O Senado aprovou na terça-feira (2) o Projeto de Lei Complementar (PLP) 192/2023, que altera a contagem dos prazos de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa. O texto recebeu 50 votos favoráveis e 24 contrários e agora segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na prática, a proposta reduz o tempo de afastamento da vida pública em determinados casos e limita a soma de punições que, até então, poderiam ultrapassar duas décadas.
O que muda
Atualmente, a inelegibilidade de oito anos começa a ser contada após o fim do mandato do político cassado. Isso fazia com que, em situações de perda de cargo no início da legislatura, o afastamento superasse o prazo legal, passando de 12 anos.
Com a mudança aprovada, o prazo passa a ser contado a partir de quatro marcos, a depender da situação:
- da decisão que decretar a perda do mandato;
- da eleição em que ocorreu a prática abusiva;
- da condenação por órgão colegiado;
- da renúncia ao cargo eletivo.
Além disso, mesmo em casos de condenações sucessivas, o período máximo de inelegibilidade será de 12 anos.
Para crimes considerados graves, como corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, racismo, crimes hediondos e contra a administração pública, a regra atual será mantida: a contagem só começará após o cumprimento da pena.
O que dizem os especialistas
Marcelo Nunes, advogado eleitoralista, explicou em entrevista ao Folha Vitória que a proposta busca “corrigir distorções” que ampliavam o tempo de inelegibilidade para muito além dos oito anos previstos em lei.
Se um senador fosse cassado no primeiro ano de mandato, ele ficaria os oito anos restantes da legislatura inelegível e mais oito anos posteriores, totalizando quase 16 anos. O objetivo agora é que a contagem se inicie a partir do momento da cassação.
Marcelo Nunes, especialista em Direito Eleitoral.
Ele destacou ainda que a alteração torna as regras mais inteligíveis: “Nem toda demissão de servidor, por exemplo, vai gerar inelegibilidade. Será necessário analisar se houve prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito. A ideia é restringir a punição a situações graves e evitar interpretações excessivas”, afirma.
Já o advogado Hélio Maldonado ressaltou que a mudança também consolida entendimentos já aplicados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Muitas dessas alterações já eram consenso na jurisprudência. Agora foram incorporadas à lei, reduzindo a margem de discricionariedade da Justiça Eleitoral e trazendo mais segurança jurídica.
Hélio Maldonado.
Segundo ele, o ponto central é a proporcionalidade: “Antes, o político podia ficar inelegível por períodos tão longos que, na prática, se tornava uma exclusão definitiva da vida pública. Agora, o limite é de oito anos, podendo chegar a 12 em casos de múltiplas condenações”.
O que é a Lei da Ficha Limpa?
A Lei Complementar nº 135, de 2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, surgiu de um projeto de iniciativa popular que reuniu mais de 1,6 milhão de assinaturas.
Ela alterou a Lei Complementar nº 64, de 1990, e ampliou as hipóteses de inelegibilidade, ou seja, os casos em que um candidato não pode disputar eleições.
O objetivo central foi proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício de cargos políticos, barrando candidaturas de pessoas com histórico de práticas ílicitas, mesmo sem condenação definitiva.
E o caso Bolsonaro?
A proposta não altera a situação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), inelegível até 2030 por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação em relação às eleições de 2022.
Isso porque, para crimes eleitorais, a contagem já ocorre a partir da eleição em que houve a irregularidade, regra que permanece inalterada.
“No caso de Bolsonaro, a inelegibilidade segue pelos oito anos contados desde o pleito de 2022. Ele continua impedido até outubro de 2030”, explicou Marcelo.
Hélio acrescenta que, nesse caso, a nova lei não encurta o prazo: “A condenação dele é eleitoral. A lei nova atinge principalmente condenações por improbidade e crimes comuns, fora do processo eleitoral”.
Veja como funciona na prática:
Caso Bolsonaro:
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado em 2023 pelo TSE à inelegibilidade por abuso de poder político. Pela regra, ele ficará impedido de disputar eleições por oito anos, contados a partir da eleição de 2 de outubro de 2022, quando concorreu à reeleição.
Na prática, Bolsonaro só voltará a estar elegível em 2 de outubro de 2030, quatro dias antes do primeiro turno da eleição presidencial daquele ano, marcado para 6 de outubro. Ou seja, ele até poderia registrar candidatura, mas apenas nos últimos dias do prazo legal.
Caso José Dirceu:
Um exemplo do impacto da contagem da inelegibilidade a partir do fim do mandato é o do ex-deputado José Dirceu (PT-SP).
Em 2005, a Câmara dos Deputados cassou o mandato dele por quebra de decoro parlamentar. Como havia sido eleito em 2002, seu mandato terminaria em 2007.
Com a cassação, Dirceu ficou inelegível até o fim daquele mandato (fevereiro de 2007) e por mais oito anos, totalizando quase 12 anos fora da política, até 2015.
Com a proposta aprovada no Senado, em situações semelhantes, o prazo começaria a contar a partir da cassação, evitando que o afastamento ultrapasse os oito anos previstos em lei.