Trama golpista

Fux vota para absolver Bolsonaro de todos os crimes atribuídos pela PGR; entenda suas razões

Já são mais de nove horas de voto. Fux consumiu boa parte da sessão para apresentar as premissas teóricas que o levaram a descartar os crimes

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Ministro Luiz Fux
Foto: Gustavo Moreno/STF

O ministro Luiz Fux votou nesta quarta-feira, 10, para condenar o tenente-coronel Mauro Cid e poupar outros réus do “núcleo crucial” da trama golpista, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele ainda não analisou a situação de todos os oito acusados.

Mesmo no caso de Mauro Cid, réu confesso, a proposta do ministro foi de condenação por apenas um dos cinco crimes atribuídos a ele na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) – abolição violenta do Estado democrático de Direito.

Já são mais de nove horas de voto. Fux consumiu boa parte da sessão para apresentar as premissas teóricas que o levaram a descartar os crimes. Ele não negou todas as provas, mas usou aspectos de ordem processual para justificar sua posição.

Segundo o ministro, não há comprovação de que um plano de golpe tenha sido efetivamente colocado em prática por Bolsonaro. O que houve, na avaliação dele, não passou de “vaga cogitação” de medidas de exceção. Só que, de acordo com a linha de raciocínio de Fux, “atos preparatórios” não podem ser punidos criminalmente, forçando a absolvição. “É desarrazoado equiparar palavras a atos efetivos de violência”, defendeu.

Com o argumento, o ministro se opôs ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, que defendeu que não é preciso “ordem assinada” do presidente para a caracterização dos crimes. Para Fux, sem um decreto presidencial, não é possível falar em execução de golpe.

“Tudo indica que nada saiu do plano da mera cogitação. Qualquer início de ato executório envolvendo emprego de Forças Armadas dependeria necessariamente da edição de um decreto formal pelo presidente”, defendeu.

“Para sair da mera cogitação e enfim dar início a atos executórios violentos seria necessário, além da publicação formal do decreto pelo presidente, o envio de mensagem para ativação dos órgãos operacionais das Forças Armadas”, acrescentou Fux.

O ministro justificou que votou para receber a denúncia da PGR porque “in dubio pro societate”, ou seja, em caso de dúvida sobre a autoria ou materialidade de um crime, a ação penal deve seguir em benefício da sociedade, permitindo o aprofundamento das investigações.

Agora, no entanto, o ministro defendeu que deve prevalecer o “in dubio pro réu”, a presunção de inocência por dúvida razoável sobre a culpa dos acusados. “Responsabilidade criminal deve ser provada acima de qualquer dúvida”, defendeu.

Os depoimentos dos ex-comandantes do Exército, Marco Antônio Freires Gomes, e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, que confirmaram ter sido abordados por Bolsonaro com a proposta de golpe, foram rebatidos pelo ministro. Ele disse que as versões dos oficiais têm “contradições” que enfraquecem a gravidade do encontro. Para Fux, a apresentação de “considerandos”, ainda que sobre medidas golpistas, não é crime.

O ministro também descartou a responsabilidade direta ou indireta do ex-presidente pelo 8 de Janeiro. “A responsabilidade criminal deve ser atribuída a quem efetivamente causou a destruição e não a quem nem se quer estava no local dos acontecimentos e, sobretudo, não ordenou a prática de qualquer ação”, argumentou.

Diversos documentos apócrifos apreendidos na investigação foram desconsiderados pelo ministro. Fux menosprezou, por exemplo, as diferentes versões da minuta de decreto presidencial que circularam com aliados de Bolsonaro para anular o resultado das eleições de 2022, prender autoridades, intervir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e baixar medidas de exceção no País, como estado de defesa, estado de sítio e Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

As “minutas do golpe”, como ficaram conhecidas na investigação, foram encontradas com o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e com o tenente-coronel Mauro Cid. O ministro afirmou que os documentos não passam de “uma carta de lamentação”.

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“Minutas sem um conteúdo definido, modificadas várias vezes, não podem ser consideradas atos executórios de crime algum”, disse o magistrado.

Plano Punhal Verde e Amarelo, plano para assassinar o ministro Alexandre de Moraes e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), também estava documentado.

O arquivo foi impresso no Palácio do Planalto. O general Mário Fernandes, que foi secretário-Geral da Presidência e atualmente é réu no núcleo operacional do plano de golpe, admitiu a autoria do arquivo.

Depois de imprimir o documento, o general foi ao Palácio do Alvorada, residência do presidente, onde ficou cerca de uma hora com Bolsonaro. Para Fux, a dinâmica não comprova que o então presidente sabia do plano.

Outro documento que, segundo a denúncia, foi impresso no Palácio do Planalto foi o rascunho do projeto de um gabinete de crise para ser criado após a consumação do golpe. O ministro afirmou que não é possível saber com certeza se o arquivo apreendido na investigação é o mesmo que foi copiado na sede do Executivo.

O documento Operação 142 também foi desconsiderado por Fux. O manuscrito foi com propostas golpistas para anular a eleição, estender mandatos, trocar todos os ministros do TSE e impedir a posse de Lula foi encontrado pela Polícia Federal em uma pasta de “memórias importantes” na mesa do coronel Flávio Peregrino, assessor do ex-ministro Walter Braga Netto, na sede do PL, em Brasília, em fevereiro de 2024. Fux classificou o documento como um “manuscrito rudimentar feito com caneta BIC” que, segundo ele, não passa de “uma cogitação documentada”.

Fux também minimizou os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral e ao Poder Judiciário, reduzidas a “bravatas”. O ministro disse que o ex-presidente não foi o primeiro candidato a contestar o resultado de uma eleição e, sem citar nominalmente o senador Aécio Neves (PSDB-MG), lembrou dos questionamentos feitos pelo tucano nas eleições de 2014.

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Neste momento, o ministro criticou a multa imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral ao PL, partido de Bolsonaro, por pedir a anulação de parte dos votos do segundo turno das eleições de 2022. O partido foi multado em R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé.

O documento é usado na denúncia como prova de que Bolsonaro e seus aliados instigaram a militância contra o resultado das urnas. Fux argumentou que todos devem ter acesso à Justiça e que cabe ao Poder Judiciário aceitar ou não os pedidos.

O ministro está fazendo a leitura praticamente integral do voto, um calhamaço de centenas de páginas, sem pular nem mesmo as referências às páginas do processo onde estavam cada uma das provas mencionadas por ele. Cada autor e acórdão citados também foram referenciados.

Em seguida, passou a analisar a situação de cada réu, e manteve a sistemática. Leu mensagens, trechos de depoimentos, passagens de argumentos das defesas e excertos da denúncia e repetiu premissas. Fux montou uma força-tarefa de juízes auxiliares do seu gabinete para analisar todas as provas do processo.

O ministro criticou a PGR e afirmou que o procurador-geral da República Paulo Gonet não apresentou uma descrição individualizada dos crimes e preferiu “adotar uma narrativa desprendida da cronologia dos fatos alegados”.