Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta sexta-feira, 17, a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

A legislação hoje permite o aborto em apenas três situações – violência sexual, risco de morte para a gestante ou feto com anencefalia.

“As mulheres são seres livres e iguais, dotadas de autonomia, com autodeterminação para fazerem suas escolhas existenciais”, escreveu o ministro.

“Nesses casos, o papel do Estado não é o de escolher um lado e excluir o outro, mas assegurar que cada um possa viver a sua própria convicção”, completou Barroso.

Em seu último dia no STF, o ministro pediu uma sessão extraordinária e urgente, no plenário virtual, para participar do julgamento antes de se aposentar.

A votação foi suspensa na sequência por um pedido de destaque do decano Gilmar Mendes. A tendência é que o processo volte a ser engavetado, sem perspectiva de retornar à pauta do

Barroso usou a mesma estratégia de Rosa Weber, que deu o primeiro voto a favor da descriminalização às vésperas da aposentadoria, em setembro de 2023. Na ocasião, a ministra esperava ser substituída por um homem e fez questão de participar da decisão do STF. Foi ela quem definiu o limite das 12 semanas. Barroso a acompanhou integralmente.

Um dos cotados para substituir Barroso é o advogado-geral da União, Jorge Messias, que por ser evangélico poderia votar contra a ampliação das hipóteses para o aborto legal no Brasil. O regimento interno do STF prevê que os votos de ministros aposentados valem mesmo após deixarem o tribunal. Com isso, os sucessores ficam impedidos de votar.

O posicionamento de Barroso era esperado. O ministro já havia se manifestado publicamente a favor da descriminalização do aborto, mas sempre com a ressalva de que, na avaliação dele, a sociedade não estava madura para uma decisão do STF. Com a aposentadoria, o tempo de espera chegou ao fim.

‘Se os homens engravidassem, aborto já não seria tratado como crime’

Em seu voto, o ministro buscou enquadrar o tema a partir de uma perspectiva essencialmente jurídica, com destaque para os direitos da mulher sexuais e reprodutivos da mulher, mas registrou o respeito às doutrinas religiosas que se opõem ao procedimento.

“Direitos fundamentais não podem depender da vontade das maiorias políticas. Ninguém duvide: se os homens engravidassem, aborto já não seria tratado como crime há muito tempo”, diz um trecho do voto.

Barroso fez a ressalva de que não é a favor do aborto em si, mas sim contra a prisão de mulheres que se submetem ao procedimento. “É perfeitamente possível ser simultaneamente contra o aborto e contra a criminalização”, argumentou.

O ministro também defendeu que o aborto seja tratado como uma questão de saúde pública, não de direito penal. E argumentou que a criminalização não diminui o número de ocorrências, o que na avaliação dele torna a norma ineficiente.

“A criminalização é uma política pública que não atinge o objetivo de reduzir o número de ocorrências. A maneira adequada de lidar com o tema é fazer com que o aborto seja raro, mas seguro”, defendeu.

“A criminalização penaliza, sobretudo, as meninas e mulheres pobres, que não podem recorrer ao sistema público de saúde para obter informações, medicação ou procedimentos adequados.”

‘Obstáculos injustificados’

Em outro processo, em que é relator, Barroso deu uma decisão liminar, que vai a referendo do plenário, proibindo unidades de saúde de criarem embaraços para o aborto em hipóteses legais.

“Diante da existência de omissões estruturais que impõem obstáculos injustificados à efetividade desse direito, cabe ao Supremo Tribunal Federal determinar ao Poder Público a adoção das medidas corretivas necessárias”, diz a liminar.

A decisão também prevê que enfermeiros e técnicos de enfermagem que auxiliem os procedimentos não podem ser punidos criminalmente e manda suspender processos administrativos em curso contra esses profissionais.

Entidades religiosas tentaram barrar o movimento de Barroso, depois que o presidente do STF, Edson Fachin, retardou a decisão sobre a sessão. Com o passar das horas, e sem uma definição, associações contra o aborto começaram a se mobilizar.

O presidente do STF decidiu, no entanto, atender ao apelo de Barroso e convocar a sessão. O despacho entrou no sistema de processos cerca de 20 minutos antes do início previsto do julgamento no plenário virtual.

Fachin justificou que essa seria a única possibilidade de voto do colega e que, do seu ponto de vista, não seria “legítimo” impedi-lo, monocraticamente, de participar da votação.

“A regra do RISTF (regimento interno do STF) não afasta a razoável interpretação nesse sentido dada pelo e. Ministro solicitante, à míngua de tempo factível para haurir interpretação colegiada”, diz o despacho de Fachin.