Política

Da praça pública aos algoritmos: o retorno da política sem filtros

Nas últimas décadas, a era digital promove um retorno à comunicação direta, mas agora em escala global

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Donald Trump, Lopez Obrador e Daniel Noboa
Donald Trump, Lopez Obrador e Daniel Noboa. Fotos: Isac Nóbrega/PR, Instagram lopezobrador e Marcelo Camargo/Agência Brasil

A desintermediação política representa uma evolução democrática ou uma ameaça ao debate público?

Alguns vão lembrar, nem todos tiveram a oportunidade de vivenciar a política do corpo a corpo, dos comícios em praça pública, dos auto-falantes, das filas na porta dos comitês de campanha para “trocar umas palavras com o candidato”.

Assim foi, até o surgimento de uma maneira de alcançar mais gente em menos tempo por meio das propagandas, entrevista no rádio, nos jornais impressos e depois as aparições na televisão. A era do uso da comunicação de mídia de massa como ferramenta de promoção política.

Da praça pública aos algoritmos: a comunicação política completou um ciclo histórico, superando um século de intermediação midiática para retornar ao contato direto com o eleitorado.

Nas últimas décadas, a era digital promove um retorno à comunicação direta, mas agora em escala global.

Desintermediação na comunicação política é o processo pelo qual líderes e candidatos estabelecem canais diretos com a cidadania, eliminando ou reduzindo drasticamente o papel dos meios de comunicação tradicionais como intermediários.

Trata-se da criação de uma relação sem filtros entre político e eleitor, onde a mensagem é transmitida sem a mediação editorial de jornais, TVs ou rádios.

Candidatos, aspirantes e eleitos fazem amplo uso de novas ferramentas como as redes sociais, os aplicativos de mensagens e as plataformas de streaming para se conectar com seus seguidores.

Enquanto Donald Trump expõe suas opiniões polêmicas e adverte seus opositores pela rede X, seu canal primário de comunicação, Jair Bolsonaro realiza “lives” periódicas para se conectar com seu eleitorado.

AMLO, o ex-presidente mexicano Obrador, realiza as “Mañaneras” durante as quais todos os dias, às 6h, apresenta sua agenda do dia, opina sobre os fatos políticos e reúne milhões de ouvintes. Matteo Salvini, ex-premiê italiano expõe sua intimidade nos stories de uma plataforma.

O atual presidente do Equador, Daniel Noboa, além da presença digital, trouxe uma inovação, ou melhor, uma volta ao passado. Quem acompanha a atualidade política deve ter visto a multitude de painéis em tamanho real do “Noboa” pelas ruas, lojas e repartições equatorianas. Pode-se dizer de maneira figurativa que foi uma mescla de digital com “analógico”.

Esta transformação da comunicação faz refletir sobre quais seriam as consequências dessa conjuntura no cotidiano das pessoas.

Este debate é complexo e profundo, um debate que não devolve respostas simples nem definitivas.

A desintermediação proporciona a democratização do debate público, com uma rede internet e um celular na mão qualquer cidadão tem a possibilidade de expor suas ideias, opiniões, questionamentos ou reclamações.

O cidadão comum acessou ao debate público de maneira meteórica, facilitando também a propagação da desinformação.

A divulgação de notícias falsas sempre existiu, seria inocente dizer que é algo novo, mas as redes se tornaram canais de propagação rápida e potente das notícias falsas.

O fenômeno demanda a definição de novos limites, uma nova legislação. Gera muitos debates em volta do que seria legítimo proibir e o que seria censura. A discussão ainda é muito inicial, pouco se sabe aonde se pode chegar.

A velocidade da evolução tecnológica dá a sensação de que o debate sempre está um passo atrás dos acontecimentos nas redes.

Outro ponto de atenção é a intensificação da polarização. Isso ocorre porque, explicando de forma simplificada, o usuário só recebe o que ele consome na internet, dando a certeza de que seu pensamento está correto, o algoritmo não discorda com o consumidor.

Várias e várias notícias, opiniões aparecem na tela do smartphone confirmando sua ideologia. O incentivo ao pensamento crítico diminui, a polarização aumenta.

Apesar dos pontos negativos estarem nos holofotes, existem diversos pontos positivos para esta nova maneira de se comunicar.

Além da democratização do debate público, políticos e cidadãos comuns podem mostrar seu lado humano, utilizar uma linguagem mais coloquial, controlar o timing, formato e narrativa.

O desafio contemporâneo reside em equilibrar essa liberdade comunicacional com mecanismos que preservem a qualidade do debate democrático, sem retroceder à era da intermediação obrigatória.

Maya J. Gobira Meneghelli

Colunista

Francesa, linguista pela Ufes e mestre em comunicação política pela Universidade Internacional de Valência, pesquisa sociedade e discursos de lideranças femininas. Atua em estratégias de comunicação política e corporativa, media training e posicionamento, além de ser especialista em imagem e comunicação não verbal.

Francesa, linguista pela Ufes e mestre em comunicação política pela Universidade Internacional de Valência, pesquisa sociedade e discursos de lideranças femininas. Atua em estratégias de comunicação política e corporativa, media training e posicionamento, além de ser especialista em imagem e comunicação não verbal.