Major do ES e mais seis réus são condenados por trama golpista Major do ES e mais seis réus são condenados por trama golpista Major do ES e mais seis réus são condenados por trama golpista Major do ES e mais seis réus são condenados por trama golpista
Alexandre de Moraes vota pela condenação de major do ES em trama golpista
Moraes votou pela condenação de Ângelo (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil e Reprodução / Instagram)

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta terça-feira (21), para condenar o major da reserva do Espírito Santo Ângelo Martins Denicoli e outros seis réus do núcleo de desinformação da trama golpista.

Os sete réus eram apontados como integrantes do núcleo de desinformação (núcleo 4) da trama golpista. Com a decisão, o colegiado entabula um novo precedente para punir fake news na esfera penal.

Os ministros concluíram que os réus participaram do plano de golpe e esperavam uma intervenção das Forças Armadas contra o resultado das eleições de 2022.

A maioria foi formada com os votos de Alexandre de Moraes (relator), Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino. O ministro Luiz Fux foi o único que divergiu até o momento, consolidando o antagonismo a Moraes.

Para os ministros, ficou comprovado que o grupo criou e espalhou notícias falsas sobre as urnas eletrônicas e o Poder Judiciário com o intuito de promover instabilidade política e tentar justificar medidas de exceção.

Também foi reconhecido o uso indevido da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para produzir fake news e monitorar clandestinamente autoridades, o que ficou conhecido como “Abin Paralela”.

Veja quem foi condenado e as penas:

  • Ailton Gonçalves Moraes Barros,capitão reformado do Exército, que teria disseminado ataques aos comandantes militares, condenado a 13 anos e 6 meses de pena e ao pagamento de multa de 120 salários mínimos;
  • Ângelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército, intermediou o contato com o influenciador argentino Fernando Cerimedo, responsável por uma transmissão ao vivo com ataques às urnas, e teria espalhado notícias falsas sobre o processo eleitoral, condenado a 17 anos de pena e ao pagamento de multa de 120 salários mínimos;
  • Carlos César Moretzsohn Rocha, ex-presidente do Instituto Voto Legal (IVL), que produziu o relatório usado pelo Partido Liberal para pedir a anulação de votos do segundo turno das eleições de 2022, condenado a 7 anos e 6 meses de reclusão e ao pagamento de 40 salários mínimos;
  • Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército e ex-servidor da Abin, teria participado da “Abin Paralela”, condenado a 14 anos de pena e ao pagamento de multa de 120 salários mínimos;
  • Guilherme Marques Almeida, tenente-coronel do Exército, compartilhou publicações falsas sobre fraudes nas urnas, condenado a 13 anos e 6 meses de pena e ao pagamento de multa de 120 salários mínimos;
  • Marcelo Araújo Bormevet, policial federal e ex-servidor da Abin, também teria participado da “Abin Paralela”, condenado a 14 anos e 6 meses de pena e ao pagamento de multa de 120 salários mínimos;
  • Reginaldo Vieira de Abreu, coronel do Exército, teria tentado manipular o relatório do Ministério da Defesa que descartou fraudes nas eleições de 2022 e imprimiu a minuta que previa a criação de um gabinete de crise após o golpe, condenado a 15 anos e 6 meses de pena e ao pagamento de multa de 120 salários mínimos.

A condenação dos militares e do policial federal foi por todos os cinco crimes atribuídos na denúncia – organização criminosa armada, golpe de estado, tentativa de abolição violenta do estado democrático, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado contra o patrimônio da União. As penas devem começar a ser cumpridas no regime fechado.

Carlos Rocha, único civil entre os denunciados, foi condenado somente por organização criminosa armada e tentativa de abolição violenta do estado democrático e poderá cumprir a pena no regime semiaberto.

As prisões não são automáticas. Os réus têm o direito de recorrer antes de começar a cumprir as sentenças. Os recursos, no entanto, se limitam a questionamentos sobre detalhes do acórdão e não têm mais potencial de reverter as condenações.

O grupo também foi condenado a pagar pelos danos causados na Praça dos Três Poderes no 8 de Janeiro. A multa solidária por danos morais coletivos é de R$ 30 milhões e está sendo compartilhada por todos os condenados das ações penais relacionadas aos atos golpistas. Já são centenas de condenados entre executores e instigadores.

Outro efeito da condenação é a perda dos cargos públicos e a inelegibilidade dos réus por oito anos, a contar da decisão, punição que está prevista na Lei da Ficha Limpa.

Os militares ainda serão julgados pelo Superior Tribunal Militar (STM) e podem a patente patente por indignidade para o oficialato. A Constituição prevê a possibilidade de expulsão das Forças Armadas de oficiais condenados a penas privativas de liberdade maiores de dois anos.

Fake news

O julgamento sedimenta a interpretação que deve ser usada para condenar os próximos réus da trama golpista, a reboque do núcleo crucial, formado pelas lideranças do plano de golpe, que foi condenado em setembro. Os ministros entendem que, embora não tenham atuado ativamente em todas as fases do plano golpista, os réus do núcleo de desinformação participaram de atos executórios que consumaram os crimes. Por isso, todos compartilham a responsabilidade criminal.

Além disso, ao condenar o núcleo de desinformação, os ministros entenderam que é possível punir criminalmente as fake news, mesmo sem uma lei específica que regulamente o assunto. Não foram definidos parâmetros objetivos para o enquadramento criminal das notícias falsas, mas a maioria considerou que espalhar desinformação pode ter consequências na esfera penal.

A disseminação de notícias falsas sobre instituições democráticas e o processo eleitoral foi considerada um ato executório, ou seja, uma etapa para a concretização do plano de golpe.

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o uso de redes sociais e aplicativos de mensagem para promover notícias falsas e ataques coordenados é um modus operandi do “novo populismo digital extremista”.

Na mesma linha, o ministro Flávio Dino, presidente da Primeira Turma do STF, disse que o julgamento trata “de um fenômeno contemporâneo que transcende as fronteiras nacionais”.

“Há quem pense que esse núcleo estaria no escalão valorativo inferior na consumação dos eventos quando comparado com outros núcleos. Penso de modo diferente”, destacou o ministro.

Dino defendeu que a desinformação não pode ser minimizada e está no centro do processo recente de erosão democrática, de deslegitimação do constitucionalismo e de violências.

“Não é sequer novo o fenômeno em que grandes mentiras apresentadas como grandes verdades conduzem, numa relação causal mesmo, à perpetração de crimes”, criticou.

‘Milicianos covardes’

Em um voto duro, o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, afirmou que o núcleo de desinformação agiu como uma milícia digital e promoveu ataques sistemáticos e coordenados a opositores.

“São milicianos covardes que atacam não só os seus inimigos, mas atacam também os familiares”, disparou Moraes. “Uma organização criminosa que tentou tomar de assalto a República Federativa do Brasil.”

O ministro recorreu novamente à analogia com as milícias ao abordar a “Abin Paralela”, que ele chamou de “célula de inteligência miliciana”.

“Todos tinham consciência de qual era a finalidade dessa organização: a sua manutenção a todo custo no poder, ignorando totalmente a vontade dos eleitores e eleitoras.”

Divergência

Assim como no primeiro julgamento da trama golpista, que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os réus do núcleo crucial, Fux foi o único ministro da Primeira Turma a divergir.

Na visão dele, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não comprovou a relação de causalidade entre as condutas atribuídas aos acusados e os crimes imputados a eles. Em outras palavras, para Fux, a denúncia não individualizou como cada denunciado contribuiu para o 8 de Janeiro.

Desta vez, o voto do ministro foi pela absolvição total dos acusados, posicionamento ainda mais amplo que o anterior, quando pediu a condenação de dois dos sete réus do núcleo crucial – o general Braga Netto e o tenente-coronel Mauro Cid.

‘Realinhamento’

Antes de se debruçar sobre as provas do processo, Fux fez um preâmbulo para justificar sua mudança recente de posicionamento. O ministro deu centenas de votos para condenar réus do 8 de Janeiro. Ele afirmou que, com o tempo, percebeu que cometeu “injustiças”.

“Essa é a coragem que eu invoco ao reconhecer que meu entendimento anterior – julgamos muitos casos -, embora amparado pela lógica da urgência, incorreu em injustiças que o tempo e a consciência já não me permitiam sustentar. O meu realinhamento não significa fragilidade de propósito, mas firmeza na defesa do Estado de Direito”, justificou.

Fux também afirmou que os juízes precisam ter “capacidade de reparar erros” e não podem se deixar influenciar pela comoção social.

“Por vezes, em momento de comoção nacional, a lente da Justiça se embacia, pelo peso simbólico dos acontecimentos e pela urgência em oferecer uma resposta rápida que contenha a instabilidade político-social. Nessas horas a precipitação se traveste de prudência e o rigor se confunde com firmeza”, criticou o ministro.

“Mas o tempo, esse árbitro silencioso e implacável, tem o dom de dissipar as brumas da paixão, revelar os contornos mais íntimos da verdade e expor os pontos que, conquanto movidas pelas melhores intenções, redundaram em injustiça, no meu modo de ver.”

Fux pediu nesta terça para deixar a Primeira Turma do STF e pode não participar dos julgamentos dos demais núcleos da trama golpista. O ministro solicitou transferência para a Segunda Turma na vaga aberta com a aposentadoria de Luís Roberto Barroso

Reabertura de investigação sobre Valdemar

A Primeira Turma também aprovou a reabertura da investigação sobre a participação de Valdemar Costa Neto, presidente do Partido Liberal, na trama golpista.

Valdemar foi indiciado pela PF na investigação, mas o procurador-geral da República, Paulo Gonet, não o incluiu na denúncia.

Um dos condenados no núcleo de desinformação é o engenheiro Carlos Rocha, ex-presidente do Instituto Voto Legal, que produziu o relatório usado pelo PL para pedir a anulação de votos do segundo turno das eleições de 2022.

O partido foi multado em R$ 22,9 milhões por questionar sem provas o resultado das eleições, mas apenas Carlos Rocha foi denunciado e agora condenado. Valdemar foi poupado.

Os ministros decidiram enviar a sentença à PGR e à Polícia Federal para subsidiar a retomada do inquérito sobre o presidente do PL.

A decisão cria uma saia justa para Gonet, que busca a recondução no comando da Procuradoria-Geral da República. A sabatina no Senado está marcada para novembro.

Julgamentos mais céleres

O julgamento foi concluído em apenas dois dias, muito mais curto que o primeiro processo analisado, do núcleo crucial do plano de golpe, que demorou cinco dias para ser concluído e levou à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A votação foi mais curta porque os ministros concentraram os votos na autoria dos crimes, ou seja, na participação de cada réu, ignorando questionamentos processuais preliminares que já haviam sido analisados no julgamento do núcleo crucial.

Além disso, a materialidade dos crimes foi reconhecida no primeiro julgamento. Com isso, os ministros não precisaram esmiuçar as provas para repisar que os crimes efetivamente aconteceram e passaram diretamente à conduta de cada réu.