
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) ajuizou uma Ação Civil Pública de Ressarcimento por Danos ao Erário em razão de um “esquema fraudulento estruturado” que teria direcionado licitações e contratos de terceirização na Câmara Municipal da Serra por mais de uma década. A ação, distribuída na quarta-feira (24), busca o ressarcimento de um prejuízo atualizado aos cofres públicos no valor de R$ 18.439.471,94.
Estariam envolvidos no esquema dois ex-presidentes da Casa legislativa: Neidia Maura Pimentel e Rodrigo Márcio Caldeira. O documento aponta que a participação deles foi crucial para a perpetuação do esquema, seja autorizando o aumento injustificado de postos, seja aprovando prorrogações com preços superestimados e ignorando alertas jurídicos.
As investigações do MPES, conduzidas no âmbito de dois Inquéritos Civis e apurações do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) focaram, em sua segunda fase, nas irregularidades encontradas no Pregão nº 06/2013 e no subsequente contrato firmado entre a Câmara e a empresa Servinorte Serviços Ltda. – ME.
A Câmara e os envolvidos no suposto esquema foram procurados pela reportagem, mas ainda não retornaram o contato.
Esquema com “sócio oculto”
A ação aponta que o esquema de fraude licitatória e de contratações irregulares perdurou de 2009, quando o presidente da Câmara era Raul Cezar Nunes, a 2023. Nunes foi réu e condenado em ações de improbidade administrativa resultantes da primeira fase da investigação.
A trama era arquitetada para beneficiar um grupo econômico controlado por um empresário central, identificado como Júlio Cezar Barbosa, o “sócio oculto” das empresas vencedoras.
Nesta segunda fase investigativa, o MPES denunciou um total de 13 pessoas e empresas, incluindo agentes públicos, particulares e familiares de Barbosa.
O ex-presidente da Câmara, Rodrigo Márcio Caldeira, ainda exerce a função de vereador na Serra. Já Neidia Maura Pimentel foi afastada do cargo em 2018 e condenada em 2019 por prática de peculato e “rachid” – apropriação indevida de parte do salário de um servidor.
O funcionamento do esquema de fraude
O esquema de fraude foi caracterizado pelo dolo (má-fé e intenção deliberada) dos envolvidos, que agiram para macular a lisura dos certames.
“Tais atos foram dolosa e planejadamente praticados com má-fé, revelando a intenção deliberada dos demandados de fraudar o certame e desviar recursos públicos, razão pela qual se impõe a recomposição integral do dano sofrido pela Administração”, escreveu a promotora de Justiça Maria Clara Mendonça Perim.
1. Fraude na licitação
O processo licitatório que resultou no Contrato nº 03/2014, assinado em 26 de março de 2014, foi considerado uma mera formalidade para dar “ares de disputa e de legalidade” à contratação da Servinorte.
Na fase orçamentária prévia, a Administração Municipal convidou para cotar serviços apenas empresas que eram integrantes ou conluiadas ao grupo de Júlio Cezar Barbosa: a Servinorte, o Grupo Servip (Aucamar) e a Serge Serviços Ltda.
A análise de mercado teria sido “fabricada unicamente para garantir que a Servinorte se sagrasse vencedora do certame.”
Conforme o MPES, o certame, por sua vez, teria sido direcionado com um esforço incoerente dos agentes envolvidos para eliminar concorrentes. Uma empresa que apresentou uma proposta significativamente menor do que a Servinorte foi desclassificada após recursos e impugnações da vencedora final.
2. Perpetuação do contrato e sobrepreço
Após a contratação inicial, o Contrato nº 03/2014 sofreu oito aditivos contratuais, prorrogando a execução dos serviços até meados de 2019. O padrão de fraude se repetiu nos processos de prorrogação.
Consta que as empresas ligadas a Júlio Cezar Barbosa participavam das cotações de preços para os aditivos, fornecendo orçamentos para inflar os preços e dar aparência de vantajosidade à prorrogação do contrato com a Servinorte.
Logo no 1º Termo Aditivo (firmado em 2015), por exemplo, houve um aumento injustificado do quantitativo de telefonistas, que subiu de 4 para 16 postos, sem justificativa técnica plausível, resultando em despesa sem interesse público. O prejuízo decorrente desse aumento no curso da execução contratual foi de R$ 3.168.877,62.
A responsável por autorizar o aumento injustificado de vagas foi a ex-presidente da Câmara Neidia Pimentel. Tal conduta gerou a majoração do custo da prestação dos serviços e culminou em prejuízo ao erário.
3. A emergência fabricada
O último aditivo contratual, firmado em 2019, decorreu da “incúria deliberada” dos agentes da Administração.
Segundo o MPES, servidores atrasaram o andamento dos processos licitatórios substitutos para que a licitação fosse publicada a menos de uma semana do prazo final dos contratos vigentes.
O então presidente da Câmara, Rodrigo Márcio Caldeira, teria autorizado a prorrogação “excepcional” do contrato por mais seis meses, baseando-se em mapas de preços superestimados e precários.
Tal prorrogação causou sobrepreço, resultando em um dano de R$ 216.970,32. Além disso, a manutenção de 16 postos de telefonista, que sequer seriam licitados nos novos contratos, gerou um prejuízo adicional de R$ 583.913,28 apenas durante os seis meses de prorrogação.
A soma dos prejuízos por sobrepreço no Contrato nº 003/2014 e seus aditivos, bem como os danos decorrentes das prorrogações excepcionais e aumentos injustificados de postos, totalizou os mais de R$ 18 milhões que o MPES busca ressarcir.
Pedidos do MPES
Além do ressarcimento integral dos danos causados à Câmara Municipal da Serra, o MPES solicita a autuação da ação, a notificação da Casa legislativa e a citação dos denunciados para que estes possam contestar o processo.
O outro lado
A Câmara Municipal da Serra e os dois ex-presidentes da Casa foram procurados pela reportagem, mas ainda não retornaram o contato.
O empresário Júlio Cezar Barbosa não foi localizado. A reportagem tenta encontrá-lo a partir do contato da empresa Servinorte.
O espaço está aberto para manifestações.