Política

'Gabinete do ódio' do CE mira grupo de Ciro

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Na mira do Supremo Tribunal Federal (STF), o “gabinete do ódio” instalado no Palácio do Planalto se espalhou pelos Estados. As células mais avançadas desse grupo ideológico – revelado pelo Estadão em setembro do ano passado – mantêm a militância digital inflamada e atuam no Ceará, no Paraná, em Minas Gerais e em São Paulo. Numa espécie de franquia, cada núcleo regional conta com assessores lotados em gabinetes da Câmara dos Deputados e em Assembleias Legislativas para movimentar páginas de disseminação de fake news e linchamentos virtuais de adversários do governo.

Um dos núcleos mais estruturados, o “Endireita Fortaleza” tem amigos até na assessoria especial do presidente Jair Bolsonaro, no terceiro andar do Planalto. A célula não foi alvo da operação da Polícia Federal na quarta-feira passada, mas entrou na mira das investigações pelo grau de engajamento nas redes sociais e por ligações com figuras influentes do governo.

O fundador do “Endireita Fortaleza”, o cearense Guilherme Julian, trabalha no gabinete do deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ), o Hélio Negão, e tem cargo comissionado com remuneração mensal de R$ 6,1 mil. Fiel escudeiro de Bolsonaro, o parlamentar ainda emprega o cearense Henrique Rocha, colega de Julian na mesma célula. Na movimentação de páginas e grupos de ataques a líderes regionais, Julian e Rocha atuam em parceria com assessores lotados em gabinetes da Assembleia. Cely Duarte e Manuela Melo trabalham para o deputado estadual Delegado Cavalcante (PSL).

No Planalto, a célula cearense conseguiu empregar José Matheus Sales Gomes, que há sete anos criou, em Fortaleza, a principal página do grupo no Facebook, a “Direita Vive 3.0”. Antes batizada de Bolsonaro Zuero, a página atualmente tem 620 mil seguidores. Com salário de R$ 13,6 mil, José Matheus foi nomeado assessor especial da Presidência, em janeiro de 2019, depois de chamar a atenção do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) – filho do presidente e comandante do “gabinete do ódio” – pelo engajamento nas redes sociais. Também ligado à organização de Fortaleza, Mateus Matos Diniz recebe R$ 10,3 mil mensais como comissionado.

O servidor público Adriano Duarte, atual presidente da “Endireita Fortaleza”, é casado com a assessora Cely Duarte. “Nosso fundador (Julian) hoje está em Brasília. Todo trabalho, as informações, a conexão das páginas está tudo com ele. É como se fosse nosso moderador, está entendendo? Como é o fundador, ele é vitalício, para que mantenhamos a identidade do grupo”, afirmou Duarte, que é engenheiro civil.

À reportagem, o deputado Hélio Lopes negou que seus funcionários tenham atividade que não seja relacionada com o mandato parlamentar, mas evitou dizer quais atribuições deu a Julian e a Henrique. Questionado sobre como conheceu os assessores e por que resolveu contratá-los, ele não respondeu. “Tenho uma galera lá. Se for lembrar como é que chamou, se por causa disso ou daquilo…”, desconversou.

O modus operandi da célula cearense é seguido por outros núcleos do “gabinete do ódio”. Os operadores mantêm páginas e grupos para defender Bolsonaro, promover linchamentos virtuais de adversários locais e incentivar a violação do lockdown imposto pelo governador do Ceará, Camilo Santana (PT), como medida de combate ao avanço do novo coronavírus.

Nos anúncios lançados nas redes para atrair interessados, o núcleo apresenta conferências de “estratégias de inteligência e pressão popular para a retomada do poder pela sociedade civil organizada” e também de “militância profissional”. Prega, ainda, ações contra as famílias do ex-ministro Ciro Gomes e de seu irmão, o senador Cid Gomes (PDT), adversários de Bolsonaro.

“Há a clara reprodução, no Ceará, do modus operandi do gabinete do ódio instalado na Capital Federal e comandado por um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro. Baseia-se na construção e disparo de notícias mentirosas e na tentativa de destruir reputações e demonizar a política”, disse Ciro ao Estadão.

Bolsonaristas. No último dia 20, o movimento saiu das páginas de Facebook e dos grupos de WhatsApp e foi às ruas em carreata contra o decreto estadual que impôs o confinamento total na capital cearense. O Estado é o terceiro em número de mortes provocadas pelo novo coronavírus, mas aliados de Bolsonaro classificam como “ditatorial” a medida adotada pelo governo petista.

Para furar o isolamento, militantes bolsonaristas alegaram que eram da “imprensa alternativa” e estavam nas ruas para fazer uma reportagem. A desculpa não convenceu a polícia e 25 pessoas foram parar na delegacia. Entre os envolvidos no tumulto estavam Cely Duarte e Manuela Melo, as duas funcionárias parlamentares. Elas emprestam a imagem para vídeos, textos e montagens que são distribuídos em uma série de páginas e grupos administrados pelo movimento.

O papel de Cely e Manuela, segundo o deputado Delegado Cavalcante, que as emprega, é prestar a ele o serviço de “assessoria sobre conservadorismo”. Mesmo não tendo carga horária específica na Assembleia, a dupla trabalha por horas a fio. “A gente trabalha de segunda a segunda. Se fosse pagar hora extra para as meninas, não tinha como”, afirmou o deputado.

Outro destacado integrante da rede cearense com acesso ao Planalto é Alex Melo, ex-assessor de Delegado Cavalcante. Entre junho e novembro de 2019, Melo esteve nove vezes em agendas no terceiro andar do Planalto, onde funciona o “gabinete do ódio”. Em seus perfis, ele se exibe circulando em áreas restritas da sede do governo. “Mais BSB. Contribuindo com o governo e desarmando bombas”, escreveu Alex como legenda de uma selfie tirada em frente ao Congresso, em outubro. Procurado, ele não se manifestou.

Os alvos dos ataques costumam acompanhar a agenda de frituras e ofensivas definida pelos rumos do governo federal. Em outubro, por exemplo, o vídeo compartilhado por Bolsonaro, comparando o Supremo Tribunal Federal a hienas, viralizou. Já em novembro, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou a prisão, o grupo postou um vídeo antigo de Dias Toffoli – que hoje comanda o STF -, como se o ministro estivesse comemorando a soltura do “patrão”. Mais recentemente foi a vez de Sérgio Moro – o ex-titular da Justiça que foi juiz da Lava Jato – se tornar personagem de montagens depreciativas.

Origem. O funcionamento da rede bolsonarista foi relatado pela primeira vez em reportagem do Estadão. Em 25 de fevereiro de 2017, quase dois anos antes de Bolsonaro assumir a Presidência, a reportagem revelou que o grupo político ligado a ele, então deputado federal do PSC, esteve na linha de frente da comunicação e da logística do motim que parou a Polícia Militar do Espírito Santo e levou pânico à população daquele Estado.

Para incentivar a paralisação, a organização em torno de Bolsonaro divulgou em grupos de WhatsApp imagens antigas de tiroteios em morros de Vitória. Na lista de nomes que lideravam o apoio ao movimento estavam o do agora deputado federal Capitão Assumção (PSB) e o do ex-deputado Carlos Manato, aliados de Bolsonaro no Espírito Santo.

O Estadão registrou pela primeira vez também o termo “gabinete do ódio” e o funcionamento do grupo. Em reportagem publicada em 19 de setembro do ano passado, o jornal relatou que o núcleo liderado por Carlos Bolsonaro estava instalado dentro do Planalto, era responsável pelas redes sociais da Presidência e adotava estilo beligerante nas mídias digitais, causando desconforto interno no governo. A atuação do “gabinete do ódio” está sob investigação do inquérito das fake news tocado pelo STF, da CPI das Fake News no Congresso e na mira do Tribunal de Contas da União (TCU). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.