
Por esse posicionamento, que acaba sendo único na Câmara de Cariacica, Açucena encontrou certa visibilidade no mercado político e em julho passado se lançou na disputa para presidir o PT no município.
Ela, porém, foi derrotada pelo atual presidente, Luiz Carlos Gaurink, numa eleição que, nos bastidores, teria contado com a influência de Euclério e seu grupo – o que Gaurink nega.
Açucena tentou anular a eleição, mas foi voto vencido dentro do PT nacional.
Na Câmara, ela também é alvo de dois processos de cassação por parte do vereador Sérgio Camilo (União), que é da base aliada do prefeito. Em defesa de Açucena, os diretórios municipal e estadual do PT também movem um processo de cassação contra o vereador.
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