“Não existe combate às drogas, existe um combate aos pobres”, diz capitão da PM que quer ser governador do ES

Desmilitarização da Polícia Militar, descriminalização das drogas, controle popular sobre as polícias e demais serviços e instituições públicas. Essas são algumas das bandeiras do capitão da PM Vinícius Sousa que é pré-candidato ao governo do Espírito Santo pelo PSTU – legenda de extrema-esquerda que, no Estado, conta com 431 filiados.

Sousa foi o entrevistado de ontem (07) do programa “De Olho no Poder com Fabi Tostes”, veiculado na rádio Jovem Pan News Vitória (90.5 MHz). Lotado no Batalhão de Cachoeiro, com quase 15 anos de atuação policial, Sousa se autodenomina marxista e prega que a principal meta do seu governo, caso eleito, será convocar a população para uma “transformação revolucionária” e para uma gestão de controle popular. “Ninguém transforma por eleições, nunca aconteceu no mundo. Somente por luta e revolução”.

Reclama que não tem sido mencionado nas pesquisas de intenção de voto e que, mesmo fazendo parte de uma legenda minúscula, sua candidatura é irreversível, justificando que é a única que representa os verdadeiros valores da “tradição de esquerda”.

“Todas as demais (pré-candidaturas) são a mesma coisa, apresentam o mesmo projeto de privatização. Privatização da ES Gás, privatização do Banestes, da Cesan. Que esquerda é essa? Com uma esquerda dessa, a direita pode tirar folga! Todas as outras candidaturas são de direita. Nós entendemos a necessidade de apresentar um contraponto a isso. A nossa candidatura será a candidatura de esquerda, a candidatura contrária à entrega do nosso patrimônio”, afirmou.

Os posicionamentos de Sousa, principalmente em temas polêmicos e complexos, chamam a atenção, principalmente por ele ser um agente de segurança, concorrer pelo PSTU (ele já foi da Rede e do PT) e tecer críticas ao governo Bolsonaro, o que destoa de grande parte da Corporação. Seu vocabulário lembra o de personagens utópicos da história do início do século passado, com críticas ao sistema capitalista e à “burguesia”. Mas ele também toca em problemas que até hoje não foram resolvidos.

Desmilitarização da Segurança Pública

Mais do que desmilitarizar a PM, Sousa quer “desmilitarizar a segurança pública”. “É uma necessidade tirar do imaginário do policial, da imprensa, da comunidade que nós estamos em guerra. Não há guerra nenhuma. Segurança pública se faz com investimentos públicos, politicas públicas com atuação séria e interessada em resolver o problema da pobreza, da miséria, que é o que leva a um quadro de vulnerabilidade. Porque o sujeito que está vulnerável é vítima de um crime. A melhor maneira de proteger a pessoa é garantir seus direitos fundamentais: dar uma boa condição de moradia, de transporte, de educação”.

Segundo ele, é preciso também mudar a estrutura interna da PM e dar ao policial militar condições de se organizar politicamente, sindicalizar e ter um plano de carreira “digno”. “Hoje nós temos duas castas na PM: oficial e praças, o que é diferente de qualquer outra polícia no mundo. O cabo para virar sargento, depois de 20 anos de serviço prestado, precisa de uma prova, uma seleção, um teste físico. Enquanto eu, que sou oficial, não preciso disso. Quantos excelentes profissionais ficam de fora por causa do teste físico?”, questiona Sousa.

Ele também defende uma “democratização” no comando da corporação. “Os comandos devem ser eleitos pela população. A tropa elege o comando administrativo e a população, o comando operacional. Cada companhia, destacamento, deve ser eleito pela comunidade”, defendeu.

“Combate às drogas não existe”

Diferente de grande parte de seus colegas militares, Sousa defende uma descriminalização das drogas e que o tema da drogadição seja tratado dentro da esfera da saúde pública. Segundo ele, não existe um combate efetivo às drogas. “Não é feito um combate às drogas, o que é feito hoje é uma guerra à pobreza, é um combate aos pobres. É preciso que a questão das drogas seja tratada na área da saúde, tanto com relação ao uso por recreação quanto no abuso, para tratamento. Porque policial militar não cura dependência química. O que ele faz é agravar esse quadro, não por culpa dele, mas por conta do sistema. Entendo que a criminalização não resolve, é preciso descriminalizar (uso e venda de drogas) para que deixe de ser um problema de polícia e passe a ser tratado com verdade, sinceridade e competência por profissionais de saúde”, argumentou.

Segundo o capitão, há muita “demagogia e hipocrisia” no discurso antidrogas. “O tráfico de drogas é um negócio trilionário e a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas alimenta muita coisa na nossa economia. É da proporção do petróleo. Não há interesse em resolver o problema, há interesse em explorar o mercado. Por esse motivo é que é criminalizado, para que se crie um mercado de armas, a disputa por pontos (de venda de drogas). Nós defendemos a regulamentação e uma campanha educativa que, em vez de incentivar o uso, faça o contrário. Veja o número de fumantes como tem caído, ao longo dos anos, por conta das campanhas. Mas o consumo de drogas ilícitas tem aumentado. Essa proibição é rentável. O enfrentamento está errado. Tem que ser regulamentado, pagar o tributo que tem que ser pago”, defendeu.

“O tráfico de drogas é um negócio trilionário e a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas alimenta muita coisa na nossa economia. É da proporção do petróleo”

 

Povo controlando as armas

Capitão Sousa: “Todas as outras candidaturas são de direita”

Questionado se seria a favor da política de armamento da população civil incentivada pelo governo federal de um outro capitão, o presidente Jair Bolsonaro, Capitão Sousa disse que é a favor que a população tenha controle sobre as armas sim, mas afirmou que hoje apenas a “elite” tem acesso aos armamentos.

“Nós temos uma violência no campo enorme e ela está relacionada à propriedade sobre a terra. É uma luta histórica e que não é resolvida. O que está sendo feito é armar uma elite rural. O povo tem acesso às armas? Não. O povo não tem dinheiro para comprar isso. Não existe essa conversa que o povo tem acesso às armas. O que aconteceu foi o contrário: elitizou-se o acesso às armas. Isso não resolve nada. Agora o direito às armas, sim, a classe trabalhadora tem que controlar as armas no sentido de controlar as polícias, controlar as guardas pelos conselhos populares”, afirmou.

Sousa vê nos conselhos populares a solução para praticamente todos os problemas de ordem pública. Defende que o transporte coletivo – que na visão dele pode chegar à tarifa zero – seja controlado por um conselho popular, assim com as polícias e outros órgãos públicos.

E como iria funcionar? Sousa responde: “Vou convocar o povo, marcar a data e dizer: essa pauta será apresentada à Assembleia no dia 20 de janeiro, será entregue lá. A partir daí vou chamar o povo pra rua, pra praça pública, e aí com o povo a Assembleia se entende. Não há outra maneira de fazer as transformações”.

“A classe trabalhadora tem que controlar as armas”

 

Antifascismo e processos

Sousa responde a dois IPMs (inquérito policial militar) e dois PADs (processo administrativo disciplinar) por ter feito, segundo ele, manifestações contrárias ao governo federal. Ele também faz parte do grupo Policiais Antifascismo e seria alvo de perseguições políticas.

Sousa explicou como funciona o grupo que, aliás, faz amanhã seu 1º Encontro Estadual do Movimento Policiais Antifascismo às 14h no auditório da Adufes. “O movimento reúne policiais de todas as frentes de trabalho no Brasil todo, inclusive aqui. Policiais conscientes que precisam fazer uma transformação radical do nosso modelo de polícia, que atenda à classe trabalhadora, à nossa população. Que atue contribuindo para que a população se sinta segura”.

Sobre os processos disse ser “totalmente ilegais”. Questionado se havia perseguição política dentro da Corporação, respondeu: “Não coloco que seja uma perseguição a mim, é da militarização isso: querer enquadrar o trabalhador numa forma de pensar unificada daquele superior. É uma coisa bizarra, totalmente fora da lógica democrática. Essa democracia nossa é para as elites, está provado, nesses processos, que o direito que tem para uns não tem para outros. Agora nós, enquanto cidadãos, exerceremos nosso dever cívico de opinar. Não ofendi a pessoa de ninguém, Minha crítica é política e critico e criticarei tantas vezes que achar necessário”.

 

Na íntegra

Capitão Sousa também falou das articulações políticas para compor sua chapa com nome de vice, de outras bandeiras defendidas pelo seu partido e por sua pré-candidatura, de seu projeto de obras públicas a ser implementado para geração de emprego e renda, da “violência” das executivas nacionais contra o PT e o Psol capixabas, entre outras questões. A entrevista na íntegra pode ser conferida abaixo: