
Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), Jorge Rodrigo Araújo Messias tem em sua cabeceira um livro com nome sugestivo: “A Arte da Prudência”.
Escrito por Baltasar Gracián, o oráculo de bolso traz máximas espirituosas, como “Não brilhar mais que o superior”, “Não amar nem odiar para sempre” e “O jogador perfeito nunca move a peça que se espera, e muito menos a que seu adversário desejaria”.
Messias, sem dúvida, precisou engolir muitos sapos nos últimos anos. Quando assumiu o comando da Advocacia-Geral da União (AGU), em janeiro de 2023, chegou a dizer a amigos que levaria para o túmulo a gratidão que tem por Lula.
“O presidente Lula resgatou o meu nome. Antes de eu ser convidado para esse cargo, as pessoas me chamavam de ‘Bessias’”, afirmou Messias, na ocasião. “Hoje, eu voltei a ser Jorge Messias. Para a minha vida, isso é tudo”.
Dois anos e dez meses depois, o advogado-geral da União foi agora escolhido por Lula para um voo ainda maior: integrar o STF, a mais alta Corte do País, após a aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso.
Apesar de ser próximo do PT por sua atuação no movimento sindical, Messias só conquistou a total confiança do presidente a partir de 2023. Os dois são pernambucanos.
Lula considera o ministro da AGU leal e “maduro” para o STF, um nome que não representa nenhuma aposta de risco para o seu governo. Nos bastidores, Lula afirma ter se decepcionado com decisões de ministros que indicou no passado, como Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa.
Messias ganhou fama nacional em março de 2016, quando o juiz Sérgio Moro, hoje senador, divulgou um grampo telefônico. Na conversa, a então presidente Dilma Rousseff avisava Lula – à época investigado pela Lava Jato – que estava encaminhando o termo de posse dele como ministro da Casa Civil, por intermédio de “Bessias”, para uso “em caso de necessidade”.
Relembre ligação entre Lula e Dilma sobre “Bessias”
Dilma estava gripada e quem transcreveu o áudio de sua conversa com Lula entendeu que ela dizia “Bessias”, em vez de “Messias”. O ministro do STF Gilmar Mendes interpretou aquele diálogo como uma forma de blindar Lula de eventual pedido de prisão e suspendeu a posse do petista.
A crise aumentou, Dilma sofreu impeachment e Messias, o então subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, recebeu o apelido do qual só se livrou em 2023.
Evangélico, o chefe da AGU é diácono da Igreja Batista e tem 45 anos. De família humilde, aprendeu a frequentar cultos ainda pequeno, levado pela mãe, no Recife. “Sou raiz de muito tempo”, diz.
Com essa credencial, Messias intensificou a mobilização para ajudar Lula a se aproximar do segmento religioso que, de acordo com pesquisas, tem muitas resistências ao governo do PT. Não desistiu nem mesmo quando, em junho de 2023, foi vaiado na “Marcha para Jesus”, em São Paulo, ao citar o nome de Lula.
No dia 16 de outubro, por exemplo, Messias foi chamado ao Palácio do Planalto para acompanhar uma reunião entre Lula, o bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus- Ministério Madureira – uma das maiores vertentes do pentecostalismo no País –, o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP) e a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann.
Foi o próprio advogado-geral da União que articulou o encontro com o bispo e o deputado, ambos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na campanha de 2022. Uma parte dos líderes evangélicos, porém, ainda o vê como “homem do PT”.
Embora ministros do STF como Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Flávio Dino preferissem que Lula tivesse abençoado o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sob o argumento de que ele seria um “nome mais forte”, Messias minimiza a divergência. No fim de 2023, chegou a disputar com Dino a indicação para o STF, mas perdeu.
“Na minha porta não tem ideologia”, costuma repetir ele, sempre que questionado sobre problemas políticos. “O meu trabalho é construir pontes. Sou terrivelmente pacificador”, destaca. A frase é uma referência à expressão “terrivelmente evangélico”, usada por Bolsonaro quando indicou o pastor presbiteriano André Mendonça para o STF, em 2021.
Agora, Messias vai precisar gastar sola de sapato no beija-mão aos senadores. Para ser nomeado ministro do STF, o advogado-geral da União terá de passar por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e pelo crivo do plenário da Casa.
Quem é Jorge Messias
Procurador da Fazenda Nacional desde 2007, Messias se formou advogado no Recife e fez mestrado e doutorado na Universidade de Brasília (UNB). Na tese “O centro de governo e a AGU: Estratégias de desenvolvimento do Brasil na sociedade de risco global”, apresentada no ano passado, ele escreve que o STF “logrou estancar os abusos da Lava Jato, reverter decisões injustas de instâncias inferiores e fazer frente às ameaças golpistas que ganharam ímpeto renovado com a chegada de Bolsonaro à Presidência”.
Eu me trancava no cofre da Caixa para estudar na hora do almoço.
Jorge Messias, Advogado-Geral da União
Na época em que cursava Direito, na capital pernambucana, Messias era gerente de uma agência da Caixa Econômica Federal. “Eu me trancava no cofre da Caixa para estudar na hora do almoço. Era o horário que eu tinha para estudar, por causa do expediente do dia”, contou o indicado por Lula para o STF.
Levado por Aloizio Mercadante para o governo, quando Dilma era presidente, Messias foi consultor jurídico e secretário do Ministério da Educação. Ele também trabalhou no Ministério da Ciência e Tecnologia e no gabinete do senador Jaques Wagner (PT-BA), além de ter sido subchefe de Assuntos Jurídicos da Presidência.
Foi o último a sair do Palácio da Alvorada, quando Dilma sofreu impeachment, em 2016: entregou as chaves para a equipe de Michel Temer e acompanhou a presidente cassada até Porto Alegre.
No comando da AGU, Messias auxiliou o governo a alinhavar o acordo entre a Petrobras e o Ibama para a exploração de petróleo na Margem Equatorial, fronteira da costa brasileira que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte.
Apesar dos reparos feitos pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a licença para a prospecção na foz do Amazonas saiu, com o aval de Lula.
A autorização, após muitos embates, animou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), um dos maiores cabos eleitorais de Pacheco na disputa pela vaga no STF.
Crítico do chamado “ativismo” do Judiciário, Messias tem observado, em conversas reservadas, que, após um período de grande turbulência, o Brasil vive hoje um momento de normalidade institucional. “Acho que o leito do rio precisa voltar ao seu curso”, avalia ele.
Ao fazer uma palestra sobre “Perspectivas Contemporâneas do Controle de Constitucionalidade”, em 22 de outubro, o ministro também acenou para o Congresso. Não sem motivo: depende dos votos de no mínimo 41 dos 81 senadores para ter sua indicação aprovada.”
“É preciso respeitar os espaços do Legislativo e do Executivo nas formulações e execuções de políticas públicas”, destacou Messias, diante de uma plateia formada por advogados e estudantes. “As metas, planos e cronogramas impostos pelo Judiciário devem ser traçados a partir das balizas desenhadas pelos outros Poderes, e não pela originalidade da burocracia judicial”. Foi, na prática, um recado de que não é adepto do protagonismo do STF em questões políticas.