
*Artigo escrito por Amarildo Santos, advogado especialista em Direito Público e Conselheiro Seccional da OAB-ES
A recente notificação do Ministério Público Federal a 59 municípios do Espírito Santo por descumprimento do piso salarial do magistério evidencia uma prática ainda presente em diversas administrações municipais: o pagamento do piso em desacordo com os critérios estabelecidos na legislação federal.
A conduta afronta diretamente a Lei nº 11.738/2008, que institui o Piso Salarial Profissional Nacional para os profissionais do magistério, e já foi objeto de posicionamento consolidado do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCES).
Muitos gestores afirmam cumprir o piso, mas utilizam um mecanismo inadequado de composição do vencimento base. É comum somarem à remuneração inicial gratificações a que o professor já faz jus – como adicional por tempo de serviço ou titulação — valores que correspondem à progressão prevista nos planos de cargos e carreiras dos municípios. Essa prática foi expressamente considerada irregular pelo TCES no Processo nº 00585/2024-1.
A legislação federal é clara ao determinar que o piso deve incidir exclusivamente sobre o vencimento básico, ou seja, sobre o salário inicial da carreira, desvinculado de vantagens adicionais.
O objetivo do legislador foi assegurar a valorização profissional por meio da evolução funcional. Ao incorporar gratificações ao vencimento base, distorce-se a lógica da carreira e desestimula a qualificação. Um professor com mestrado pode acabar recebendo valores próximos aos de um colega em início de carreira, o que compromete o princípio da valorização docente.
Outro ponto de atenção diz respeito à periodicidade da atualização do piso. De acordo com a Portaria do Ministério da Educação, o novo valor deve ser aplicado a partir de janeiro de cada ano. No entanto, nem sempre esse prazo é observado pelos entes municipais: há casos em que a adequação é feita apenas em abril, maio, ou até em meses mais avançados do segundo semestre, como agosto.
Além disso, nem sempre são pagos os retroativos correspondentes ao período de descumprimento, o que configura prejuízo direto ao profissional da educação, e pode gerar passivos judiciais relevantes para os entes federativos.
Nesses casos, os municípios podem ser judicialmente compelidos não apenas a atualizar os vencimentos mensais, mas também a quitar os valores retroativos, acrescidos de correção monetária e eventuais reflexos decorrentes da progressão funcional.
Por exemplo, um professor posicionado no último nível da carreira não pode, em hipótese alguma, receber remuneração equivalente ou próxima àquela de um docente recém-ingresso. Essa diferenciação salarial é um dos pilares da política de valorização do magistério.
Concluo enfatizando que o piso nacional representa uma conquista histórica da categoria e deve ser tratado como um direito inegociável. O cumprimento integral do piso não se trata de liberalidade do gestor, mas de uma obrigação legal.
Os municípios precisam promover o devido enquadramento sob pena de enfrentarem ações judiciais, recomendações de órgãos de controle e eventuais sanções administrativas. Valorizar o magistério é valorizar a educação pública!