Sob pressão do governo de Donald Trump, a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva começa a fazer movimentos para se aproximar politicamente de lideranças de direita da América do Sul.
Convencidos de que o presidente dos Estados Unidos age para interferir na política brasileira, integrantes do Palácio do Planalto acreditam que o país não pode permitir que Trump forme um novo “Grupo de Lima” – antigo foro da direita para contestar a ditadura venezuelana – agora com o Brasil como alvo.
Diplomatas defendem que projetos estratégicos para o país são fundamentais para evitar comportamentos hostis ao Brasil de governantes vizinhos, quer sejam aliados ideológicos, quer sejam adversários.
Os últimos atos do governo Trump em relação ao Brasil reforçaram a leitura no Palácio do Planalto de que Donald Trump busca esticar a corda para uma “mudança de regime” no Brasil e interferir nas eleições de 2026. Para o governo, ficou evidente que não haverá brecha e que Trump não busca uma negociação econômico-comercial.
Na semana passada, Trump editou um relatório crítico aos direitos humanos no Brasil, puniu o entorno do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, por causa do programa Mais Médicos, e deu declarações acusando Brasil de ser um “péssimo parceiro comercial”.
Seu secretário do Tesouro, Scott Bessent, desmarcou reunião virtual com o ministro Fernando Haddad (Fazenda), por interferência política do lobby bolsonarista nos EUA.
Por isso, o governo enxerga, no médio prazo, uma possível atuação política que forme um cerco à esquerda na América do Sul e insere na agenda presidencial oportunidades de reforçar relações com governos de direita na região.
O governo brasileiro se prepara para reconhecer o resultado das eleições presidenciais na Bolívia – dois candidatos da direita vão disputar o segundo turno e a esquerda ficou rachada e fora do páreo pela primeira vez em 20 anos. No Planalto, já se fala em estabelecer um diálogo de Estado com quem vencer.
Para o governo Lula, o mais importante será evitar qualquer “instabilidade” em suas fronteiras – tendo em vista a crise migratória venezuela. O Palácio do Planalto não vai endossar a tese de eleição ilegítima levantada pelo antigo aliado Evo Morales, tampouco apoiar manifestações que envolvam episódios de violência.
Além da disputa em La Paz, haverá neste ano eleições presidenciais no Chile – com chances de vitória do radical de direita José Antonio Kast. Em 2026, Brasil, Colômbia e Peru realizam presidenciais.
Para integrantes do governo, a disputa política com a extrema direita será de longo prazo, para além do processo de Jair Bolsonaro, que deve render novas sanções a ministros do Supremo e do Executivo, a partir do julgamento em setembro.
Segundo um conselheiro presidencial, figuras do governo Trump veem a América Latina sob a ótica de seu “quintal” e não devem “tolerar a desobediência” que Lula representou ao pregar independência e não alinhamento, mas pôr em prática a política da “palmatória” para dar exemplo aos demais.
Por isso, Lula também se prepara para organizar uma nova rodada de discussões sobre defesa da democracia em Nova York, no mês que vem, e vai adotar a defesa da soberania no discurso nas Nações Unidas. A ideia é reunir governantes de mais de 30 países, para além da esquerda.
Visitas de governantes de direita
É nesse mesmo sentido que se inserem as duas visitas recebidas por Lula de governantes regionais de direita: a de Daniel Noboa, do Equador, e a próxima de José Raúl Mulino, do Panamá, prevista para o dia 28 de agosto.
Noboa foi recebido nesta segunda-feira, 18 no Planalto. Lula explicitou sua intenção de atuar em parceria com o equatoriano sem levar em conta suas inclinações políticas.
“Diferenças políticas não devem se sobrepor ao objetivo maior de construir uma região forte e próspera”, afirmou Lula, ressaltando também o “respeito” e a “confiança mútua” entre os países.
O petista classificou a visita como marco do recomeço nas relações políticas, comerciais e culturais entre os países. “As discussões ideológicas ficaram no passado”, afirmou Noboa.
O governo carece, no entanto, de uma estratégia mais definida conjunta. O grande projeto são as rotas de integração sul-americanas, que envolvem obras de infraestrutura cruzando a América do Sul, mas dependem de capital privado e internacional, são de longo prazo.
Por enquanto, Lula vai atuar caso a caso, com negociações bilaterais para ver como pode atender demandas dos países e estreitar relações políticas e comerciais, numa estratégia de diversificação da de parcerias que interessa ao País e ao setor exportador.
Noboa, por exemplo, levou de Lula promessa de estreitar a cooperação policial para combater organizações criminosas – o maior problema equatoriano hoje é como responder ao aumento de assassinatos ligados à presença dos cartéis da droga.
O petista prometeu mandar um adido da Polícia Federal para Quito e falou em participar de operações contra contrabando de armas e até contra facções em presídios equatorianos.
Noboa também teve a promessa de que o Brasil vai procurar equilibrar a balança comercial, hoje muito desfavorável ao país andino – de US$ 1,1 bilhão o Brasil vende US$ 970 milhões. Isso significa que o País teria que comprar mais do Equador – o que deve se refletir em vendas de banana e camarão equatorianos ao mercado brasileiro.
O governo do Panamá também busca aproximação econômica e está interessado em um acordo de livre comércio com o Mercosul, bloco econômico a que se associou. Ele quer comprar aeronaves da Embraer e levar investidores brasileiros para o Canal do Panamá – alvo da cobiça de Trump.
Diplomatas afirmam que a relevância econômica de projetos como a hidrelétrica de Itaipu e o gasoduto Brasil – Bolívia na prática impede rompimentos de relações com o país. Eles agora apostam que o Brasil vai conseguir viabilizar a compra do gás de Vaca Muerta, na Argentina.
Relação com Argentina e Paraguai
O governo Lula também trabalha com o plano de que a relação econômica entre Brasil e Argentina siga se adensando. Embora em nível presidencial haja um bloqueio na relação com Javier Milei, as burocracias dos dois países trabalham com maior fluidez.
O presidente também quer recuperar laços com o Paraguai – houve um abaldo depois de ser revelado o episódio de espionagem da Abin, que paralisou a negociação sobre o aproveitamento da energia gerada em Itaipu Binacional. Lula já se encontrou com Santiago Peña e eles prometeram retomar contatos e visitas.
Mas, por outro lado, o governo paraguaio tem sido cortejado pelos EUA e assinou na semana passada uma colaboração contra crime organizado e imigração ilegal, agenda de interesse do Departamento de Estado.
O governo teme iniciativas como a decisão de Trump de enviar as Forças Armadas para combater o narcotráfico na região – visto nos EUA como terrorismo – classificação que o Brasil oficialmente rechaçou.