O governo e a Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) responderam o pedido de explicação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei Estadual que permite que pais e responsáveis vetem a participação de estudantes em “atividades pedagógicas de gênero” nas escolas privadas e públicas capixabas.
Após uma petição contra a norma apresentada à corte, a ministra Cármen Lúcia deu o prazo de cinco dias para os órgãos se manifestarem.
Na manifestação apresentada pela Ales, a Casa argumenta que a imposição de temas relacionados à identidade e à igualdade de gênero, à orientação e à diversidade sexual pode transformar a escola em espaço de doutrinação.
“A imposição de conteúdos sensíveis sem o devido respeito à participação da família pode, ao contrário, representar a imposição unilateral de visões ideológicas, convertendo o ambiente escolar em espaço de doutrinação, e não de formação plural”.
Enquanto isso, o governo estadual considera que a lei deve ser declarada inconstitucional, visto que, entre outras coisas, promove a supressão de campos do saber e prejudica o pleno desenvolvimento dos alunos, que precisam ter acesso à realidade social.
O que diz a Ales
A Ales, primeiramente, alegou que as associações e movimentos LGBTQIA+ que solicitam a concessão de uma medida cautelar contra a lei “não possuem legitimidade para o ajuizamento da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade”.
Já sobre a acusação de inconstitucionalidade por violação da competência da União, a Casa de Leis afirma que é importante respeitar “as escolhas legítimas realizadas pela sociedade por meio de seus representantes eleitos”.
Para a Ales, a legitimidade da norma se comprova pelo rito ao qual ela foi submetida. O texto foi analisado e aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, Comissão de Direitos Humanos e pelo Plenário da Casa.
Além disso, a procuradoria da Assembleia pontua que o governador Renato Casagrande (PSB) não vetou nem sancionou a lei, o que configura uma sanção tácita – quando o Executivo não se manifesta sobre um projeto dentro do prazo legal. O texto foi promulgado pelo presidente da Ales, Marcelo Santos (União).
Sobre o conteúdo da norma, questionado na petição, a Casa afirma que a lei não traz “qualquer proibição”, apenas propõe uma integração entre a escola e a família no processo de formação pedagógica.
Consta na manifestação que questões morais atingem o âmago da sociedade e, sendo assim, podem contrariar parte dela. Por isso, argumenta, caberia ao legislativo “guardar harmonia com aquilo que a sociedade espera” em relação a estes assuntos.
Sendo assim, a Assembleia entende que o Estado não invade a competência da União, por estar tratando de anseios da população capixaba. Se isso ficasse a cargo da União, a procuradoria alega que sobraria pouco espaço para os estados, o que “gera excessiva centralização legislativa na União, o que caracteriza um grave desequilíbrio federativo”.
A Ales também afirma que a exigência de autorização dos pais para participação em atividades de gênero “não nega direitos de identidade de gênero, tampouco promove discurso discriminatório – apenas garante o direito da família de consentir previamente” sobre temas sensíveis” sobre os temas.
“O respeito à dignidade humana é bidirecional: inclui tanto o direito dos estudantes à diversidade quanto o direito das famílias à liberdade de orientação moral”, defende.
Para a Casa, a lei não elimina visões críticas ou minoritárias, “mas reconhece que há divergência legítima na sociedade sobre tais temas e que a escola não pode suprimir o direito dos pais de participar na formação e na educação dos seus filhos”.
O que diz o Estado
Conforme resposta apresentada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE), o governo considera a lei inconstitucional e se manifesta favorável à procedência da ação. Entre os motivos apontados estão a violação da competência legislativa da União, a censura à liberdade pedagógica e o desrespeito à separação de poderes.
“A norma impugnada acaba por violar competência legislativa privativa da União para dispor sobre diretrizes e bases da educação, bem como a vedação constitucional a quaisquer formas de censura à liberdade de cátedra e concepções pedagógicas de professores”, justifica.
A PGE explica que a participação de crianças e adolescentes deve ser tratada de modo uniforme em todo o país, não sendo de responsabilidade dos estados estabelecer proibições ou permissões locais.
Além disso, pontua que a lei limita a liberdade de aprendizado dos alunos sobre a “pluralidade social existente na vida real”.
“(A lei) promove a supressão de campos inteiros do saber da sala de aula e desfavorece o pleno desenvolvimento da pessoa, que precisa ter acesso à realidade fática social e construir seu próprio repertório cultural”, argumenta.
Por fim, o último ponto de violação apontado se relaciona ao fato de que a lei determina que as sanções a serem aplicadas às instituições deveriam ser definidas pelo governo estadual em até 90 dias.
A PGE entende que, “ao impor prazo certo para a regulamentação das sanções aplicáveis ao descumprimento da Lei”, foram violados artigos da Constituição que estabelecem que compete ao chefe do Executivo “examinar a conveniência e a oportunidade para o desempenho das atividades legislativas e regulamentares que lhe são próprias”.
“Assim, qualquer norma que imponha prazo determinado para a prática de tais atos configura indevida interferência do Poder Legislativo em função típica do Poder Executivo”, violando a separação dos poderes e o poder do governador de expedir decretos.